Defender a democracia, o direito à saúde, a vida e o SUS: pauta da Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular
O editorial da Saúde em Debate V.46, n. 133 escrito pelas cebianas Maria Lucia Frizon Rizzotto, Ana Maria Costa, Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato, aborda a necessidade da promoção da Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde, que ocorrerá no dia 05 de Agosto, Dia Nacional da Saúde. O texto faz um paralelo do momento atual com o da Constituinte de 1988. Se em 1988, estávamos saindo de uma ditadura, agora estamos trabalhando para não sofrermos um novo golpe na democracia. Acesse a revista no link e leia o editorial a seguir:
A FRENTE PELA VIDA (FPV) FOI CRIADA EM MAIO DE 2020, pelas organizações, entidades e movimentos sociais envolvidos com a luta pelo direito à saúde mediante o descaso do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19. Atuando inicialmente sobre a crise sanitária, a FpV tem uma forte articulação política além de apresentar ao Brasil propostas técnicas e propositivas para o enfrentamento da pandemia, tanto nas estratégias sanitárias como econômicas e sociais. A constatação da fragilidade e do desmonte proporcionado pelo governo federal ao Sistema Único de Saúde (SUS) e as perspectivas políticas do País, incluindo as eleições que ocorrerão no presente ano, têm ampliado os compromissos da Frente com a inclusão da saúde no projeto de desenvolvimento brasileiro que estará sob debate nos próximos meses.
Nessa perspectiva, a FpV decidiu realizar uma ampla mobilização nacional para debater e construir propostas para o setor da saúde. Em 7 de abril, no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Saúde, foi lançada a Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde. Essa conferência livre em curso no País já vem mobilizando diversos movimentos sociais em eventos preparatórios, e sua etapa final será realizada em 5 de agosto de 2022 (dia Nacional da Saúde).
Além de interferir no debate eleitoral, a Conferência Livre faz parte das preparações para a XVII Conferência Nacional de Saúde, que ocorrerá em 2023, constituindo, assim, o início de uma grande mobilização com vistas a retomar a construção do direito universal à saúde com a consolidação plena do SUS 100% público, integral e universal. Um de seus objetivos centrais, portanto, envolve incluir a saúde no centro das discussões do programa democrático popular, em construção no País, que irá se contrapor ao projeto em curso de desmonte do Estado, dos direitos sociais e do meio ambiente, com ataque sistemático à democracia brasileira1,2.
A defesa da democracia, do direito universal à saúde, da vida e do SUS são diretrizes que orientam a FpV refletindo os princípios e diretrizes das entidades que a compõem; entre elas, o nosso Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). A convocatória da Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde aponta nessa mesma direção, da qual se espera uma forte acumulação de poder popular capaz de sensibilizar a sociedade nacional para a importância da saúde, avançando o projeto político do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira cujo papel central é inegável na conquista da saúde como direito de todos e responsabilidade do Estado na Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Revisitando o capítulo da CF/88 sobre a saúde, a Frente reforça e orienta que a Conferência Livre e Popular está orientada por diretrizes fundamentadas na compreensão ampliada de saúde, produto da acumulação social e traduzida no bem viver coletivo com justiça e igualdade.
Sendo resultado de complexo processo de determinação social, econômico e ambiental, a saúde só pode ser garantida se estiver articulada a um projeto de desenvolvimento democrático, que preserve o ambiente, assegure direitos e coloque a economia a serviço da vida1,2.
O processo de democratização do Brasil vem exibindo suas fragilidades, particularmente nos últimos anos de fortes ameaças à democracia. Mais que nunca, é necessário reafirmar que a luta por saúde é vinculada à luta por democracia. Lutar pela democracia, pelo direito universal à saúde, pela vida e por um SUS 100% público, universal, de qualidade com integralidade é retomar a luta que vem sendo travada desde as décadas de 1970 e 1980, que levou à redemocratização do País depois de 20 anos de ditadura militar. É honrar a luta que desembocou na Assembleia Nacional Constituinte e incidiu na CF/88, ampliando direitos aos trabalhadores, incluindo a seguridade social, criando o nosso sistema de saúde e garantindo a participação social na condução das políticas públicas.
São momentos distintos que dialogam em sentido inverso: lá, a luta era para sair de uma ditadura dos tempos de chumbo, agora, a luta é para impedi-la; lá, a tarefa foi a de construir as bases ampliadas da seguridade social para o direito universal à saúde e do SUS, agora, a luta se volta contra o desmonte dos direitos sociais e do SUS; lá, o modelo econômico do agronegócio e da exploração sem limites da natureza era um projeto inicial, agora, é o modelo hegemônico de produção agrícola, responsável pelo desequilíbrio da flora e da fauna e pelo ressurgimento de doenças; lá, a participação e o controle social ganharam protagonismo, agora, estão criminalizados por um governo de inspiração autoritária e fascista, que quer se perpetuar no poder.
Esse contexto exige uma grande articulação do campo democrático, visando a um novo pacto social e à construção de um projeto nacional, que tenha como horizonte: a redução das enormes desigualdades sociais; um novo modelo de desenvolvimento que seja sustentável, soberano, que preserve a natureza e seja voltado para as necessidades da população e para as gerações futuras, e não para interesses privados que espoliam nossas riquezas. Um projeto de reconstrução do Estado para a garantia de direitos, como o direito à saúde, à moradia, à educação, à previdência social e à vida digna e segura, sem violência e sem discriminações. Essa é a expectativa sobre a Conferência Popular Livre!
Que sejam fortalecidos os compromissos políticos e a consciência nacional quanto ao imprescindível direito universal à saúde traduzido no conjunto de políticas sociais, econômicas e ambientais. Que sejam fortalecidos o compromisso e a defesa da consolidação do SUS universal, 100% público, financiado com recursos suficientes e adequados, provenientes da seguridade social; que sejam apontados os mecanismos que garantam, em todo o território nacional, acesso igualitário da população às redes de saúde e às ações e serviços de saúde; garantias de mudanças essenciais na gestão do trabalho e na construção de uma nova aliança entre trabalhadores e usuários do SUS. Esses são temas centrais a serem debatidos pela Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde, da qual se esperam novos caminhos para avançar na consolidação de um Brasil Justo e Democrático.
Referências
- Frente pela Vida. Home Page. [acesso em 2020 abr 22]. Disponível em: https://frentepelavida.org.br/.
- Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde. 7 de abril de 2022. Canal Cebes [YouTube]. [Vídeo] 2h e 1min. [acesso em 2022 abr 25]. Disponível em: https://cebes.org.br/frente-pela-vida-lanca-a-mobilizacao-da-conferencia-livre–democratica-e-popular-de-saude/28642/.