II Simpósio de Política e Saúde: especialistas discutem desenvolvimento e saúde no primeiro dia do evento

“O que queremos do desenvolvimento? Este desenvolvimento é para quê e para quem?” É possível que, finalmente, nesse país haja um desenvolvimento com face democrática? “O que podemos fazer para defender o interesse público no processo de desenvolvimento?” Com essas perguntas lançadas ao público de cerca de 130 pessoas, Roberto Passos Nogueira, abriu a mesa “Saúde, desenvolvimento e democracia”, no dia 07 de julho, a primeira do Simpósio de Política e Saúde do Cebes, na Fiocruz/Brasília. Para debater o assunto, estavam Sonia Fleury, da Fundação Getúlio Vargas e ex-presidente do Cebes; Plínio de Arruda Sampaio, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); Rudá Ricci, sociólogo do Instituto Cultiva; e José Ruben Bonfim, da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime).

Conhecido pelo seu bom humor e discurso afiado, Plínio de Arruda Sampaio, que se disse “honrado por reencontrar os homens e mulheres que fizeram o SUS”, divertiu a plateia com seus comentários sobre as mudanças de posições políticas de militantes nos últimos anos, após lembrar carinhosamente o médico sanitarista David Capistrano, homenageado anteriormente por Jose Ruben Bonfim. “Não se faz mais comunista como antigamente. Agora, comunista e cristão andam juntos. Eu, pelo menos, me junto com comunista e disse isso claramente na minha campanha eleitoral”, comentou. O ex-candidato à presidência disse que a Saúde tem um lado técnico sobre o qual não pode discorrer como os membros presentes, mas acredita existe o lado geral que todos conhecem. “O problema da saúde tem um nome só: pobreza. Pobreza quer dizer fome e fome quer dizer todo o início do problema. Pobreza quer dizer sujeira, casas não adequadas, água poluída, falta de esgoto. Tudo isso é causa de doença”, defendeu ele para quem não existe saúde digna enquanto não houver uma profunda transformação na sociedade. “Enquanto a burguesia comandar esse país não há condição de oferecer à sua população um sistema de Saúde útil. “Quem quiser cuidar de saúde precisa pensar nisso e tomar posição. O problema nesse país é que ninguém toma posição porque tomar posição tem preço”, disparou. Plínio também defendeu que a esquerda, acima das diferenças, assuma um eixo: “Saúde deve ser exclusivamente pública”.

Retornando à questão de desenvolvimento, Rudá Ricci destacou na palestra “Conselhos de Gestão Pública: impasses da democracia deliberativa no Brasil”, que o Controle Social deve ser o ponto de partida para discutir o assunto. De acordo com ele, ainda é preciso deixar claro que esse controle social só existe se houver a participação popular na tomada de decisão. “Controle social é quando a sociedade ou os beneficiários participam da política pública. Se eles não participam não é controle social. Isso significa que uma plenária com prestação de contas não é controle social, é consulta”, explicou, emplacando em seguida: “controle social é cogestão”.

Autor do livro “Lulismo: da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão da Nova Classe Média Brasileira” ( Editora Contraponto e Fundação Astrojildo Pereira), Ricci ainda chamou atenção para o enfraquecimento do processo participativo após os oito anos do governo Lula. Segundo ele, há um silêncio dos movimentos sociais que defendiam o processo participativo em favor da cooptação, e da relação verticalizada com as instâncias do aparelho de Estado. “Caminhamos para o Estado Unitário, centralizador”, criticou.

Sonia Fleury lançou mão de sua tese “Defesa intransigente do interesse público na saúde”, apresentada ao Simpósio, na qual defende, entre outras coisas, que é preciso “(…) deixar de lado a estratégia de defesa incondicional do SUS, pois ela corresponde a uma conjuntura de enfrentamentos que já não é atual”. Segundo a professora da FGV, O movimento foi encurralado pela sua própria estratégia adotada ainda em plena ditadura, segundo a qual se baseava em formular um projeto alternativo para a saúde e ocupar os espaços públicos. “Acho que a estratégia foi acertada. O projeto avançou e ganhou espaço importante na constituinte mesmo perdendo em áreas como medicamento por conta da correlação de força vigente na época”, disse.

Sonia recuperou a frase de Plínio de Arruda “A saúde deve ser exclusivamente pública” para dar início a apresentação da sua tese. “Quero discordar um pouco do professor Plínio. Na época em que se discutia a estatização da saúde, 70% dos leitos eram privados, e na 8º Conferência não discutimos isso. Penso que desconhecer essa realidade nos impediu de pensar que este setor cresceria na aba do SUS, sem nenhum controle nosso”. Isso porque, sustenta a professora, o movimento também conseguiu emplacar o segundo objetivo que era o de ocupar os espaços públicos. “Nós fomos chamados a administrar a penúria do SUS. Essa ocupação, assumindo a precariedade do sistema, custou muito ao movimento sanitário que tem perdido a batalha na luta pela hegemonia. Hoje qualquer pobre quer ter um plano de saúde. Isso é uma cultura elitista”.

A ex-presidente do Cebes sustentou que a correlação de forças mudou totalmente e, portanto, a estratégia do movimento sanitário também deve tomar novos rumos. “Hoje não tem ninguém contra o SUS. O setor privado que em 1986 não queria falar com a gente, está dentro do Ministério da Saúde”, exemplificou. A professora ainda disse que não existe no movimento a coragem de encarar que o Sistema Universal como está estruturado beneficia o setor privado. E completou à frente: “Não se trata defender o SUS como uma profissão de fé, mas voltar ao projeto original do SUS e resguardar que o interesse público tem primazia sobre os interesses privados”, apontou.

Por fim, José Ruben abordou a força da indústria farmacêutica. Ele destacou que o poder da indústria é tão forte que mais de 80% dos medicamentos lançados no mercado oferecem pouca ou nenhuma vantagem terapêutica – quando comparados aos já existentes. E nada tem sido feito para mudar essa realidade.
“Eu vou tratar de um tema que faz parte do cotidiano de todos: sadios, doentes ou na condição de ´você não está sadio, pois você é um pré infermo´. Essa é a vereda que há muitos anos a indústria farmacêutica percorre”, indicou ele.

O representante da Sobravime destacou, em sua apresentação, que as forças que sustentam e atuam na construção das políticas farmacêuticas são forças que agem dentro do próprio governo brasileiro com apoio dos meios de comunicação, em especial da propaganda.

O sanitarista lembrou que é preciso ser cético quando o assunto é corporações farmacêuticas. Segundo ele, o cerne da indústria farmacêutica é: qualquer produto que demonstre ser melhor que um placebo pode ser comercializado. “Filosoficamente eu sou cético. E entendo o ceticismo da seguinte forma: duvidar de tudo que não seja comprovado de forma transparente. É o que eu chamo de ceticismo sadio. Essa lógica é toda em desacordo com o avanço, da ciência e da medicina. Ou seja, essa é uma concepção ultrapassada”, atacou o médico, que antes de encerrar a sua fala, fez uma alusão e elogiou o estudo do jornalista Álvaro Nascimento, da ENPS/Fioccuz, intitulado “O triângulo da modernidade Cínica”, que inova ao falar da problemática na definição dos cargos das agências reguladoras nacionais envolvendo Senado, dirigentes de agências e empresas.