Cuidadores de idosos: uma profissão?

Blog Saúde com Dilma – 29/03/2012

By Daniel Groisman

A profissionalização dos cuidadores de idosos vem caminhando no Congresso e no Senado, através de diferentes projetos de lei. O trabalho de cuidador já está reconhecido no país há mais de uma década, já que consta do Código Brasileiro das Ocupações, do Ministério do Trabalho. A idéia de regulamentação da profissão se baseia na pressuposto de fortalecer a qualificação desses trabalhadores, conferindo-lhes maior visibilidade, reconhecimento e possibilidade de integração e inserção nas políticas públicas. Uma série de questões vêm sendo debatidas sobre o tema, sendo um exemplo a consulta pública atualmente aberta no Senado, que levanta um leque de perguntas tais como: “Qual é o nível de escolaridade que deve ser exigido para exercício da profissão?”; “O Estado deve integrar o cuidador de idoso em suas ações de saúde pública, como nas equipes do Saúde da Família?”; ou ainda, “Que procedimentos o cuidador pode realizar sem conflitar com as de competência de médicos e enfermeiros?“. Esses são apenas exemplos do quão fértil é a discussão. O cuidado ao idoso historicamente vem sendo relacionado ao âmbito doméstico e familiar, sendo predominantemente exercido por familiares – sobretudo mulheres – e também por trabalhadores domésticos, com ou sem qualificação para a atividade. Segundo Guimarães, Hirata e Sugita (2011), a emergência do cuidado como profissão pode implicar num processo de ruptura e distanciamento da concepção de que esta atividade ocorra como uma “servidão” voluntária e naturalizada do trabalho feminino doméstico. Esse processo de formalização, mercantilização e profissionalização dos cuidados também está associado ao percurso histórico de transformação da família, sendo uma de suas características a diminuição da capacidade familiar para exercer o cuidado dos membros dependentes, sejam eles crianças, idosos ou demais pessoas que necessitem de cuidados (Camarano, 2010). Como contraponto à ideia de profissionalização do cuidador, encontram-se argumentos que ressaltam o possível encarecimento desses serviços e a dificuldade do acesso por parte de famílias e idosos em situação econômica desfavorável. Por outro lado, contra-argumenta-se que o problema do acesso aos cuidados deve ser enfrentado por ações das políticas públicas em mais de um setor, estando aqui incluída a Saúde, a Assistência Social e os Direitos Humanos, dentre outros. O Brasil avançou muito pouco na direção da constituição de uma “Política de cuidados”, uma área que vem se consolidando em Estados cuja seguridade social relaciona-se tradicionalmente a um projeto de Estado de Bem Estar Social. Talvez um ponto positivo do debate a respeito da profissionalização do cuidador seja a oportunidade de empreendermos uma discussão a respeito do “direito ao cuidado” e das necessidades cada vez mais prementes de implantação e fortalecimento de políticas voltadas especificamente para essa questão no país.

O cuidado é atividade exclusiva da área de saúde?

Um dos pontos existentes no debate em torno da profissionalização do cuidador é o embate e tensionamento entre diferentes classes ou corporações profissionais, sobretudo da área de saúde. Um dos projetos de lei atualmente em trâmite na câmara, por exemplo, prevê em seu texto a exigência de que o cuidador só possa exercer a sua atividade mediante prescrição de um profissional de saúde. Além disso, prevê que os cursos de qualificação para esses trabalhadores só possa ser oferecido por instituições de saúde. Tais questões levantam polêmica, já que tradicionalmente o cuidador não é considerado um profissional de saúde, mas sim um ator que está na interface entre a família e o serviço. Conforme consta no Guia Prático do Cuidador, editado pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2008), “o ato de cuidar não caracteriza o cuidador como um profissional de saúde”. Outro argumento a ser mencionado é o fato de que o cuidado para as atividades da vida cotidiana – higiene, alimentação, mobilidade, socialização, dentre outras – não são especificamente ou necessariamente atividades de cuidado na saúde. Por definição, dependência e doença não são sinônimos. Há, evidentemente, correlação entre a dependência funcional e os processos que dizem respeito à saúde do indivíduo, incluindo-se aí fatores ambientais e sócio-culturais, já que a abordagem consensuada a esse respeito, defende uma visão “biopsicossocial” (CIF/OMS, 2004). Num outro sentido, precisamos nos perguntar se, a despeito das proximidades e interrelações existentes do cuidado ao idoso com os cuidados em saúde, se isso significa que esta atividade deva ser considerada em sua totalidade como atividade de saúde ou, em outras palavras, se estamos dispostos a “medicalizar” o cuidado doméstico, familiar e comunitário e essencialmente voltado para as atividades da vida diária dos indivíduos idosos.

Abaixo-assinado em defesa dos cuidadores, no Rio de Janeiro

Recentemente, um Projeto de Lei de autoria de uma deputada-enfermeira, no Estado do Rio de Janeiro, previa que todos os cuidadores de idosos daquele estado deveriam possuir obrigatoriamente formação na área de enfermagem (auxiliar ou técnico de enfermagem). Tal proposta motivou a elaboração de uma carta-aberta, assinada por conselhos de defesa dos direitos da pessoa idosa, associações de familiares e usuários, instituições formadoras e grupos e cooperativas de cuidadores, dentre outros, na qual tal obrigatoriedade é contestada, sob diversos argumentos, dentre eles, a preocupação com a violação dos direitos de idosos, familiares e cuidadores. O documento, formatado sob a forma de um abaixo-assinado, pode ser acessado no seguinte link: http://www.peticaopublica.com.br /

Daniel Groisman (EPSJV-Fiocruz/RJ)