Financiamento do SUS: estamos caminhando para uma encruzilhada fiscal?

Como o Brasil pode equalizar as despesas públicas de acordo com as normas fiscais do momento e garantir a equidade na distribuição dos recursos?

A consolidação dos pisos constitucionais é uma pauta antiga da Reforma Sanitária. No atual cenário do Congresso Nacional, onde circulam emendas que não atendem as demandas da saúde e ficam longe de contemplar a luta histórica pela garantia do piso constitucional, é nítido que há muito o que ser debatido.

Para aprofundar as discussões, o Cebes Debate da última segunda-feira (27 de maio) recebeu a professora e Procuradora de Contas, Élida Graziane Pinto. Para ela, a encruzilhada fiscal pode surgir a partir de novembro deste ano – após as eleições municipais – e também no início de 2025, com as eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado.

A professora avalia que a revisão dos pisos em saúde e educação causa preocupação. “Vocês se lembram que tivemos o congelamento dos pisos em saúde e educação apenas com a garantia de correção monetária. Essa foi a emenda do teto, ela deixou de vigorar no ano passado. Em 2024 haveria a retomada da vigência da garantia do piso da saúde e educação”, explicou.

Para Élida, neste ano deveríamos estamos celebrando o resgate do piso como uma garantia de proporcionalidade da receita, porém o arcabouço fiscal que sucedeu o teto criou “disputa fratricida entre as políticas sociais”, de modo que o conjunto das despesas sociais podem crescer até o limite de 70% da receita da União. ”Se saúde e educação crescem, cada qual no seu percentual, a 100%, matematicamente, mais cedo ou mais tarde a gente vai ter um constrangimento sobre as demais políticas sociais, porque também há outras despesas obrigatórias que crescem numa velocidade maior do que 70% da receita”.

A preocupação apresentada pela professora é no sentido de não haver mais margem fiscal que ofereça capacidade de investimento adequada. “Por que o regime geral de previdência não é sustentável? Por que, dentre outras coisas, durante muito tempo, nós desvinculamos uma parcela das receitas da previdência social. A DRU (Desvinculação de Receitas da União) retirava uma grande parte da receita da previdência. Além disso, desde a crise financeira de 2008, nós adotamos renúncias fiscais cada vez maiores sobre as contribuições patronais”.

“Grande parte do que financiava a seguridade social — o tripé: saúde, assistência social e previdência — foi sendo esvaziado por meio de renúncia fiscal. E vêm falar que o problema especificamente é a previdência previdência do Regime Geral ou que o problema é a saúde pública ou assistência social. No caso, [o fato de] o Regime Especial do BPC e do Regime Geral de Previdência terem a vinculação ao salário mínimo quando não se faz o debate correlato da Previdência dos Militares, quando não se faz o debate correlato das renúncias fiscais concedidas, dos pejotizados que não pagam também contribuição previdenciária conforme a expectativa que eles próprios têm em algum momento da vida de vir a receber algum auxílio à saúde. Esses pejoratizados na verdade são precarizados”, afirmou.

Élida também apontou outras iniquidades que a ausência de financiamento em saúde têm provocado nos “extremos da equação”. “O Estado se ausenta, empurra a maior parte da população que tem condições para os planos de saúde, que por sua vez, já que operam na lógica mercado não oferecem proteção para a população mais vulnerável”, exemplifica. 

Lei de Responsabilidade Fiscal – A vice-presidenta do Cebes, Lenaura Lobato, lembrou que para além do atual arcabouço fiscal, já vivemos sob um regime de austeridade há bastante tempo, sendo que um dos desafios para o financiamento do SUS foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Então a gente tem a DRU, que é um problema porque tira recursos, o teto de gastos, porque limitava recursos e a Lei de Responsabilidade Fiscal que para nossa área também sempre foi um problema porque ela limita a capacidade de expansão do próprio SUS”.

Para a professora Élida, além de uma questão fiscal, é também uma questão de “capturas fisiológicas”, que se apresenta na ausência de uma reflexão federativa robusta da da escala mínima do serviço. “Aí entra desde hospitais de pequeno porte à falta de resolubilidade da atenção primária à saúde (…) A gente pode fazer um debate de como aprimorar o piso”, explica. “Neste momento, para defender o gasto mínimo em saúde a gente não pode ficar só na defensiva. A gente precisa ter uma postura propositiva, de como fazer com ele que entregue aquilo que a gente desenhou em 88”.

Para trazer um exemplo claro sobre o conflito distributivo no orçamento, mesmo com a falta de crescimento econômico, mas com a possibilidade de equidade, Élida fez um comparativo com o trânsito engarrafado das grandes cidades: “as pessoas disputam cada pequeno pedaço, não se organizando para ter transporte coletivo de massa, para ter ciclofaixas… a gente vai tendo uma perspectiva de todos contra todos, enquanto os muito ricos trafegam opacamente por helicópteros”. 

Nesta analogia, a professora explicou que o espaço da via pública é como se fosse o volume de dinheiro disponível, já o tempo tomado para se chegar de um ponto a outro, pode ser visto como quando se ordena prioridades no orçamento. ”O orçamento é uma fila, é dizer quem vem primeiro, quem pode esperar e o lugar de cada qual. Quando você não tem clareza de um parâmetro justo de dizer o lugar de cada qual na fila, se alguns estão sempre indo por cima, invisivelmente, acumulando a ideia de concentração de renda no topo, ela casa muito bem com essa imagem do helicóptero, acumulando bilhões sem que ninguém debata”.

O debate completo está disponível no canal do Cebes no Youtube.

Reportagem: Fernanda Regina da Cunha/Cebes