Cebes ouve especialistas sobre a atuação e desafios dos gestores da área de saúde

O próprio Ministério da Saúde define que a função de gerir a Saúde, em qualquer esfera institucional, coloca vários desafios que precisam ser enfrentados. O primeiro deles consiste em dominar toda a complexidade de conceitos, ações e serviços que o Sistema Único de Saúde (SUS) abrange.

Recentemente, a atuação de muitos gestores do SUS tem sido julgada de maneira negativa, sendo alvo de duras críticas, que passam desde a má avaliação dos serviços de saúde pela população até a incapacidade de gerir os recursos disponíveis. Tendo em vista este panorama, o Blog do Cebes entrevistou especialistas sobre a atuação e inserção dos gestores no sistema público de saúde, colhendo opiniões sobre as dificuldades e desafios que estes profissionais enfrentam.

Julio Muller, membro do Conselho Consultivo do Cebes e especialista em saúde pública, acredita que os gestores acabam incorporando as críticas feitas ao SUS, já que são eles que dão corporeidade ao sistema. “As críticas vão de encontro ao gestor porque hoje, sobretudo, é o gestor que encarna o SUS. Sua figura representa o sistema”, diz.

Para o especialista, isto se deve a um problema de concepção e de imagem do SUS. Assim, quando o sistema apresenta problemas e deficiências, os gestores são os primeiros responsáveis apontados. “Do ponto de vista do marketing social, o SUS não tem pai, nem mãe. Tudo que não funciona e que está errado pertence ao SUS. Porém, quando alguma coisa dá certo, aí o mérito é do governo federal, das secretarias de saúde…”, argumenta.

Muller ainda esclarece que este gestor ao qual ele se refere é aquele comprometido com o SUS e com a política de saúde; “e não aqueles profissionais com finalidades particularistas que, muitas vezes, estão na gestão para praticar o corporativismo, o clientelismo, o benefício pessoal e, em alguns casos, inclusive corrupção”.

O modelo de gestão dos serviços de saúde no Brasil talvez seja a explicação para uma avaliação negativa dos gestores que atuam na área, na opinião de Walter Mendes, ex-gestor e coordenador do Curso Nacional de Qualificação dos Gestores do SUS, da ENSP. Ele acredita que o modelo de administração direta está ultrapassado. Mendes afirma tratar-se de um modelo arcaico, que estimula uma gestão amadora, oferece pouca autonomia e baixa remuneração para os gestores. Segundo o coordenador, muitas vezes os profissionais também não estão preparados para a função que exercem.

Outro fator que pode contribuir nesta questão são as influências da estrutura política brasileira, que podem interferir de duas maneiras, de acordo com Mendes. A primeira delas é a barganha das casas legislativas, quando cargos de diretores de serviços de saúde são usados como moeda de troca para a aprovação de assuntos de interesse do Executivo. A segunda refere-se a estrutura política administrativa do país. “A maioria dos municípios não tem capacidade de gestão em geral e em particular na saúde”, afirma Mendes.

Mecanismos de controle

Os Tribunais de Contas têm por objetivo avaliar a atuação e função dos gestores. Muitas vezes, esses órgãos são vistos como algo que atrapalha a gestão e a autonomia dos profissionais, influenciando no desempenho das instituições. Sobre essa questão, Muller pondera a importância do controle externo na melhoria da gestão pública e, de maneira geral, do país. Mas, ele acredita que nem sempre os monitoramentos vão até a finalidade dos sistemas. “Acaba não se avaliando o desempenho e as políticas daquele sistema. O monitoramento, frequentemente, fica preso à questão dos meios”, completa. Referindo-se à “fama” de perseguição política nos Tribunais, Muller diz que estas atuações podem ser consideradas como exceção.

Como gestor da saúde, Mendes diz que já passou por situações inusitadas. “Já fui questionado quando a Secretaria (de saúde) financiou uma reunião de uma entidade privada. Mas, a entidade privada era o CONASS”, conta. Ele afirma ainda que a nomeação de alguns políticos, com trajetórias duvidosas, confere um caráter muito político aos tribunais.

Pode-se dizer que alguns dos maiores desafios para os gestores correspondem às fragilidades técnicas, políticas e financeiras que estes profissionais têm que enfrentar, além de exigir a habilidade de gerir instituições ou órgãos com poucos recursos. Muller avalia estas situações como obstáculos a serem vencidos no sistema público de saúde. Além disso, o especialista afirma que são questões muito mais estruturais que, propriamente, de gestão. “O gestor fica naquela situação do síndico de condomínio. Ele tem que garantir tudo para todos, porque o SUS é isso. E além do mais, tem que ser de graça”, completa.

Fragilidades

Muller enumera cinco grandes fragilidades que interferem na gestão de saúde. A primeira delas está no âmbito normativo, com a própria legislação. Outro ponto de conflito diz respeito à multiplicidade dos sistemas de informação, que nem sempre são utilizados e muitas vezes não conseguem estabelecer um “diálogo” entre a rede. O terceiro fator está relacionado à execução e precariedade a que são submetidos os profissionais. O conselheiro do Cebes destaca a instabilidade da “porta de entrada” do sistema, como também as dificuldades para mudanças na política de recursos humanos dentro do SUS. A quarta fragilidade é a pouca força política da área de saúde. Além disso, o perfil dos gestores e a falta de capacitação interferem na condução da gestão pública.

Este cenário faz com que os gestores passem, muitas vezes, por questionamentos e exigências no âmbito judicial, somado aos mecanismos de controle social. Para Mendes, a judicialização da saúde é extremamente perigosa, já que impõe aos gestores ordens incoerentes. “Há ocasiões que temos que respeitar ordens sem questionar, como fornecer medicamentos que não estão na lista padronizada, internações de crianças em hospitais que só atendem adultos, sem contar com a indústria de liminares que inviabilizam as licitações”, exemplifica.