II Simpósio do Cebes: Direito universal ao acesso a serviços de saúde de qualidade

O crescente, mas ainda desigual acesso à saúde, ideologia e realidade e precarização das relações de trabalho foram alguns dos assuntos abordados pelos palestrantes.

Quais os limites entre ideologia, realidade complexa e gestão de pública? Esta questão percorreu as discussões da mesa “Direito universal ao acesso a serviços de qualidade”, ocorrida na tarde do dia 07, no II Simpósio de Política e Saúde do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). O debate foi movido pelas palestras de Nelson Rodrigues dos Santos, do Instituto do Direito Sanitário Aplicado (IDISA); Jairnilson Paim, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Alcides Miranda, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)  e Ângelo D´agostini, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A mediação ficou a cargo da então diretora e atual presidente, Ana Maria Costa.

Angelo D´agostini debruçou-se sobre precarização das relações de trabalho em saúde no Brasil. “A saúde é um setor que historicamente tem um o maior índice de precarização do trabalho no país e o de menos direitos. Nós entendemos que as terceirizações só tem feito piorar a situação”. Ele criticou a prática de transferir os serviços públicos ao setor privado e expôs um caso pessoal para ilustrar e criticar o que chamou de “quarteirização” da saúde. “Eu participei de um episódio em que uma OSs (Organizações Sociais) assumiu setores de um hospital e depois de um tempo, como havia servidores públicos lá também, fomos negociar. Aí passaram dois anos e eles ´quarteirizaram´ o setor de radiologia, um dos que faltavam. Fomos discutir, então, o que aconteceria com os trabalhadores daquele setor. A resposta foi que não havia motivo para preocupação, já que não ia mudar nada porque a empresa que estava assumindo a radiologia era deles também. Um absurdo e é assim que funciona”, disparou o representante da CUT.

O professor Jairnilson Paim chamou atenção para a necessidade dese  estudar o acesso à saúde com o olhar subjetivo sim, mas sem perder de vista a ideia de que a realidade, às vezes, é mais complexa que a teoria. “Para analisar o acesso universal que é um valor de qualidade, igualitário, a gente tem que articular as dimensões subjetivas com as dimensões objetivas”, disse na abertura da palestra. Outro destaque de Jairnilson foi a importância de compreender que, nas últimas décadas, alguns temas não saíram do lugar, mas, por outro lado, ocorreram avanços em várias áreas.

Nessa linha de raciocínio, Jairnilson citou, em sua apresentação, os últimos resultados das Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNADs)  que apontam um aumento de acesso a serviços públicos de saúde de uns anos para cá. Segundo o estudo de 2009, mencionado por ele, por exemplo, “pessoas com planos de saúde tinham 200% mais chances de usar um serviço de saúde do que as sem planos em 1998, reduzindo para 70% em 2008”. No entanto, na opinião do professor, mais acessos não significam acessibilidade universal, igualitário e atendimento digno. “O fato de ter acesso universal – precarizado aqui e acolá – não significa igualdade. Ainda que  haja igualdade na distribuição dos recursos nas várias regiões do país, essa igualdade é extremamente prejudicial para o Norte e Nordeste. Então não temos que falar em outra equidade na distribuição de recursos”, apontou.

No campo das defesas dos ideias, o professor assumiu uma postura realista quando falou do atual quadro de crescimento dos planos privados no Brasil. “Não acredito que apelos ideológicos farão com que as pessoas deixem de usar planos de saúde. Não concordo, como foi colocado aqui (no dia anterior), que seja uma questão de objeto de desejo (ter um plano). Aí reside um conjunto de determinações que inclusive passam pelo Sistema público de Saúde. Vivemos na minha opinião o pior dos mundos: o subfinanciamento para o público e uma subregulação para o privado. No público, somos tratados como coisa. No privado, como mercadoria”, finalizou o pesquisador.

Um complexo dialético entre gerar, gerir e girar. O trio foi utilizado por Alcides Miranda, representante do Cebes, para defender a tese de que nem sempre a ideologia é sobrepujada pela realidade. Ele explica: “Gerar significa a tensão instituinte, muitas vezes que adquire uma vestimenta normativa que passa a ser uma tensão normativa como leis que a gente espera que sejam cumpridas; o gerir seria a tensão que se pauta pela necessidade de controle, de modos de integração autorregulados e, finalmente, o que eu chamo de girar aponta para transformação, que implicam políticas de Estado e não de governo. Há uma contenção aos processos de gerir, ao pragmatismo instituído do gerir. Isso é primordial porque antes de tudo, é uma questão ideológica”, afirmou.

Alcides lembrou a palestra de Sonia Fleury no dia anterior quando a professora fez uma análise histórica segundo a qual a estratégica traçada pelo movimento sanitário de ocupar espaços públicos teria levado a alguns militantes/gestores a um aprisionamento por uma logística de gerenciar precariedades, o que teria, por sua vez, beneficiado o crescimento do setor privado. Segundo Alcides, é compressiva e válida tal leitura, mas, argumenta, há um outro dado importante a ser inserido nesse debate, que é a conformação de alguns atores com a situação encontrada. “Muitos se adaptaram a essa logística, abdicaram da tensão de gerar e não se deram conta, muitas vezes, da tensão de girar e aí trocaram o possível da política pela política do possível”.

O professor Nelson Rodrigues sublinhou, entre outras coisas, que o Sistema Único de Saúde (SUS) real hoje é uma a mistura de intervenções com uma gestão fatiada por partidos políticos. E encerrou o debate propondo aos militantes e intelectuais sem vínculo com a gestão pública que arregacem as mangas e façam política. “De tudo que foi colocado, eu vou reforçar o aspecto que me parece extremamente oportuno e inadiavél  que é a questão de aceitarmos que estamos esgotados ou quase esgotados dos referenciais estratégicos de luta política, referenciais com base na gestão, gerência e da operacionalidade. Quem está em situação de gestão pública com responsabilidade de governo não pode abrir mão. Tem que se dedicar totalmente a isso, mas o movimento político, de política pública e cidadania, eu acho, que está desafiado a vestir a roupa de militância política, fazer política. É algo que na história da reforma sanitária houve um certo desaprendizado”, assinalou o professor.