Com mais recursos, mais SUS: universal, integral e de qualidade
A próxima segunda, dia 5, será histórica para o movimento sanitário e toda a sociedade brasileira. Será entregue na Câmara dos Deputados, ao presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), um projeto de lei de iniciativa popular, com mais de dois milhões de assinaturas, que obriga a União a repassar o equivalente a 10% de sua receita corrente bruta à saúde pública brasileira. Este percentual de destinação constava na Emenda Constitucional 29, mas foi vetada pela presidenta Dilma Roussef.
Será a materialização dos esforços de mais de 50 entidades, associações, centros de estudos, universidades e ativistas da saúde, que estiveram nas ruas durante 26 meses, buscando assinaturas para garantir recursos para o SUS. O legislativo federal deverá votar um pedido de urgência na tramitação do projeto, que pode entrar em vigor já em 2014.
Em números absolutos, se aprovado o Projeto de Lei, aproximadamente, mais R$ 45 bilhões seriam investidos no Sistema Único de Saúde (SUS), minimizando o crônico subfinanciamento que tem sido sua principal marca, desde sua criação.E mais importante, o SUS finalmente contará com uma fonte estável de financiamento.
Num sentido mais amplo, cada assinatura representa a vontade de que o SUS se consolide como uma política social inserida em um amplo contexto de justiça social e de enfrentamento das desigualdades no Brasil. Para Ana Maria Costa, presidenta do Cebes ,o Movimento Saúde+10 mobilizou a consciência coletiva pelo direito a saúde e, sem duvida contribuiu para que a saúde se transformasse em demanda popular nos movimentos de rua recentes. Por outro lado, a grande adesão reflete o desejo popular de consolidação do SUS propondo a superação de um financiamento incompatível com as necessidades da população. “Com financiamento estável e garantia de mais recursos, poderíamos conferir o valor ético e político superior à vida e à saúde no contraponto aos valores do mercado e do capital que vem ganhando espaço no país”, defendeu.
Ana acrescenta que é preciso acabar definitivamente com o falso argumento de que a falta de boa gestão é que explicaria as mazelas do setor. “A afirmação de que precisamos de mais recursos para o SUS não contrapõe à necessidade de maior eficiência na gestão, pelo contrário, o aumento de recursos deve, inclusive, permitir uma gestão mais eficiente”.
Perdas
Segundo estudo da professora Sulamis Dain, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as perdas acumuladas para a saúde pública brasileira ao longo dos anos 2000 somam cerca de R$ 180 bilhões de reais. “Sem contar com a inominável desoneração da folha de salários, existem outras desonerações sobre as principais contribuições sociais que beneficiam ao setor privado, somando, só na COFINS, cerca de R$ 45 bilhões de reais”, afirmou.
Esses dados explicam, em parte, a progressiva diminuição da participação do governo federal no financiamento do sistema público brasileiro, ainda que o orçamento do Ministério da Saúde tenha aumentado em valores absolutos nos últimos anos. De acordo com a pesquisadora da Fiocruz Ligia Giovanella, não há país com sistema nacional de saúde universal financiado com recursos fiscais com uma rede assistencial tão privatizada como a nossa. A ideia de que os gestores lidam com a aspiração de produzir um sistema de saúde universal em um contexto de restrição fiscal do Estado é apoiado pelo Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA, Carlos Ocké que acusa a existência de uma contradição entre o modelo redistributivo preconizado na Constituição Brasileira e o nível de gasto público em saúde. “O National Health System inglês, modelo semelhante ao preconizado pela Constituição Brasileira, apresenta um nível de gasto público em saúde que representa 85,7% do total de recursos, enquanto o percentual do gasto público brasileiro é de 45,3%”, explica o Ocké.
O pesquisador argumenta que é preciso reverter a visão da saúde como fonte de despesa, aproximando-a da ideia de direito social ou valor humano. Esse seria um sinal claro de escolha definitiva por um sistema público e que os governos eleitos não tenham chance de recuar na construção de um sistema de saúde público, igualitário e equânime.
Mais recursos
Com mais recursos ,o Brasil ainda precisa redefinir “o lugar que a saúde e particularmente o setor publico, ocupará no projeto de desenvolvimento nacional”, afirma Ana Costa. Prossegue analisando que a diversidade de interesses existente hoje em nossa sociedade em relação ao SUS é uma questão delicada e por isso, os governos precisarão explicitar sua política em um campo de conflitos. Não temos duvidas quanto a presença desta diversidade de interesses e ideias sobre o SUS entre as entidades agregadas no Saúde+10. É por isso que é preciso reafirmar o SUS que defendemos: universal, gratuito, integral e de qualidade, arremata a presidente do CEBES.
Nesse contexto, é pertinente debater o que fazer com mais recursos para a saúde. Em junho, o CEBES lançou uma pergunta – o que fazer com mais recursos para a saúde? – ouvindo diversos especialistas, pesquisadores e professores universitários, movimentos sociais e ativistas defensores do SUS.
Umas das diretrizes deste projeto deveria ser capaz de fortalecer o planejamento regional e realizar investimentos para expandir os serviços públicos, visando à redução das desigualdades na oferta de serviços, equipamentos e profissionais de saúde. Segundo a especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental Cristiani Vieira Machado, o país poderia expandir e qualificar a rede de atenção básica em saúde, garantindo a articulação entre promoção, prevenção e atenção clínica, além de aprimorar os mecanismos de coordenação e regulação das redes de serviços de saúde.
Novas fontes de financiamento para o SUS também viabilizaria um plano nacional de investimento em saúde, de forma que se enfrente a questão da concentração dos serviços e equipamentos de saúde nos grandes centros e localidades de média e alta renda. Para a ex-presidenta do Cebes Sonia Fleury, poderia ser elaborado um plano de metas para acabar com dependência de monopólios de insumos, exames, fármacos e tecnologias, sempre que o contrato assegure maior poder ao SUS.
De forma sintética, as propostas que o grupo de entrevistados formulou, consideradas prioritária e fundamentais para a consolidação do SUS, são apresentadas abaixo no formato original que foram apresentadas.
1. Fortalecer as ações intersetoriais que tenham impacto sobre os determinantes sociais da saúde favorecendo um sistema mais efetivo e eficiente;
2. Expansão do acesso a serviços de qualidade, integrados em redes e linhas de cuidado, voltados para parcela da população que tem hoje maiores dificuldades para utilizar serviços de saúde;
3. Uma profunda estratégia para o enfrentamento da ampliação irresponsável e da dependência por parte do SUS da rede privada;
4. Aumento de investimentos em novas tecnologias e insumos estratégicos, aumentando a capacidade de respondermos de forma eficiente e ágil as demandas de saúde da população;
5. Fortalecimento da regionalização do SUS, aumentando a receita para investimentos e gastos dos municípios e regiões de saúde
6. Ampliação da cobertura da atenção básica à saúde, visando a universalização
7. Implementação de um plano de estruturação da rede pública de saúde nos municípios de médio e pequeno porte (hospitais, laboratórios, centros de referências). Há hospitais e pronto-socorros que foram construídos há mais de 50 anos e nunca tiveram uma reforma sequer. Não podemos dispor de mais recursos para serem apropriados pelo setor privado e deixar a rede pública estatal sucateada;
8. A criação de um sistema de pesquisa e avaliação da eficácia de todas as isenções e fluxos financeiros do SUS para os entes privados, definir parâmetros para suspensão e revisão de contratos;
9. Criação de um sistema de responsabilização, contratualização por metas e parâmetros de qualidade para toda a rede pública, a ser anualmente avaliada, como acontece na educação.
10. Interligação dos sistemas de controle externo, controle interno e controle social, além da Política Federal de forma enfrentar nacionalmente e eficazmente a corrupção em saúde;
11. Aplicar a Lei da transparência em todos os serviços de saúde, nas compras dos serviços, nas contratações, impedindo que essas se dêem de forma não concorrencial, como no caso das OS ou de forma ilegal como no caso de OSCIPs criadas oportunamente para tal finalidade subordinação ao interesse público.
12. Exigência de Ficha Limpa para ocupar qualquer posição de mando no sistema de saúde público;
13. Definir e divulgar prazos para melhorias ou fechamento dos serviços;
14. Qualificação, responsabilização e valorização salarial dos profissionais;
15. Criar um sistema de ouvidora conectado a defensoria, promotoria e auditoria com medidas de retorno e efetividade;
16. Desvinculação do orçamento da saúde de ingerências partidárias como emendas parlamentares e indicações de diretores de hospitais e serviços;
17. Qualificação do trabalho em saúde, com a implantação de planos de carreiras, contemplando uma remuneração digna, a dedicação exclusiva ao setor público e ações de educação permanente de todos os trabalhadores do SUS, incluindo seus gestores.
18. Desenvolvimento de uma política nacional que valorize os profissionais de saúde, pois desta forma poderemos assegurar dedicação exclusiva destes para o SUS;
19. Formação de uma rede de profissionais, arquitetos, engenheiros e técnicos, competentes e compromissados, para o Gerenciamento do Parque Tecnológico da Saúde;
20. Investimento em pesquisas e inovações tecnológicas;
21. Apoio à inovação tecnológica e ao desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde, com forte participação dos laboratórios oficiais e das empresas nacionais, orientados a produzir todos os insumos que a atenção integral à saúde exige.
22. Recuperar a estratégia das redes de serviços integrais, que atendem famílias com suas diversas e complexas questões de saúde. Para ter impacto e sustentabilidade, estas redes não devem ser fracionadas ou segmentadas por tipo de atendimento, patologia ou agravo;
23. Numa política nacional de medicamentos que amplia a disponibilidade de medicamentos na atenção básica e no SUS (os gastos com medicamentos são o principal item de despesa dos pagamentos diretos das famílias com saúde);
24. Definitiva implantação e universalização do cartão SUS e no registro de cada cidadão ao seu médico de família e comunidade;
25. Formação massiva de médicos de família e comunidade para o SUS, em residências valorizadas; e na criação de departamentos de medicina de família e comunidade em cada universidade federal;
26. Na implantação de modelos assistenciais inovativos, pilotos, de redes de atenção regional coordenada pela atenção básica /equipes de saúde da família acompanhados por pesquisas avaliem sua qualidade, eficiência e impactos na saúde da população, de modo que possam monitorar e avaliar as inovações e quando exitosos orientar sua expansão para outras regiões.
27. Universalização das residências médicas e regulação do mercado profissional, com ampliação de cursos de medicina.