Estado e Democracia: um debate a partir da conjuntura atual

Relatoria do evento promovido no dia 11 de Novembro de 2021 pelo núcleo Bahia do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). O vídeo do debate pode ser assistido neste link ou após o texto abaixo.

No dia 11 de novembro de 2021 realizamos o I Ciclo de Formação e Debates, segunda edição, com o tema “Estado e Democracia: um debate a partir da conjuntura atual” que teve como convidados: Jorge Almeida, professor da Universidade Federal da Bahia e Ludmila Teixeira, servidora pública, militante do movimento de Mulheres Negras e criadora do “Mulheres Unidas contra Bolsonaro #EleNão”. O objetivo geral do debate foi discutir o conceito de Estado buscando analisar os principais desafios da democracia e da conjuntura atual brasileira.

Em sua fala de abertura, a nossa presidenta do Cebes, Lúcia Souto, destacou a relevância da temática proposta nesse momento crítico da conjuntura brasileira e mundial, diante dos inúmeros desafios colocados à sociedade. Nesse sentido, afirmou que estamos em um momento no qual o Brasil precisa ser refundado, diante de tanta destruição. Para isso, questionou ainda quais seriam as bases de sustentação dessa refundação? Encerrou apontando a necessidade do desenvolvimento da consciência crítica coletiva, para que não acabemos repetindo a história de quinhentos anos que nos levou a esse desfecho desastroso.

O professor Jorge iniciou sua exposição afirmando que é possível discutir o Estado e a Democracia a partir da análise de conjuntura, assim como discutir a conjuntura, a partir do Estado e da Democracia, já que nas análises da conjuntura não se analisam fatos aleatórios. Alguns desses fatos, são importantes para a vida social, mas grande parte desses fatos são aleatórios e não apresentam nenhuma importância para a conjuntura, só ocupam a mídia e o debate político, seja entre os grupos dominantes ou mesmo entre os dominados, que nem sempre focam em uma análise mais sistemática. Isso tem sido muito frequente atualmente, com a veiculação de diversas análises imediatistas e que apresentam considerações sobre o presidente nos canais de comunicação via internet. Portanto, é importante realizar uma análise sistemática, que ele definiu como a análise das relações de forças presentes na sociedade (classes sociais) que são imersas em contradições que movimentam a vida social, as quais estão dentro da sociedade civil, presentes na estrutura econômica, no chamado mercado e no Estado (executivo, legislativo, judiciário, forças armadas, que voltaram, inclusive, a fazer parte das análises na atualidade).

Diante disso, destacou que para analisar a conjuntura é importante analisar essas forças todas, e dentro disso, analisar o Estado, como parte desse conjunto de esferas sociais que interferem no jogo social. Posteriormente, o professor destacou a concepção marxista de Estado, segundo a qual o mesmo é uma organização social de classe, que tem o objetivo de exercer o domínio político, de garantir a coerção da classe econômica dominante sobre o conjunto da sociedade, assim, essa é a primeira função do Estado, a ação político-jurídica e coercitiva. O objetivo da classe dominante é funcionar como uma esfera, comitê de gestão dos negócios comuns da burguesia, da classe capitalista, onde o Estado procura garantir os interesses comuns da sociedade. Ele nasce de dentro da própria sociedade, e configura-se através de uma minoria que impõe seus interesses a maioria, esse é o objetivo geral do Estado. O surgimento do Estado está vinculado ao surgimento da propriedade privada da terra, num primeiro momento era um aparelho simples de caráter repressivo destinado à garantia dos interesses de um determinado setor, contudo, com o tempo, foi se complexificando em aparato e relações com a sociedade. Assim, a essência do Estado é o seu caráter repressivo, de gerir os negócios comuns da classe dominante.

Apesar do Estado ter sofrido muitas mudanças durante a história do capitalismo, no geral manteve suas características. Suas decisões na atualidade mostram que o mesmo está a serviço da classe dominante, e desse modo, a favor do neoliberalismo. O ultraneoliberalismo escancara esse caráter de classe burguês do Estado capitalista. O crescimento do capitalismo fez com que ele crescesse, se complexificasse, incorporando a concessão para a sociedade de ações de educação, saúde, minimização das situações de pobreza e fome (através da concessão de auxílios), etc. A partir da crise do capitalismo da década de 70, contudo, diante da tendência de queda das taxas de lucro, verificou-se uma ação de retirada de direitos (desenvolvimento de medidas de arrocho salarial, privatizações de empresas, entre outras).

No Brasil o Estado não nasceu de dentro da sociedade, ao longo da maior parte de sua história o país não teve um Estado próprio, tínhamos um Estado de fora, imposto, ligado ao mercado internacional, diante da colonização que ditava o latifúndio, a escravidão e a exportação de bens primários. Mesmo depois da independência essas características se mantiveram, de modo que se pode dizer que o Estado brasileiro, desde suas origens, sempre esteve a serviço das frações da classe dominante e do grande capital. Essa situação perdura até a atualidade, uma vez que enquanto país dependente, em relação ao imperialismo, tem um Estado (executivo, legislativo, judiciário) que aprova o que interessa à classe dominante.

Em perspectiva mais ampla o professor Jorge destacou ainda que a crise política institucional vigente, nunca esteve associada a uma crise de hegemonia do capital, pois mesmo durante os governos do PT os interesses do capital nunca foram atacados. Também destacou que apesar da hegemonia do capital ter-se mantido a resistência popular nunca deixou de existir, pois enquanto as relações de opressão e dominação existirem, sempre haverá resistência. Nesse aspecto destacou que a oposição popular (Esquerda e Centro-esquerda) não tem tido força para intervir nessa conjuntura.

A militante do movimento de Mulheres Negras e criadora do “Mulheres Unidas contra Bolsonaro #EleNão”, Ludmilla, fez uma retrospectiva da conjuntura política recente no Brasil. Pontuou especificamente os principais fatos políticos verificados em quatro anos:

  • 2013: manifestações de junho e crescimento do ódio ao Partido dos Trabalhadores (PT), o qual embora já existisse desde a origem do partido, foi canalizado nas manifestações contra o aumento de passagens e na criação de movimentos antipetistas. Além disso, apontou a apropriação do movimento popular pela direita e o surgimento de frentes de direita como o Movimento Brasil Livre (MBL), as quais intensificaram o uso das redes sociais na sua atuação;
  • 2016: orquestrado o impeachment de Dilma, golpe contra a democracia, através do alinhamento de forças com o Centro, do estímulo ao antipetismo pela Rede Globo e mídia tradicional. Verificando-se, então, o crescimento importante de movimentos direitistas no país, além dos desdobramentos da operação lava-jato da Polícia Federal (PF);
  • 2017: Governo Temer e suas reformas (trabalhista, previdenciária), com intensificação da precarização do serviço público e retirada de direitos do cidadão;
  • 2018: prisão de Lula, indefinição da corrida eleitoral para o PT com a retirada de Lula, ao passo que, atônita, a esquerda permaneceu inerte durante grande período da corrida eleitoral, contribuindo para o crescimento de Bolsonaro.

Ludmilla destacou o caráter fascista e genocida do Governo atual, além da atuação direcionada ao desmonte dos direitos sociais e ataques ao serviço público e ao meio ambiente. Descreveu um pouco da constituição do Grupo “Mulheres unidades contra Bolsonaro” em 30 de agosto de 2018, que surgiu a partir da lacuna de mobilização existente nas redes sociais. O grupo é constituído por mulheres de diversas cores, credos, de movimentos sociais, sem partido, que se uniram na manifestação de sua indignação contra Bolsonaro nas redes socias, criando-se então o movimento #EleNão. O grupo busca reunir experiências de Ciberativismo e manifestações de rua, além da educação em direitos humanos. Entre suas ações citou o envio de denúncias contra Bolsonaro à Organização das Nações Unidas (ONU), a participação em manifestação em Berlim, a perspectiva de fundação de uma associação de mulheres e o projeto de atuação em direitos humanos. Explicou que o grupo só recebe mulheres, pois elas precisavam se sentir seguras, já que o machismo, existente inclusive dentro dos movimentos de Esquerda, poderia inibir sua participação. Também destacou que várias mulheres entraram no grupo sem nunca terem participado de nenhum movimento social, e depois disso passaram a militar em vários espaços.

Por fim, destacou que o caminho da construção política no Brasil deve partir da base, do resgate da luta, a importância do espaço das redes sociais e convidou o público para participar do dia de manifestação antirracista e contra Bolsonaro, que será realizado no dia 20 de novembro de 2021.

Depois dessas exposições o debate trouxe importantes elementos da conjuntura para a discussão, a exemplo da situação da democracia na atual conjuntura brasileira, da caracterização do atual governo e das principais tarefas dos movimentos sociais para as eleições de 2022.

Jorge destacou a crise estrutural profunda do capitalismo e de disputa imperialista, agravada pela pandemia, o enfraquecimento dos movimentos sociais e o fortalecimento do grande capital. Sobre o atual governo indicou o caráter fascista do presidente, adequado a realidade de um país periférico neofascista, definiu o governo como de extrema direita, formado por conservadores e liberais. Quanto ao Estado apontou que o mesmo ainda é uma democracia liberal representativa, cheia de arbítrios, opressão e massacres. Sobre as tarefas para o curto prazo destacou a dificuldade de mobilização popular, mas ressaltou sua importância, pois defendeu que não se deve esperar até a eleição de 2022 para efetivar a saída de Bolsonaro, já que em um ano ele ainda pode fazer muito mais estrago. Também destacou que precisamos de uma alternativa de esquerda, uma vez que Lula está propondo, na melhor das hipóteses, um governo de centro, com cara de centro-esquerda, aliado à direita e com apoio da esquerda.

Ludmilla destacou a ameaça de golpe que paira sobre a nossa democracia e indicou outras estratégias de mobilização como os “aquilombamentos”, grupos de discussão, debate, ONGs e grupos de minorias. Destacou que a luta partidária é importante, mas que a mesma precisa do lastro da base, assim ressaltou a importância de apoiar candidaturas de esquerda, feministas, minoritárias, de fortalecer as redes sociais para apoiar essas candidaturas com linguagem popular, que chegue ao pobre, preto e favelado.

Os convidados destacaram ainda a aproximação de Lula com a agenda neoliberal e suas consequências para o projeto a ser executado, em virtude da sua experiência anterior no cargo e dos acordos em negociação na conjuntura atual, o que pode impactar na luta pelos direitos dos trabalhadores e de ter-se apenas uma administração do Estado, sem efetiva força para reconstruir o que vai sobrar desse período de desmonte dos direitos sociais.

Cebes núcleo Bahia

Assista o debate na íntegra no link ou a seguir: