Direito de resposta é de opinião – não significa verdade científica

helenoO médico sanitarista e epidemiologista Heleno Correa critica publicação de pesquisa que defende o uso comercial e residencial do asbesto-amianto crisotila como material construtivo em residências de pessoas pobres. A pesquisa “não foi ainda analisada por pesquisadores independentes para que possa ser exibida, a não ser como resposta de opinião do autor e sua equipe”.

Por Heleno R Corrêa Filho

A pesquisa realizada pelo Professor Mário Terra e seus colaboradores, que aparece na matéria “direito de resposta” defendendo o uso comercial e residencial do asbesto-amianto crisotila como material construtivo em residências de pessoas pobres não foi ainda analisada por pesquisadores independentes para que possa ser exibida a não ser como resposta de opinião do autor e sua equipe.

Estive presente na audiência que o Supremo Tribunal Federal – STF realizou para fins de colher testemunhos e ouvir a sociedade sobre o assunto e assisti à exposição dos resultados e do método dessa pesquisa.
Embora quinze minutos de exposição nos congressos científicos sejam geralmente suficientes para esclarecer a maioria dos temas, as revistas científicas exigem análise aprofundada para publicar resultados de uma pesquisa. Um dos itens fundamentais é saber que o método empregado pelos pesquisadores torna altamente improvável, senão impossível que os resultados finais respondam aos objetivos da investigação. (1)

Trata-se de uma falha implícita ao método. Examinam uma população encontrada viva após 15 anos de início da exposição e obviamente não encontram nenhum caso de doença associado. É um caso clássico de erro metodológico em epidemiologia. (2, 3) A busca de relação entre doença e exposição no passado por meio inquérito populacional não encontra o que ficou para trás por morte, doença, migração, doenças ‘competitivas’, diagnósticos falhos, erros de classificação de exposição, erros de classificação de doença e falha no tempo necessário para acontecer o adoecimento. No caso do asbesto-amianto são necessários de 20 a 45 anos para o adoecimento embora ocorram casos raros até em crianças menores de dez anos de idade. (4-7)

Uma exceção para todas essas condições seriam as lesões por acidentes do trabalho, a surdez profissional induzida por ruído, os distúrbios mentais menores, o stress profissional, o assédio moral, o congelamento de mãos e ombros nos frigoríficos onde acontecem as Lesões Por Esforços Repetitivos, e várias outras condições agudas como as mortes por infarto do miocárdio entre ex-trabalhadores, bem como algumas outras cujo desfecho é compatível com a sobrevivência longa. (8) Não é o caso da asbestose ou pneumoconiose pelo asbesto. Não é absolutamente o caso do câncer de pleura denominado mesotelioma.

O método transversal que essa pesquisa utilizou não permite encontrar quinze anos depois os resultados que poderiam ser associados com a exposição à poeira de telhas, canos e caixas d’água de fibrocimento amianto ocorrida ou iniciada muito tempo antes. (9) Qualquer epidemiologista conhece as alegações de que estudos transversais chamados de inquéritos não tem o poder de detectar associações com exposições anteriores a não ser que as consequências sejam muito frequentes ou de diagnóstico fácil, de início rápido, duradouras, e compatíveis com sobrevivência longa.

Nenhuma dessas características é encontrada nas doenças relacionadas com o asbesto-amianto de qualquer tipo. São doenças que começam décadas depois de ocorrida a exposição. Uma vez iniciadas são todas de desfecho muito rápido com alta letalidade. A morte sobrevém em média menos de um ano depois do diagnóstico. (10, 11)

A maioria dos adoecidos não sobrevive mesmo que não tenha formas altamente letais, como é o caso das fibroses pulmonares, que complicam com infecções e matam por embolias, levando raramente à identificação da causa primária das poeiras de asbestos. Os adoecidos pela forma altamente letal do mesotelioma ou pela forma crônica das fibroses não sobrevivem muito tempo. São muito raros os casos de sobreviventes por anos depois do diagnóstico fora dos grandes centros onde existem bons hospitais. E para finalizar, o diagnóstico é sempre difícil, questionável, com longas discussões levando os médicos sempre a colocar dúvida entre a causa e a consequência, e quase nunca verificando o lugar onde a exposição ocorreu. (12, 13).

As falhas metodológicas contidas nesta investigação impedem aceitar a conclusão dos autores. Por causa delas não puderam publicar artigos negando associação entre câncer e asbestos. Por esse motivo derivaram suas conclusões para doenças não malignas. Enfatizaram em seus textos uma suposta inocuidade do trabalho na mineração e não falam dos riscos para a saúde do USO do asbesto. Divulgam conclusões sobre doenças não malignas – uma forma de dizer “o que não é câncer”. (14) Isso aconteceu justamente por que é difícil, senão impossível do ponto de vista científico, investigar o surgimento de câncer por exposição ao asbesto com estudos de métodos inadequados como são os inquéritos.

Além das questões científicas e metodológicas o principal autor do projeto declarou em audiência pública transcrita pelo STF que recebeu metade do financiamento de cerca de dois milhões de reais do Ministério de Ciência e Tecnologia do Governo Federal além de outra metade do Instituto Brasileiro do Crisotila, órgão privado cujos fundos provêm de empresas do setor minerador e industrial do ramo. (p.134)(15) Nesse caso o que se aponta é o essencial conflito de interesse pelo fato de um dos financiadores diretos ser interessado em resultados favoráveis à comercialização do produto.

As opiniões colocadas pelos autores têm, portanto duas condições críticas. Uma é o método inadequado e outra o conflito de interesses. Elas levarão os autores a dizer que buscaram e que acreditam que não encontraram associação entre câncer e amianto. Pior, acreditam que se não encontraram é por que não existe e não por que não procuraram direito.

Referências:
1. Szklö M, Javier Nieto F. Epidemiology beyond the basics. 2nd ed. Brown M, editor. Sudbury – MA – USA and Mississauga – Ontario – Canada: Jones and Bartlett Publishers, Inc.; 2007.
2. Lilienfeld DE, Stolley PD. Foundations of Epidemiology. 3rd ed. Lilienfeld AM, editor. New York: Oxford University Press; 1994.
3. Mausner JS, Kramer S. Mausner & Bahn Epidemiology: An introductory Text. 2nd ed. Gann P, editor. Philadelphia, PA: W. B. Saunders Co.; 1985.
4. Checkoway H, Pearce N, Kriebel D. Research methods in Occupational Epidemiology. 2nd ed. Kelsey JL, Marmot MG, Stolley PD, Hofman A, editors. New York, NY: Oxford University Press; 2004.
5. Karvonen M, Mikheev MI. Epidemiology of occupational health. Europe W-WHO-Rof, editor. Copenhagen, Denmark: WHO _ World Health Organization 1986.
6. Kelsey JL, Whittemore AS, Evans AS, Thompson WD. Methods in observational Epidemiology. 2nd ed. Kelsey JL, Marmot MG, Stolley PD, Vessey MP, editors. New York: Oxford University Press; 1996.
7. Kleinbaum DG, Kupper LL, Morgenstern H. Epidemiologic Research: principles and quantitative methods. 1a ed. Beal C, editor. NEW YORK: Van Nostrand Reinhold; 1982.
8. Harding A-H, Darnton A, Osman J. Cardiovascular disease mortality among British asbestos workers (1971-2005). Occupational and Environmental Medicine [serial on the Internet]. Available from: http://oem.bmj.com/content/early/2012/03/05/oemed-2011-100313.abstract.
9. Levy BS, Wegman DH. Occupational health: recognizing and preventing work-related disease and injury. 4th ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2000.
10. Brown T, Darnton A, Fortunato L, Rushton L, The British Occupational Cancer Burden Study Group. Occupational cancer in Britain. Respiratory cancer sites: larynx, lung and meshothelioma. BJC British Journal of Cancer. [Full Paper]. 2012 June19th;107(June 19th):S56-S70.
11. Driscoll T, Nelson DI, Steenland K, Leigh J, Concha-Barrientos M, Fingerhut M, et al. The global burden of disease due to occupational carcinogens. American Journal of Industrial Medicine. 2005;48(6):419-31.
12. Newhouse ML, Thompson H. Mesothelioma of Pleura and Peritoneum following Exposure to Asbestos in the London Area. Brit J industr Med. 1965 11/02/1965;22:261.
13. Parkin M, Boyd L, Darby SC, Sasieni P, Walker LC, Peto R. The fraction of cancer attributable to lifestyle and environmental factors in the UK in 2010. BJC British Journal of Cancer [serial on the Internet]. 2011; 105(2): Available from: http://www.nature.com/bjc/journal/v105/n2s/full/bjc2011489a.html.
14. Bagatin E, Neder JA, Nery LE, Terra-Filho M, Kavakama J, Castelo A, et al. Non-malignant consequences of decreasing asbestos exposure in the Brazil chrysotile mines and mills. Occupational and Environmental Medicine. 2005 June 1, 2005;62(6):381-9.
15. STF – Supremo Tribunal Federal – Transcrições das audiências sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.937 – Audiência Pública – Amianto – 24/agosto/2012: Plenario I – STF – Ministro Marco Aurélio de Mello (relator)(2012)