Especialistas discutem inclusão social e impactos sobre as políticas públicas

Os brasileiros vêm provando de um aumento no padrão da qualidade de vida, bem como a elevação da renda e poder de consumo. Estes reflexos fazem parte dos indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Especialistas admitem que o crescimento econômico do país, aliado à geração de empregos e à distribuição de renda, contribuem para esse panorama. O Blog do Cebes aproveitou este momento para impulsionar o debate sobre a eficácia das políticas públicas no combate à pobreza, bem como a qualidade dos serviços prestados às classes mais baixas.

Essa situação foi constatada também pela pesquisa “O Observador – Brasil 2008”, realizada pelo Instituto Ipsos para uma empresa financeira francesa, que mostra o crescimento do número de brasileiros pertencentes à classe C, passando a reunir 86,2 milhões de brasileiros advindos principalmente das classes D/E, e o aumento de consumo das classes mais baixas.

Segundo o estudo, entre as principais causas da ascensão social estão a expansão do crédito ao consumidor; a queda dos preços dos bens de consumo duráveis; a redução do desemprego e o aumento da renda média. Neste caso, os programas sociais do governo têm ajudado a aumentar a renda da base da pirâmide social.

De acordo com a pesquisa, a maior parte do contingente de 20 milhões de pessoas que passou para a classe C vem da base da pirâmide populacional – as classes D e E, em torno de 12 milhões. As camadas A/B, que perderam poder aquisitivo, somaram 4,7 milhões pessoas à classe C e o restante advém do crescimento populacional.

Outro aspecto relevante foi o aumento da renda disponível das classes C e D/E nos dois últimos anos, fomentando o consumo desta parcela da população. Os resultados apontam para o interesse dos brasileiros em consumir mais e investir em moradia, o que representa uma oportunidade a ser explorada pelo mercado imobiliário e da construção, bem como pelos diversos segmentos varejistas.

Sob essa perspectiva, a Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (ABDIB) organizou um estudo visando mensurar a evolução do atendimento à população mais pobre na área de serviços públicos relacionados à infra-estrutura, como energia elétrica, coleta de esgoto, distribuição de água tratada e telefonia.

Dentre as informações obtidas observou-se uma diminuição, entre 1999 e 2006, da proporção de pessoas de classe média na fila de espera por acesso adequado aos serviços de saneamento básico e infra-estrutura. Em 1999, por exemplo, 28,8% das pessoas sem acesso adequado ao abastecimento de água tinham renda entre três e dez salários mínimos, contra 24,6% hoje.

O contraponto deste indicador está no próprio estudo, mostrando que há mais pessoas atendidas em relação ao total da população; no entanto, a proporção de pessoas pobres na fila de espera – tal qual ocorreu na coleta de esgoto – aumentou em todos os quatro serviços analisados.

Segundo a presidente do Cebes, Sonia Fleury, doutora em ciência política, o aumento da classe média e conseqüente consumo podem ser vistos de maneira ambivalente. “Isso gera uma tensão nos bastidores do governo federal, criando duas forças. Por um lado, há uma satisfação com o sucesso da política econômica e com a elevação do número de pessoas da classe C. Por outro, o setor mais conservador teme a inflação e defende a redução do consumo, pressupondo problemas na oferta ocasionados pela alta demanda”.

Além dos aspectos levantados pela especialista, a importância do consumo para o setor privado vem criando divisões entre os empresários que vêem a possibilidade de expandir as vendas no setor; e aqueles que não se beneficiam do aumento do poder aquisitivo e questionam o tipo de dificuldades que este cenário pode trazer para o país.

Cabe ressaltar que as mudanças na pirâmide social decorrem de um movimento duplo, já que cerca de 4,7 milhões de brasileiros que pertenciam às classes A e B, em 2006, tiveram seu padrão de vida deteriorado e, em 2007, caíram para a classe C. Assim, a redução das desigualdades relaciona-se também às perdas dos que estão na parte superior da pirâmide e não somente à ascensão dos integrantes das classes mais baixas como seria o desejável, mostrando o sucesso dos mecanismos para melhorar a qualidade de vida da população.

Acesso aos serviços é essencial

A socióloga e especialista em políticas sociais e saúde, Lenaura Lobato, também da diretoria do Cebes, acredita que um ponto importante para sanar parte do problema das condições sociais é o acesso da população aos serviços básicos de saúde, educação e assistência social. “Esses serviços são universais, mas o acesso a eles tem sido bastante restrito. É preciso ampliar de forma significativa a rede de serviços, com quadro adequado e qualificado de profissionais, adequada distribuição regional, gestão eficiente e voltada para o cidadão. As pesquisas têm mostrado a importância dos programas de transferência de renda para a redução da pobreza”, completa.

Os dados da PNAD 2006 mostram que a abrangência dos programas de transferência de renda do governo está chegando a 25% das famílias brasileiras, sobretudo nos lugares mais carentes do país. Na região Nordeste, por exemplo, o índice chega a 35,9% de famílias atendidas. Entre 2004 e 2006, a cobertura dos programas sociais aumentou e chegou a um quarto da população, porém não alterou um diagnóstico identificado em 2004: eles chegam principalmente aos mais pobres, mas um contingente expressivo da população de menor renda continua de fora.

Quanto ao aumento dos integrantes da classe C, Lenaura avalia como um reflexo importante, porém ressalta a necessidade “em repartir melhor a riqueza social, através da renda do trabalho, da expansão dos direitos de cidadania e da presença eficiente do Estado para todos, reduzindo as diferenças entre as classes no Brasil.”

Tratando-se da questão do saneamento básico, a PNAD 2006 verificou que cerca de 30% das moradias brasileiras não têm serviço de rede de esgoto, evidenciando uma inadequação clara ou inexistência do esgotamento sanitário nos domicílios.