Criança não é mãe: Mulheres vão às ruas contra PL criminaliza vítimas de estupro
PL 1904 prevê pena até 20 anos para equipes de saúde e mulheres estupradas que realizem abortos após 22 semanas
Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e diversas capitais brasileiras registraram, na noite de quinta-feira, 13/6, atos contra o Projeto de Lei 1904, que criminaliza vítimas de estupro e profissionais de Saúde por aborto realizado após a 22ª semana gestacional. O PL prevê prisão de até 20 anos, superior à pena do estuprador condenado, que vai de 6 a 10 anos, ampliada para até 12 anos se o crime envolver “violência grave”.
Em Brasília, jogral marcou o início da manifestação. Cerca de três mil pessoas entoaram falas em defesa das mulheres e crianças estupradas. De acordo com dados do Fórum de Segurança Pública, 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022. Desse total, 61,4% eram crianças com até 13 anos de idade.
O jogral incluiu, também, críticas ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que pautou urgência ao projeto. O requerimento obstrui discussões e informações sobre o real impacto do PL 1904 e quem ele atinge. “O que Arthur Lira está apoiando, na prática, é uma reedição do Estatuto do Estuprador, que obriga mulheres a gestarem fruto de estupro, sob pena de prisão”, afirma a médica Ana Costa, diretora-executiva do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
No Rio de Janeiro, mulheres evangélicas se uniram ao ato. “Essa bancada evangélica quer raptar o termo evangélico e colocar dentro de um saco. É um grupo hegemônico dentro da igreja, mas que não representa a totalidade dos evangélicos e dos cristãos. Na conjuntura política atual, é importante que a gente se coloque como um grupo que tá do outro lado, que são mulheres que estão pensando por outra perspectiva de defesa da vida, uma vida com dignidade humana“, afirmou Flora, integrante da Frente Evangélica pela Legalização do Aborto (Fepla).
Uníssono nas manifestações, o grito “Criança não é mãe, estuprador não é pai” lembra que as principais usuárias do serviço de aborto legal tardio são meninas menores de 14 anos, juntamente com mulheres periféricas, moradoras de áreas rurais, indígenas e negras, que enfrentam barreiras adicionais à assistência.
“Mesmo adultas, algumas mulheres vítimas de abuso, de estupro, levam muito tempo até reconhecer a violência e ter coragem de fazer a denúncia. E, no caso das meninas, elas nem sabem muitas vezes que estão grávidas né? Sentem a dor de cabeça, o mal-estar e, até que tudo isso seja identificado, a gravidez avançou”, explicou Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), em entrevista ao Cebes.
Criança não é mãe – Viral em redes sociais, a campanha Criança não é mãe já obteve apoio de mais de 300 mil pessoas contra o PL 1904. Hotsite da campanha, lançada na segunda-feira, 10/6, está instável devido ao grande número de acessos, afirma Clara Wardi, do Cfemea, uma das organizações da Frente Nacional pelo fim da Criminalização de Mulheres e pela Legalização do Aborto.
Em enquete da Câmara dos Deputados, a população rejeitou, em massa, o PL 1904/2024. Nesta sexta-feira, 14/6, no final da manhã, resultado parcial indicava que mais de 90% dos participantes discordavam totalmente do projeto. Acesse e vote.
ADPF 989 – O PL 1904/2024 retoma a tentativa do Conselho Federal de Medicina (CFM) de restringir o acesso ao aborto legal, em resolução suspensa pelo Supremo Tribunal Federal por abuso de poder e “distanciamento de parâmetros científicos internacionais”. A suspensão liminar da resolução CFM 2378 atende pedido do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Rede Unida e do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 989).
A ADPF 989, iniciada em 2022, busca assegurar o atendimento imediato, seguro e humanizado vítimas de violência sexual, inclusive com oferta de contracepção emergencial, quando aplicável. Menos de 4% dos municípios brasileiros têm serviços especializados em interrupção gestacional com a composição multiprofissional preconizada pelo Ministério da Saúde. Embora o aborto em caso de estupro e risco de vida seja previsto na legislação desde 1940, é comum a adoção de medidas protelatórias sem previsão legal, como exigência de decisão judicial, que dificultam o acesso à assistência.
Embora o aborto em caso de estupro e risco de vida seja previsto na legislação desde 1940, é comum a adoção de medidas protelatórias sem previsão legal, como exigência de decisão judicial, que dificultam o acesso à assistência.
Reportagem: Clara Fagundes, com Francisco Barbosa/Cebes