Estudo aponta como emendas parlamentares ganharam espaço no orçamento do Ministério da Saúde de 2019 a 2022

A execução das despesas discricionárias do Ministério da Saúde diminuiu de 2019 a 2022 em prol dos recursos provenientes de Emendas Parlamentares, com foco nas Emendas de Relator. É isso que mostra o Boletim n. 2 – Monitoramento do Orçamento da Saúde, do Instituto de Estudos em Políticas de Saúde (IEPS) e da Umane. Matéria de Paula Ferreira para O Globo, aponta que medida pode gerar distorções no Sistema Único de Saúde (SUS) por não usar critérios técnicos para destinação de verba. Veja a matéria a seguir e acesse o Boletim no final.

Estudo mostra que metade dos recursos para investimento em saúde no ano passado foram repassados via emendas

Ao longo dos últimos três anos, emendas parlamentares tiveram um peso maior nos recursos destinados a investimentos na Saúde. As verbas, que são indicações de parlamentares ao Orçamento da União, representaram 50,4% do dinheiro gasto na área em 2022. Ou seja, de cada R$ 2, R$ 1 foi enviado para atender a demanda de um deputado ou senador. A conta inclui também as chamadas emendas de relator, base do “orçamento secreto”, usada pelo governo de Jair Bolsonaro para contemplar aliados em troca de votos no Congresso. O mecanismo foi extinto por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro.

Um estudo feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) mapeou o peso das emendas no orçamento do Ministério da Saúde. De acordo com os pesquisadores, a dependência de recursos indicados pelo Legislativo pode fazer com que o dinheiro seja usado de maneira equivocada, sem respeitar critérios técnicos. Em geral, as emendas são utilizadas para atender redutos políticos dos parlamentares. Cabe ao governo apenas autorizar os pagamentos, sem poder de mudar o destino da verba. Por exemplo, se um deputado envia dinheiro ao hospital de uma cidade, o ministro não pode redirecionar para outro município, mesmo que precise mais.

O orçamento é dividido em despesas obrigatórias, usadas por exemplo para o pagamento de salários; e despesas discricionárias, nas quais o dinheiro pode ser usado para custeio, ou seja, manutenção da máquina pública como pagamento de conta de luz, e investimento, dinheiro destinado a incentivar novos projetos e alocar recursos em áreas estratégicas.

De acordo com o relatório, do R$ 1,1 bilhão gasto em investimentos na área da saúde em 2022, cerca de R$ 600 milhões vieram de emendas parlamentares, considerando os quatro tipos: emenda de bancada, de autoria de bancadas estaduais; de comissão, fruto das comissões permanentes do Congresso; individual, cujos autores são parlamentares; ou de relator, cuja origem e destinação não pode ser identificada. No caso das individuais, metade dos recursos disponíveis para os parlamentares, obrigatoriamente, precisam ser destinadas à saúde.

— O principal impacto consiste na transferência de responsabilidade do Ministério da Saúde (MS) para os parlamentares. Com esse movimento, rubricas importantes, como os investimentos em saúde, que deveriam ter um olhar estratégico, pautado por evidências, e ligado às diretrizes do Ministério da Saúde, acabam ficando em segundo plano – afirma Victor Nobre, assistente de políticas públicas do Ieps.

O estudo mostra que enquanto em 2020 cerca de 74,4% do valor usado em investimento vinha dos caixas do Ministério da Saúde, em 2022 o índice caiu para 39,9% dando espaço para o financiamento via emendas.

Emendas de relator
O estudo do Ieps mostra que considerando o orçamento total, a incidência das emendas de relator sobre o orçamento da saúde cresceu ano a ano. Em 2020 foram R$ 2,3 bilhões, em 2021 foram R$ 6,1 bilhões, e em 2022 chegaram a R$ 6,2 bilhões. O relatório chama atenção para o crescimento do montante via emenda de relator alocado na Atenção Primária à Saúde, que é a principal por de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e oferece atendimento generalista, como as Unidades Básicas de Saúde. Justamente o recurso que chega na ponta e pode ser capitaneado de maneira eleitoreira.

Enquanto em 2020 a participação das emendas de relator no orçamento destinado à Atenção Primária à Saúde foi de R$ 434 milhões, em 2022 esse montante saltou para cerca de R$ 4 bilhões, um crescimento de 831%.

“Na prática, isso significa uma transferência da responsabilidade de priorização de gasto público do Ministério da Saúde para os parlamentares nesse conjunto de despesa. Por fim, não há clareza se os recursos estão realmente sendo aplicados ou executados na APS, na Média e Alta Complexidade ou em outras áreas seguindo critérios técnicos e de maneira coordenada e eficiente”, diz o relatório, completando:

“A baixa transparência e a ausência de informações sobre os parlamentares responsáveis por sua destinação ou para quais localidades foram alocados tais recursos podem implicar em problemas estruturais, falta de coordenação na alocação de recursos, possível ineficiência e impacto limitado dos gastos, impossibilitando a prestação de contas governamentais.”

Para Victor Nobre, autor da análise, o Ministério da Saúde deve assumir uma postura de liderança para tentar direcionar as verbas via emenda de maneira técnica. Segundo ele, é preciso que a pasta abra diálogo com os parlamentares para auxiliar no processo de destinação desses recursos.

— Dado o cenário atual, seria importante que o MS olhasse para os recursos de emendas individuais de forma complementar às despesas discricionárias (não obrigatórias) , atuando simultaneamente e de forma coordenada, orientando os parlamentares na direção correta. A outra metade das emendas de relator, que retornou para as despesas discricionárias dos Ministérios (após decisão do STF), precisa ser mantida nos próximos orçamentos, e de preferência, ampliadas, dadas as recorrentes reduções que vimos nos últimos anos — afirma.

Acesse o Boletim n. 2 – Monitoramento do Orçamento da Saúde