APS na rede de enfrentamento da Covid – 19

por Ligia Giovanella, pesquisadora da Ensp/Fiocruz, co-coordenadora da Rede APS

Algumas questões suscitadas pelo debate no seminário “Desafios da APS no SUS no enfrentamento da Covid-19” realizado no dia 16 abril de 2020 organizado pela Rede de Pesquisa em APS da Abrasco

A Rede de Pesquisas em APS considera necessário manter um debate qualificado e a difusão de informações e orientações adequadas com transparência para o controle da Covid-19. Nós, do comitê gestor da Rede de Pesquisa em APS da Abrasco, neste momento excepcional de muitas incertezas, temos dialogado, em encontros semanais virtuais, sobre estratégias de atuação da APS no SUS para o enfrentamento da Covid 19. Para discutir estas estratégias foram constituídos grupos de trabalho que estão elaborando análises que foram apresentadas e discutidas no seminário.

Nos alinhamos à iniciativa da Abrasco que divulgou em carta “Sugestões para o fluxo de atendimento de pacientes sintomáticos respiratórios nas unidades de atenção primária, unidades de pronto atendimento e serviços ambulatoriais”, preocupada com a proteção de profissionais de saúde e dos usuários na busca de reduzir / prevenir o contágio.

O objetivo do seminário foi discutir a potencialidade da contribuição da APS no controle da epidemia, em especial da estratégia saúde da família, que ainda resiste, apesar das tentativas de desmantelamento desde 2017 e do atual governo.

São tempos incertos que exigem reinventar processos de trabalho, estabelecer novos fluxos, fortalecer redes.

O Sistema Único de Saúde com seus princípios de universalidade, integralidade e equidade e a capilaridade de seus serviços pelo território nacional tem potencialidade para lidar com esta pandemia. No entanto, o SUS cronicamente subfinanciado, nos últimos anos sofre um desfinanciamento agudo com a Emenda Constitucional 95 que congelou os investimentos públicos e já afetou de maneira direta a saúde, ocasionando redução de R$ 20 bilhões dos recursos da saúde no orçamento federal de 2020. E mesmo hoje frente a pandemia, os recursos federais não superam estas perdas. Segundo o CNS, para o combate à Covid foram alocados até ontem (14 de abril) 18,9 bilhões de reais: 5,6 bilhões de recursos do MS remanejados e 13,3 bilhões de recursos novos. Destes 7,8 bilhões foram empenhados e apenas 5 bilhões liquidados: 2 bilhões transferidos a estados e 3 bilhões transferidos a municípios. (13 bi novos para o SUS e 15 bi liberados para os planos de saúde!)

O enfrentamento desta pandemia depende do fortalecimento do Sistema Único de Saúde em todos os seus componentes: de vigilância, de cuidado em todos os níveis, promoção, prevenção e pesquisa: de Mais SUS – Mais Estado – para Mais Saúde.

Certamente, a experiência internacional mostra que as medidas de isolamento social, associadas à testagem ampla com identificação de casos, a busca dos contatos e isolamento estrito de casos e contatos, testar, testar, testar, associada à proteção adequada dos profissionais da saúde têm conseguido diminuir o contágio, prevenir o crescimento exponencial de casos, e reduzir sofrimento e morte.

O modelo da APS brasileira com suas equipes de saúde da família e enfoque comunitário e territorial que tem tido comprovados impactos positivos na saúde da população tem um papel importante na rede assistencial de cuidados e pode contribuir para a abordagem comunitária necessária no enfrentamento de qualquer epidemia.

No controle de uma epidemia além da garantia do cuidado individual, que no caso da COVID-19, para reduzir mortes, é necessário prover atenção oportuna com transporte sanitário exclusivo, leitos hospitalares e UTIs equipadas que permitam a intubação dos pacientes por longo tempo, é necessária uma abordagem comunitária. E nossas equipes de APS, conhecem seus territórios, sua população, suas vulnerabilidades e tem papel importante na abordagem comunitária. Urge ativar estes atributos comunitários da ESF, associar-se às iniciativas solidárias das organizações comunitárias, articular-se intersetorialmente para apoiar sua população em suas diversas vulnerabilidades e garantir a continuidade das ações de promoção, prevenção e cuidado criando novos processos de trabalho na vigilância em saúde, no apoio social e sanitário aos grupos vulneráveis, na continuidade da atenção rotineira para quem dela precisa.

As apresentações e debates no seminário em síntese apontam para:

A reorganização dos processos de trabalho depende de cada contexto, de cada UBS, de cada município. Não há um modelo único.

Temos mais perguntas do que respostas

O seminário nos deixa algumas questões e pressupostos

Separar os fluxos de atenção dos sintomáticos respiratórios e dos pacientes com outros problemas/necessidades: a linha de cuidado começa por telefone específico para atenção aos sintomáticos respiratórios com comunicação às equipes de casos de sua área para acompanhamento diário por telefone. Como organizar a atenção de sintomáticos respiratórios? Definir estabelecimentos específicos para o atendimento aos sintomáticos respiratórios que necessitam de cuidado presencial? Construir tendas no espaço exterior das UBS? Separar fluxos ao interior das UBS, sem produzir contágio, em geral é muito difícil. Separar equipes de profissionais que atendem sintomáticos respiratórios permite uso mais racional dos EPIs.

Reduzir ao mínimo o número de profissionais que entram em contato com casos suspeitos/ sintomáticos respiratórios.

Reduzir atendimento presencial ao mínimo necessário: Organização de tele consulta, grupos usuários por WhatsApp por ACS, grupos de condições e agravos acompanhados por médicos e enfermeiros à distância, tele apoio do Nasf etc.

Disponibilizar INTERNET PARA TODOS: profissionais de saúde e população. O poder público deve instalar wifi em cada bairro, em cada comunidade, articular com operadoras para ampliar a internet de todos os cidadãos que têm contas telefônicas pré ou pós pagas; no mínimo articular para disponibilizar maior acesso (minutos, mensagens e internet) para todos os profissionais, incluindo todos os ACSs (vide exemplo de Portugal)

Testar, testar, testar: identificar casos e buscar contatos e apoiar o isolamento domiciliar. A experiência internacional de países que têm conseguido controlar a epidemia mostra que a testagem ampla ao identificar casos leves e assintomáticos possibilita o isolamento destes casos e seus contatos reduzindo o contágio e o número de mortes. Mesmo ainda não dispondo de testes suficientes, devemos exigir que testes sejam disponibilizados com urgência.

Transporte oportuno e específico para COVID: com fluxos de referência e contrarreferência bem estabelecidos, associado à regulação de leitos, e evitando que casos suspeitos entrem em contato com muitas equipes profissionais

Monitoramento à distância de casos em tratamento domiciliar pelas equipes de saúde: contatos telefônicos diários/ de 12/12hs – a mudança de quadro para grave pode ser muito rápida:

Para finalizar gostaria de ressaltar os três grandes eixos de ação para as equipes de Saúde da Família em seus territórios como apontando pela professora Maria Guadalupe Medina:

  • i) vigilância em saúde nos territórios, com apoios ao isolamento social e de casos e contatos, educação em saúde, notificação; acompanhamento cotidiano à distância dos casos em cuidado domiciliar
  • ii) apoio aos grupos vulneráveis seja por sua situação de saúde e ou social articulado a iniciativas comunitárias, e articulação intersetorial;
  • iii) continuidade dos cuidados rotineiros da APS (como pré-natal, hipertensos, diabéticos, vacinação) com novas formas de cuidado cotidiano à distância (com disponibilidade de acesso à internet, WhatsApp, telefone, teleconsulta…)

As escolhas de estratégias para o SUS e a APS hoje terão consequências para o SUS no futuro.

Uma boa atuação do SUS levará ao seu fortalecimento. O enfrentamento da pandemia tem revelado a distribuição desigual de serviços de saúde e exige a construção de redes assistenciais regionalizadas, e o fortalecimento da autoridade.

sanitária estadual, o que pode ser um legado positivo para o SUS. Mas podemos também caminhar para uma maior mercantilização e privatização a depender das escolhas feitas, como por exemplo podemos ampliar a capacidade instalada pública laboratorial ou financiar o setor privado. Na APS, a criação da ADAPS neste período também sugere uma opção pela privatização. Mas podemos também sair desta pandemia com uma APS mais integral mais fortalecida se aprofundarmos seus atributos comunitários.

Incentive o isolamento social – fique em casa, lave as mãos, use máscara

Lançamos também um fascículo especial sobre o tema da APS no enfrentamento da Covid 19, que contempla artigos referentes algumas das análises apresentadas, de nossa publicação “APS em Revista”, que tem como editor Allan Claudius Queiroz Barbosa da Face UFMG. A revista pode ser acessada no site https://apsemrevista.org/aps

Convido a todos a se cadastrarem em nossa rede de pesquisa no site https://redeaps.org.br/ para receberem nosso boletim semanal e participar de nossas atividades.

Assista a integra do seminário “Desafios da APS no SUS no enfrentamento da Covid-19” abaixo:

9 hs: Mesa Redonda – APS no SUS: importância da equipe multiprofissional, território e universalização no enfrentamento da Covid-19

Panorama da pandemia da Covid-19 – Rosana Aquino (ISC/UFBA)
Eixos de intervenção da APS: o que é importante fazer?
Maria Guadalupe Medina (ISC/UFBA)
Experiência de organização de serviços de APS – Claunara Schilling Mendonça (UFRGS e Grupo Hospitalar Conceição)
Cuidar de quem Cuida: Proteção e cuidados dos profissionais de saúde – Elaine Thumé (UFPEL)
Lições de experiências internacionais no enfrentamento da COVID – Renato Tasca (OMS/OPAS-Brasil)
Debatedor: Luiz Augusto Facchini (UFPEL) coordenador da Rede de Pesquisa em APS
Coordenadora: Ligia Giovanella (Ensp/Fiocruz)

14hs Painel
Entre o biológico e o social – Cristiane Spadacio (Faculdade Ceres, São José do Rio Preto)
Repercussões sociais da pandemia – Maria Helena M de Mendonça (Ensp/Fiocruz)
Repercussões da pandemia sobre a formação em saúde – Sandro S. de Oliveira (ABEM)
Debate: Síntese das recomendações e necessidade de pesquisas em APS
coordenador: Luiz Augusto Facchini (UFPEL)