Câncer, depressão e suicídio

O suicídio de pacientes com diagnóstico de tumores malignos é raro, mas não deixa de ser um perigo real

Por Riad Younes*

A recente morte do ator americano Robin Williams chamou a atenção do mundo todo sobre os riscos de pessoas com depressão e com uso crônico de drogas e bebidas alcoólicas de cometerem suicídio. Estudos foram amplamente discutidos na mídia que comprovam a maior incidência de tentativas de suicídio em pacientes com depressão grave, comparados com pessoas normais na sociedade.

Recentemente, no entanto, recebi a informação de familiares de que uma paciente também cometeu suicídio. Ela foi diagnosticada com câncer de pulmão, já espalhado para o fígado. Estava fazendo exames preliminares para iniciar a quimioterapia. Não chegou a receber a primeira dose do tratamento. Infelizmente ela morreu tragicamente.

Apesar de não ser uma ocorrência muito comum, o suicídio de pacientes com diagnóstico de tumores malignos é um risco real. O estresse psicológico da doença e a perspectiva de sofrimento, muitas vezes não realística, podem levar alguns pacientes a considerar seriamente em terminar com a própria vida.

Um grupo de cientistas do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, associado a colaboradores da Universidade Harvard, nos EUA, recentemente publicaram um estudo extenso na prestigiosa revista médica New England Journal of Medicine.

Durante mais de 15 anos, eles avaliaram mais de 6 milhões de suecos para determinar a possível associação com o diagnóstico de câncer e a morte precoce por doenças cardiovasculares ou suicídio. Comparados com as pessoas sem câncer, os pacientes com diagnóstico de tumores malignos tiveram risco significativamente elevado de suicídio. Observaram que o risco de um paciente cometer suicídio, na primeira semana após o diagnóstico, era 12 vezes maior que a população normal, e no primeiro ano era três vezes maior.

Em cada mil pessoas que saíram do consultório médico com a notícia de serem portadores de um câncer, estima-se que 2,5 pacientes acabem com a própria vida nos sete dias seguintes ao diagnóstico. Nesse mesmo estudo, houve também um aumento de mais de cinco vezes do risco de essas pessoas terem infarto. Os pesquisadores não incluíram nesse estudo estatísticas sobre pacientes que tentaram se matar, porém sem sucesso. Somente os óbitos confirmados foram analisados.

O fator que mais impactou o risco de morte precoce foi a informação de câncer avançado, disseminado pelo corpo. Exatamente o que a paciente acima teve. Por outro lado, à medida que o tempo passa e os tratamentos se sucedem, os pacientes apresentam uma queda drástica do risco de suicídio.

Os elevados números de mortes, ocorrendo imediatamente após o diagnóstico de câncer, foram considerados um alerta para as autoridades de saúde pública, assim como para os oncologistas. Recomenda-se rever as rotinas de abordagem dos pacientes nos centros de oncologia. A atenção relativa a problemas básicos psicológicos ou psiquiátricos devem fazer parte integrante da avaliação clínica dos doentes com câncer. A percepção de traços importantes de depressão ou de estresse emocional deverá ser o alerta para considerar acompanhamento psiquiátrico precoce.

Atualmente, a Organização Mundial da Saúde determinou que suicídios são, na maior parte das vezes, evitáveis. É obrigação de médicos e familiares atentarem aos momentos de maior fragilidade para proteger os pacientes com câncer mais vulneráveis.

*Riad Younes é médico, diretor clínio do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Fonte: Carta Capital