Exportação ‘oculta’ pelo agronegócio daria para abastecer 1,5 bi de pessoas

Liana Melo/ Valor Econômico

O Brasil é o quarto maior exportador de água virtual do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, China e Índia. São 112 quilômetros cúbicos (km3) de água que saem anualmente do país sob a forma de soja, frango, açúcar, café, carne bovina e uma enorme lista de produtos manufaturados. Como para atender às necessidades básicas de higiene, saúde e bem-estar uma pessoa consome em média 200 litros de água por dia, o volume de água virtual que o país exporta seria suficiente para abastecer 1,5 bilhão de pessoas, o que significaria sete vezes e meia a população brasileira.

A grandiosidade desses números traduz o excesso de consumo de água nos processos produtivos. O Brasil, apesar da seca que impera no semiárido, é um país rico em recursos hídricos e dono de solos agricultáveis espalhado por diferentes regiões. Não à toa essa vantagem comparativa acaba saindo de graça daqui. Países com escassez de água preferem, por sua vez, seguindo uma lógica do mercado, importar água virtual, por meio da compra de produtores alimentícios ao invés de usar seus limitados recursos hídricos para a produção agrícola interna.

Os maiores importadores de água virtual do mundo são, pela ordem de grandeza, EUA, Japão, Alemanha, China e Itália. O Brasil não consta da lista dos grandes importadores do mundo.
“Qualquer país que almeja a preservação e a conservação dos seus recursos naturais deve ter estudos que avaliem as demandas hídricas das suas commodities agropecuárias”, avalia Julio Palhares, da Embrapa, que está à frente do estudo sobre a “Pegada Hídrica da Produção Animal”. “O Brasil deve ter estudos que avaliem essa demandas, caso contrário, o país sempre será refém de estudos internacionais.”

O levantamento comandado pela Embrapa está previsto para ficar pronto em 2016 e a maior dificuldade para concluí-lo vem sendo, segundo Palhares, a inexistência de uma cultura hídrica nas cadeias de produção de bovinos, de suínos e das aves. A empresa está trabalhando em parceria com a TNC (The Nature Conservancy) e com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

O estudo é uma resposta aos cálculos internacionais que apontam um consumo de 15,5 mil litros de água para produzir um quilo de carne bovina. A pegada hídrica da cadeira produtiva do setor, computada do campo à mesa do consumidor, há anos é contestada por empresários do agronegócio.

Eles dizem que aqui não se adota o sistema de confinamento, como ocorre em outros países produtores. Daí vem uma certeza, ainda não comprovada, de que a pegada hídrica da produção animal no país seja bem menor. O Brasil é o segundo maior produtor de carne bovina do mundo e o terceiro em aves. Em ambos os casos, o país é o maior exportador mundial.
“O valor da água no preço das commodities precisa ser incluído no preço final dos produtos”, defende Arjen Hoekstra, criador do conceito de pegada hídrica, no início dos anos 2000.

Por email, Hoekstra explicou que “essa precificação deve levar em consideração as diferentes realidades do país”, que combina áreas secas com regiões ricas em recursos hídricos.

Ao lado da pegada de carbono e a ecológica, a pegada hídrica, que é divulgada pela ONG Water Footprint Network, é a menos famosa. Todas tentam entender os sistemas de produção como elos de uma cadeia, que se inicia na geração de insumos e termina na oferta de produtos ao consumidor.

“A falta de preparação para situação de escassez de água nos países emergentes, mesmo em países como o Brasil, é uma receita para o desastre”, alerta o australiano Michael Young, do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Adelaide e um dos autores do capítulo sobre água do estudo apresentado pelas Nações Unidas durante a Rio + 20.
O gerente de economia da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan, não concorda com esse tipo de análise. “A soja brasileira se abastece exclusivamente da água da chuva.”

O coordenador do Programa Água para a Vida do WWF-Brasil, Glauco Kimura de Freitas, defende uma gestão hídrica mais responsável. “Como apenas 10% da nossa produção agrícola é irrigada, nossa pegada azul tende a ser baixa. Em compensação a agricultura brasileira tem uma pegada verde bastante alta.” A água da chuva entra na categoria de pegada verde, enquanto os recursos de rios, lagos e águas superficiais são definidos como pegada azul. A produção de soja do país tem uma pegada verde alta e uma pegada azul baixa.