Determinação social da saúde na visão do Cebes

A oficina “Determinação Social da Saúde”, promovida pelo Cebes em maio no no Rio de Janeiro, teve como objetivo principal planejar um encontro amplo sobre o tema que deverá ser realizado em março de 2010, em Salvador. “Promovemos uma reflexão coletiva sobre os aspectos políticos e teóricos da questão da determinação social da saúde que devem ser incorporados à agenda da reforma sanitária brasileira”, ressalta Roberto Passos Nogueira, diretor do Cebes e um dos organizadores do encontro. Na entrevista que segue abaixo, Roberto, que também é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica o que é determinantes sociais da saúde, sua relevância para o Cebes e apresenta as questões destacadas na reunião.

Vários professores e pesquisadores de instituições brasileiras de saúde e diretores do Cebes participaram do encontro. Entre eles, Ana Maria Costa (Ministério da Saúde e Cebes), Anamaria Tambellini (UFRJ), Everardo Duarte Nunes (Unicamp), Eymard Mourão Vasconcelos (consultor), Jairnilson Silva Paim (Ufba), Lenaura Lobato (UFF e Cebes), Ligia Bahia (UFRJ e Cebes), Ligia Maria Vieira da Silva (Ufba), Luiz Antonio Silva Neves (Cebes), Naomar Monteiro de Almeida Filho (Ufba), Paulo Amarante (Fiocruz e Cebes), Paulo Tomaz Fleury Teixeira (Nescon/UFMG), Roberto Passos Nogueira (Ipea e Cebes) e Volnei Garrafa (UnB).

O que é determinação social da saúde?

Este é um conceito de natureza filosófica e sociológica que foi decisivo para a origem do pensamento da saúde coletiva brasileira e da chamada epidemiologia social. Pressupõe que a saúde humana é sempre expressão do modo como a sociedade é organizada em suas dimensões econômicas, mundo do trabalho, distribuição das riquezas e relações de poder político. Um conceito que surgiu nos anos 70 de uma perspectiva socialista e conclamava-nos a pensar sobre como deve ser a sociedade que sucede ao capitalismo. Portanto, tratava-se de entender a saúde não só como um estado de bem-estar, como foi definido pela OMS (Organização Mundial da Saúde), mas como um modo de fazer florescer plena e livremente as potencialidades humanas na vida social, o que implica, em última instância, na perspectiva de desaparecimento da exploração do homem pelo homem que é inerente à sociedade capitalista.

Qual a relevância do tema para o Cebes?

No relatório recentemente publicado pela OMS, o tema é abordado a partir de “fatores”, caracterizados de determinantes sociais da saúde com base em desigualdades sociais. O objetivo proposto é o de diminuir as desigualdades dos níveis de saúde dentro de cada país pela ação inter-setorial do Estado e da sociedade e, para tanto, busca-se algum tipo de fundamento nas teorias liberais da justiça.

O Cebes sente a necessidade de dar uma resposta à interpretação liberal das desigualdades em saúde, mas não pode repetir os mesmos argumentos que eram usados nos anos 70, porque vivemos outra conjuntura político-ideológica. Precisamos construir novos fundamentos filosóficos e políticos. Sabemos, entretanto, que atualmente não é possível obter uma interpretação que satisfaça a todos os integrantes da reforma sanitária. O tema, portanto, deve ser explorado a partir de pressupostos teóricos variados, mas que tenham um ponto importante em comum: a crítica da sociedade contemporânea, que nada mais é que um capitalismo globalizado. Portanto, não queremos limitar a análise dessa questão ao paradigma da justiça liberal, nem tampouco à compreensão positivista da saúde, que a vê como resultante da interação entre fatores biológicos, ambientais e sociais. A necessidade de desenvolver teorias da saúde foi destacada por Naomar Almeida-Filho, que está terminando um livro sobre o assunto.

E qual é a sua visão do tema?

A determinação social pode ser entendida como uma determinação em última instância da saúde pela estrutura econômica e social ou, ainda, como uma determinação ontológica, que se estabelece na medida em que o homem é desde sempre um ser social. Em qualquer caso, trata-se de um pressuposto filosófico que não pode ser demonstrado. Este pressuposto tem natureza epistemológica que não pode ser comparada ao de uma correlação de fatores. Por exemplo, à afirmação de que nas famílias pobres a mortalidade infantil é mais alta do que nas famílias abastadas. Naturalmente, tal correlação é comprovada pelas medidas da demografia.  O  pressuposto geral da determinação social em sentido ontológico pode ser um pilar comum a várias teorias da saúde. Por exemplo, a determinação fundamental poderia estar radicada no trabalho (marxismo lukacsiano), na vida cotidiana (pós-marxismo de Heller) ou, ainda, na essência extática do homem (ontologia heideggeriana) que se desdobra em dois modos essenciais do Dasein: o ser com os outros e o ser das ocupações.

Quais foram as questões mais relevantes trazidas na oficina?

O que foi destacado, em primeiro lugar, foi a necessidade de realizar um esforço de desenvolvimento teórico nessa área. Para tanto, é necessário considerar como ponto de partida o significado e o alcance das teorias liberais de justiça social, especialmente as de Rawls e Sen, que fizeram parte do artigo de revisão elaborado por Naomar Almeida-Filho. Há aqui uma multiplicidade de questões que envolvem o uso adequado ou renovado dos conceitos de equidade, iniquidade, desigualdade, diferença e autonomia. Muitas dessas questões reaparecem no enfoque da bioética principista e admitem interpretações que podem ser bastante conservadoras porque têm em conta apenas a proteção do direito individual nas pesquisas e na assistência médica.