Democracia em tempos de crise

Correio Braziliense – 17/09/2012

Especialista em direito constitucional, o jurista lusitano Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda está no Brasil esta semana para proferir a palestra “Democracia e partidos políticos”, no 15º Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Miranda participou da elaboração da atual Constituição portuguesa. Ao Correio, contou como a crise está interferindo na garantia dos direitos dos cidadãos e trabalhadores, e como a Justiça portuguesa lida com a situação.

Como a crise na Europa tem afetado os direitos dos cidadãos?
A crise é sentida, sobretudo, nos direitos sociais. Felizmente, os direitos de liberdade não estão sendo atingidos, nós continuamos na Europa com regimes democráticos que garantem as liberdades. Agora, os direitos sociais estão sendo duramente atingidos. Estão reduzindo as prestações de serviços sociais, a prestação de saúde, as bolsas de estudo para alunos das universidades, bolsas de pesquisa… Há muito desemprego: na Espanha, 20%, em Portugal, 15%. O estado social está sendo muito atingido.

Quais medidas foram declaradas inconstitucionais?
Em Portugal, os funcionários tinham direito, além dos salários regimentais, a um salário extraordinário no Natal e outro nas férias. O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional essa medida devido ao princípio da igualdade, na medida em que atingia só os funcionários do setor público, e não os do setor privado.

Existe algum mecanismo jurídico em Portugal para evitar a perda dessas garantias sociais?
Não há. Na Europa, os tribunais constitucionais declararam inconstitucionais certas medidas que foram adotadas por via legislativa. Formas jurídicas não bastam, sobretudo quando estão em jogo direitos econômicos. Não havendo crescimento econômico, não há recursos financeiros para pagar esses direitos sociais. Esse é o drama. Portanto, os tribunais constitucionais podem ter — e estão tendo — um papel significativo, mas não são suficientes.

O Brasil corre o risco de viver situação semelhante?
Nesses tempos globalizados, é muito difícil uma crise que atinge a Europa e os Estados Unidos também não chegar ao Brasil. Mas o Brasil tem riquezas, recursos e uma política social importante. Acho que no Brasil pode surtir alguns efeitos, digamos, colaterais, mas nada comparado à situação europeia. Estamos otimistas em relação ao Brasil.

Com relação ao tema da palestra que o senhor irá proferir, o que pode falar sobre o parlamento brasileiro?
A Câmara dos Deputados deveria ter composição de fato proporcional à população, como é nos Estados Unidos, mas no Brasil existe uma distorção. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são prejudicados na composição em relação ao Acre, Roraima e Amapá, por exemplo. Não tem sentido isso, mas está na Constituição. É uma das discussões políticas mais importantes do Brasil. Na Câmara dos Estados Unidos, há representantes de acordo com a população. Tem estados com um só representante.