Edição especial da Saúde em Debate

Cebes lançou a revista Saúde em Debate v. 46, n. especial 4, com o tema ‘Acreditação institucional em ouvidorias do SUS e participação da sociedade’. Na apresentação, José Inácio e José Mendes – ambos do Departamento de Ciências Sociais (DCS), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – apresentam a participação social e mecanismos de governança como “parte de uma agenda política de inclusão social”. Eles explica que ouvidorias públicas representam a “porta de entrada de demandas individuais e coletivas de cidadãos e beneficiários das políticas públicas”. Veja o texto na íntegra a seguir e acesse a publicação nesse link.

A participação da sociedade e o impulso das Ouvidorias do SUS

A PARTICIPAÇÃO E A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE NAS DECISÕES dos governantes, nas instituições públicas em sentido geral e naquelas esferas diretamente relacionadas com suas políticas são fatores decisivos na capacidade de o Estado cumprir suas funções redistributivas e de proteção social.

A participação da sociedade na esfera pública e governamental é decisiva e articula a proteção social com os diversos mecanismos macroinstitucionais de governança. À medida que se fortalece ao longo de trajetórias históricas, suas instituições favorecem a formação do capital social necessário ao desenvolvimento sustentado em uma sociedade justa1. Também, em termos de políticas regulatórias de Estado, os organismos e colegiados participativos aumentam o caráter dialógico e contraditório dos processos decisórios, povoam as arenas decisórias e delineiam um tipo de regulação de caráter responsivo2.

No Brasil e no setor saúde, esses fundamentos articulam a participação social com uma série de colegiados governamentais e de instituições inclusivas com a ação de organizações voltadas a políticas de equidade e com beneficiários, agentes de políticas públicas e representantes de grupos vulneráveis.

No plano das ideias, a participação social é entendida no sentido redistributivo e orientada a fortalecer os mecanismos institucionais de proteção social. Segue os princípios conhecidos de justiça e equidade3. Esse é o arcabouço institucional que impulsionou a governança participativa bem-sucedida e observada em democracias negociadas e consensuadas, e que incluem, entre outras, as experiências europeias do Estado de Bem-Estar Social4.

Esses arranjos visam criar canais de participação no Aparelho de Estado e, com isso, dotar os governos de maior porosidade à sociedade e em contraposição à força da ação de corporações econômicas na estrutura decisória estatal. Participação social e mecanismos de governança cada vez mais dialógicos são, portanto, parte de uma agenda política de inclusão social.

As Ouvidorias Públicas são organismos essenciais e inovadores nesse arcabouço institucional. Representam a porta de entrada de demandas individuais e coletivas de cidadãos e beneficiários das políticas públicas. No setor saúde nacional, há uma evidente evolução em sua integração aos processos decisórios, a qual reflete a sua institucionalização progressiva. Os artigos publicados nesta edição efetuam reflexões sobre as conexões diretas ou entrelaçadas entre as Ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS) e processos decisórios em escala setorial. Integrados à temática da governança e da participação da sociedade, tais artigos fornecem análises sobre essas experiências e temas relacionados no contexto nacional e internacional.

O funcionamento das ouvidorias públicas quanto aos processos de trabalho e à qualidade dos serviços prestados torna-se um fator crítico para que essas instituições ocupem o seu lugar em sistemas regulatórios e participativos.

No primeiro eixo de artigos desta edição, dois estudos discutem detalhadamente esse tema sob o enfoque da ‘Acreditação Institucional’ e dos processos de construção do caminho da qualidade dos serviços. A qualidade implica a negociação permanente, enquanto uma orientação normativa, e a incorporação da cultura técnica de autoavaliação e de avaliação externa independente enquanto processo avaliativo. Os fundamentos e os resultados dos estudos desenvolvidos a partir da experiência dos seus autores com os processos avaliativos de Ouvidorias do SUS são analisados em profundidade e segundo seus referenciais teóricos.

Esta edição, portanto, apresenta um conjunto de artigos, em diferentes formas, e que tratam dos eixos definidos para promover essa reflexão acerca das Ouvidorias do SUS e, em um sentido mais abrangente, sobre os mecanismos de participação da sociedade em decisões governamentais nas políticas públicas.

Há um primeiro eixo diretamente relacionado com as Ouvidorias do SUS e de processos de acreditação institucional que estão em curso por meio da cooperação entre o Ministério da Saúde e a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (TED 19/2017). Nesse eixo, estão incluídos cinco estudos que tratam do processo de Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS; da metodologia desenvolvida para a acreditação dessas ouvidorias; da análise de demandas de jovens apresentadas à Ouvidoria-Geral do SUS; da experiência da Ouvidoria do SUS do governo estadual da Bahia; e das ouvidorias com a Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública.

O segundo eixo, com cinco publicações, diz respeito à participação social no setor saúde. Os artigos envolvem estudos com diversas abordagens sobre o tema e incluem o processo decisório no Conselho Municipal de Saúde de Marabá (PA); a participação popular e a vigilância em saúde; a participação pública em Portugal ao longo da pandemia de Covid-19; a gestão participativa na Atenção Primária à Saúde; e uma entrevista realizada com o Presidente do Conselho Nacional de Saúde.

O terceiro eixo envolve quatro artigos que abordam o tema segundo mecanismos de governança, estrutura institucional dos sistemas de saúde e aspectos sociológicos relacionados com políticas de equidade. Incluem artigos sobre mecanismos de governança em perspectiva comparada internacional; sobre mecanismos de governança e formação de burocracias estatais; uma reflexão sobre o olhar acerca das diferenças e suas repercussões para políticas de equidade; e sobre os desafios participativos no sistema de saúde do Chile em contexto de conflito social e de mudanças políticas.

Esta edição encerra-se com uma importante homenagem a Antônio Ivo de Carvalho que, entre tantos enormes atributos que são a marca de sua história de vida, foi também um dos principais intelectuais brasileiros a refletir sobre a participação social nos sistemas públicos de saúde. Além disso, foi uma liderança com grande capacidade de formulação de agendas e alternativas de políticas para o SUS. Os autores organizaram, após a leitura de sua obra publicada em livros e artigos, um documento contendo exclusivamente trechos selecionados de seus escritos. Apenas Antônio Ivo fala por meio desta compilação e que dá uma pequena ideia da qualidade, da complexidade e da generosidade de seu pensamento.

Referências

  1. Putnam RD. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 1996.
  2. Ayres I, Braithwaite J. Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate Oxford: Oxford University Press; 1992. [acesso em 2022 out 13]. Disponível em: http://johnbraithwaite.com/wp-content/ uploads/2016/06/Responsive-Regulation-Transce.pdf.
  3. Rawls JA. Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press; 1971.
  4. Lijphart A. Patterns of Democracy: government forms and performance in thirty-six countries. Yale: Yale Universit; 1999.