Gasto em Saúde no Brasil: é muito ou pouco?

O segundo governo Lula inicia-se marcado pelo lançamento do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, que se pretende seja sua marca. O PAC pode ser dividido em três partes: o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), medidas de desoneração tributária e a ampliação do financiamento aos setores público e privado.

O governo definiu um montante de R$ 287 bilhões de investimentos públicos para os próximos 4 anos e espera que o setor privado coloque cerca de R$ 217 bilhões em investimentos até 2010. Mais importante ainda é o fato do governo ter conseguido livrar tais investimentos de serem integrados como despesas no cálculo do superávit primário, o que significa que não podem ser cortados para atingir o superávit ou ultrapassá-lo, como vinha sendo feito.

Em uma breve apreciação podemos classificar as medidas propostas pelo plano – muitas das quais ainda dependem da aprovação no Congresso – como acertos, omissões e equívocos.

Dentre os acertos vale mencionar a mudança no papel do Estado, desde a postura liberal-conservadora que predominou nos últimos governos na qual sua função era de garantir o ajuste das contas públicas, combater a inflação e realizar reformas micro-econômicas, para resgatar o papel do Estado no planejamento do crescimento, na definição de prioridades e na articulação entre os setores público e privado. Esta mudança deve ser compreendida à luz da crise do modelo liberal em toda a América Latina, tendo sido incapaz de gerar crescimento e equidade, aumentado as tensões e ameaças à governabilidade democrática.

Outro ponto importante de correção do plano é que os investimentos estão concentrados em áreas estratégicas como energia, que é um gargalo no crescimento, e habitação e saneamento, que têm fortes impactos na geração de empregos e na qualidade de vida da população.

Finalmente, é louvável o fato de que, no bojo da discussão do PAC, o governo tenha aumentado a transparência das contas públicas ao assumir que o propalado déficit previdenciário é resultado de políticas de subsídio a setores econômicos com a renúncia de contribuições previdenciárias (Simples, setor agrário exportador); ausência do repasse de parcela da CPMF devida por lei para a previdência; políticas sociais para setores que só puderam ser incluídos nos benefícios previdenciários com alíquotas de contribuição reduzidas (empregados domésticos, empregados rurais).

Se até agora só algumas vozes (ANFIP, intelectuais, sindicalistas) ousavam afrontar a “falsa verdade” do calamitoso déficit previdenciário, agora é o próprio governo que assume esta discussão, afirmando que não haverá cortes de benefícios. Este é um inegável avanço democrático e golpe na hegemonia do pensamento conservador, que vê no corte das políticas públicas a salvação da economia. Ainda assim, ficaram de fora desta discussão a enorme dívida existente em vários setores da economia para com a previdência e as políticas sucessivas de seu refinanciamento.

A proposta de criação de um Fórum Nacional de Previdência Social nos coloca a necessidade de levar a este espaço de discussão democrático as propostas de inclusão previdenciária sob novas bases de financiamento, que não se assentem prioritariamente sobre o trabalho formal. Só assim poderemos resgatar o conceito de Seguridade Social, estranhamente ausente da discussão atual.

Se tivermos que apontar as duas maiores omissões na proposta do PAC diríamos que se referem, por um lado, à ausência de uma proposta de política monetária que defina a queda da taxa de juros, o que pode inviabilizar o sucesso do plano. A política avança de forma contraditória e, neste caso, os setores conservadores localizados no Banco Central e no Tesouro representam ameaças que, no médio prazo, deverão ser equacionadas para garantir o sucesso da política proposta. Por outro lado, uma ausência significativa diz respeito à falta de metas em áreas como emprego, saúde e educação, o que asseguraria que o plano fosse além da proposta de crescimento, em direção a um projeto de desenvolvimento nacional.

Finalmente, está ausente do plano um modelo de gestão para o Estado, que assegure a eficiência e eficácia das políticas públicas. Neste momento de fortalecimento do papel do Estado seria imprescindível resgatar a discussão da reforma do Estado, não mais em bases liberais. Ao contrário, propor um modelo de reforma democrática do Estado, capaz de reduzir a corrupção, o patrimonialismo, a ineficiência e o desrespeito à cidadania.

Os grande erros do PAC são as propostas de ajuste linear do funcionalismo público e a eternização da DRU (desvinculação das receitas da União). No primeiro caso, a proposta de redução do peso das despesas com o funcionalismo de 5,2% do PIB em 2006 para 4,7% em 2010, não encontra qualquer base de justificativa se comparado este gasto a outros países, seja em número de funcionários públicos seja em despesa como porcentagem do PIB. Pior ainda é pensarmos que em um país como o nosso, em que 12% dos funcionários públicos encontram-se abaixo da linha da pobreza (dados da CEPAL para 2005), enquanto os mais poderosos discutem aprovação de aumentos salariais que afrontam a sociedade, certamente os que sairão perdendo com as medidas restritivas não serão as categorias dos poderosos.

A proposta do governo de renovação da DRU por mais 10 anos ameaça os setores sociais como a saúde. Ao desvincular 20% dos recursos que a Constituição Federal de 1988 destinou aos setores sociais, o governo está lesando a cidadania. Mesmo que o governo atual retire 20% da Seguridade Social e depois coloque valores semelhantes com recursos do Tesouro para a Previdência, este não é um mero efeito contábil, como tem sido alegado.

Ao contrário do que propugnava a CF 88, que é assegurar os recursos como direitos, o que ocorre agora é que se atribui ao governo de plantão o poder discricionário de decidir se vai pagar juros ou colocar estes recursos em políticas públicas.

Desta forma, fica cada vez mais distante a possibilidade que o governo atual se comprometa com a aprovação da regulamentação da EC. No. 29, já que ela assegura recursos para finalidades discriminadas legalmente em saúde, restringindo as margens de manobra dos governantes.

Portanto, neste quadro complexo em que há alguns avanços e outros retrocessos políticos, nossa posição<