AGU restringe poder da Anvisa na concessão de patente de medicamento

Decisão pode restringir novos genéricos

Parecer final assinado pelo advogado-geral da União, Luís Adams, põe fim a disputa entre agência de vigilância sanitária e Instituto Nacional de Propriedade (Inpi), beneficiando indústria farmacêutica.

A disputa interna no governo sobre poderes para concessão de patente de medicamento e, por tabela, sobre a política para liberação de genéricos no mercado brasileiro ganhou mais um capítulo este mês, com parecer final da Advocacia-Geral da União (AGU).

O documento, assinado pelo advogado-geral da União, Luís Adams, restringe o poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na análise dos pedidos do direito de propriedade intelectual sobre remédios e garante poderes ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Integrantes de organizações não governamentais temem que a decisão dificulte a entrada de versões genéricas de medicamentos no mercado brasileiro. Algo que traria reflexos para consumidores e para o governo, que faz compras públicas para abastecer programas de distribuição gratuita de medicamentos. Por lei, o preço do remédio genérico não deve ultrapassar 65% do que é cobrado pelo produto de marca.

A queda de braço entre Inpi e Anvisa começou há dez anos, quando por lei foi determinado que a agência passasse a opinar também nos processos para concessão de patente de remédio. O Inpi considerou a mudança como uma espécie de “intervenção” em seu trabalho. Isso porque a análise da Anvisa, chamada anuência prévia, deveria ser feita depois de todo o processo aprovado no Inpi. Ao longo desses anos, dos 1.596 pedidos aprovados pelo Inpi, 145 foram reprovados pela Anvisa. Em outros 1.161, a anuência prévia foi concedida e, com isso, a patente liberada.

Professor da Faculdade de Medicina de São Paulo e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina lembra que a anuência prévia foi criada para garantir uma análise mais criteriosa dos pedidos de patente. “Havia também uma motivação política: proteger a perspectiva de entrada de novos genéricos no mercado.”

Risco. O parecer assinado por Adams que restringe poderes da Anvisa confirma uma decisão que já havia sido dada em novembro de 2009, mas que foi questionada pela agência. Para a AGU, durante a anuência prévia, a agência tem de analisar apenas um quesito: o eventual risco oferecido pelo novo medicamento. Antes desse parecer, a Anvisa avaliava também três quesitos indispensáveis para concessão da patente: novidade, atividade inventiva e propriedade intelectual – tarefa que o Inpi garante ser apenas sua atribuição. “Temos critérios mais rigorosos para isso, daí a quantia de pedidos concedidos pelo instituto e negados pela agência”, afirma o coordenador de Propriedade Intelectual da Anvisa, Luís Wanderlei Lima.

Uma visão considerada presunçosa pelo procurador-geral do Inpi, Mauro Maia. “Esse argumento extrapola a discussão jurídica. Além disso, basta analisar o quadro de técnicos do Inpi para verificar que tal afirmação não se sustenta. São todos de alto nível.”

Lima garante que o parecer da AGU é impossível de ser cumprido. “Não há, no momento da análise da patente, informações suficientes para dizer se o produto oferece risco à saúde”, assegura. Ele observa que uma substância pode ser alvo de mais de uma patente. “Vários quesitos que precisam ser analisados na análise da segurança não estão disponíveis no momento da patente.”

Como a Anvisa é uma autarquia, ela terá de seguir as recomendações da AGU. Não há como recorrer. “Só nos sobrou a alternativa de dizer sim”, disse Lima. “Gostaria apenas de saber qual interesse a AGU em fazer essa alteração. Ela não atende interesses da população, nem mesmo do governo. Ela comunga apenas com o interesse de parte das indústrias farmacêuticas.”

O procurador do Inpi reconhece que em vários processos a Anvisa não terá informações necessárias para avaliar a segurança do produto a ser patenteado. “Mas isso não significa que a lei de patentes, o dispositivo que cria a anuência prévia, transformou-se em letra morta.”

Especialistas criticam parecer final e veem contradição

O pesquisador do Núcleo de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo Fernando Aith avalia que o parecer da Advocacia-Geral da União sobre anuência prévia está longe de resolver o impasse entre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
Para Aith, o texto da AGU apresenta um ponto contraditório. Ao fixar as atribuições da Anvisa, o parecer determina que, durante a anuência prévia, a agência teria de verificar risco à saúde de medicamentos novos. “Pelo menos um dos aspectos do requisito de patente, que é o da novidade, haveria o duplo exame, o da Anvisa e o do Inpi.”

O pesquisador acredita haver três alternativas para a queda de braço dentro do governo ser resolvida. Uma delas seria a criação de um decreto para regulamentar a lei de patente e, com isso, trazer regras claras para a anuência prévia. Uma segunda alternativa seria a criação, pelo Inpi e Anvisa, de um convênio em que as duas entidades fixassem limites para atuação e para cooperação. Outra possibilidade seria a criação de uma lei para acabar com a anuência prévia.

“O parecer não para em pé. Do jeito que está, há campo ainda para muita discussão.” Representante do Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual da Rebrip, uma rede de organizações não governamentais, Renata Reis disse que o grupo está preocupado com o impacto que o parecer poderá ter no mercado de genéricos. “Quanto menor a oferta de genéricos, mais difícil o acesso da população a drogas caras.” Ela observa que indústria farmacêutica usa uma série de artifícios para prolongar patentes de medicamentos, como pedido de direito de propriedade intelectual para produtos que já estão no mercado, mas que passam a ser indicados para outras doenças, o chamado remédio de segundo uso.

O professor da USP Gonçalo Vecina Neto considerou o parecer da AGU equivocado. “Não se trata de ser contra ou a favor de um ou outro grupo. Trata-se de ser fiel ao espírito da lei. Ela foi criada para que a Anvisa participasse, opinasse no processo. Algo que agora é retirado com o parecer.”

Fonte: Folha de São Paulo (24/01/2011)