Indícios de infarto na gestação

Flávia Franco/ Correio Brasiliense

Segundo estudo holandês, fetos menores do que o esperado para o primeiro trimestre da gravidez podem se tornam adultos com maiores chances de sofrerem problemas cardiovasculares.

Os três meses iniciais da gestação são uma fase reveladora de como será a saúde cardiovascular de um adulto. A relação foi constatada em um estudo feito por um grupo de pesquisadores da Erasmus University Medical Center, na Holanda, e divulgado pelo British Medical Journal. Ao analisar 1.184 crianças, os cientistas concluíram que aquelas que tinham, ainda na barriga da mãe, um tamanho menor do que o esperado para o primeiro trimestre da gravidez eram mais propícias a sofrerem de problemas como infarto e derrames quando envelhecessem.

Chamado de fase embrionária, o período é de rápido desenvolvimento, quando o coração e outros órgãos importantes começam a se formar. “Durante o primeiro trimestre, se dá o crescimento celular em hiperplasia, a formação de todos os tecidos — dos rins, do fígado, do cérebro, do intestino, do estômago, do pâncreas, da pele. Qualquer problema que ocorra nesse momento vai repercutir para o resto da vida. Trata-se de uma fase em que está havendo um aumento do número de células”, elucida Ana Célia Bomfim, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Luzia.

Mulheres com até três meses de gravidez participaram do estudo e os filhos delas voltaram a ser analisados aos 6 anos, quando foram avaliados fatores de risco cardiovascular, incluindo o índice de massa corporal, a distribuição da gordura corporal, a pressão arterial, os níveis de colesterol e a concentrações de insulina. Características das mães, como etnia, educação, tabagismo, índice de massa corporal e pressão arterial, também foram consideradas.

Em comparação com o grupo de bebês com dimensões maiores durante a gestação, aqueles de menor tamanho apresentaram, aos 6 anos, uma série de fatores de risco cardiovascular. Entre eles, maior massa gorda, mais gordura armazenada em torno do abdômen, aumento da pressão arterial diastólica e um perfil de colesterol adverso.

Dessa forma, os pesquisadores sugerem que o primeiro trimestre pode ser um período crítico para a função cardiovascular e metabólica, mas também fazem ressalvas: “Mais estudos são necessários para identificar os mecanismos biológicos responsáveis por essas alterações e as consequências a longo prazo”, ponderaram no texto divulgado. Segundo eles, estratégias futuras para melhorar a saúde cardiovascular podem começar a partir do início da gravidez ou até mesmo antes da concepção.

Prevenção

Na mesma linha, Rafael Munerato, cardiologista do Laboratório Exame, aponta a importância dos cuidados na gravidez para a saúde futura do bebê. “O interessante desse estudo é mostrar que, às vezes, a criança é obesa devido a algumas condições adversas na gravidez. Trata-se de mais uma prova de que a população tem que entender a importância que existe nos meses da gravidez até na determinação da saúde ao longo da vida”, afirma.

Apesar de raramente as crianças apresentarem problemas cardiovasculares, Munerato ressalta a importância de identificar indícios de problemas ainda na infância. “Quando você já identifica esses fatores de risco em crianças, acendem algumas luzes vermelhas. É preciso que os pais e os filhos fiquem atentos e controlem esses complicadores para evitar que, no futuro, a pessoa venha a ter um infarto ou um derrame”, aponta.

Na pesquisa holandesa, a restrição de crescimento durante o primeiro trimestre também foi associada a um risco aumentado de ocorrência simultânea dos fatores de risco cardiovascular na infância. De acordo com Munerato, a coexistência de mais de um complicador representa um perigo ainda maior de problemas ligados ao coração. “Por exemplo, uma pessoa só com colesterol elevado tem um risco menor do que alguém que também tem pressão alta e ainda fuma”, explica.

Segundo o cardiologista, a adoção de hábitos preventivos é importante porque as complicações cardiovasculares estão bastante ligadas ao estilo de vida adotado. “O peso dos fatores de risco ambientais e relacionados aos hábitos — como obesidade, sedentarismo, tabagismo e diabetes — é muito maior do que o genético. Existe uma predisposição, mas é muito mais importante a forma como a pessoa se alimenta, a prática ou não de atividade física etc.”, afirma.

Difícil aplicação

Pediatra do Laboratório Pasteur, Natasha Slhessarenko faz ressalvas em relação à metodologia. “Do ponto de vista populacional, mães que saibam o último dia da menstruação e que tenham ciclos regulares são minoria. A grande maioria não só desconhece, como também faz uso de anticoncepcionais, que também alteram um pouco o ciclo menstrual”, critica. As duas condições — saber a data de início da menstruação anterior à gravidez e ter um ciclo regular — foram requisitos para participar do estudo.

Outra ponderação feita por Slhessarenko é relacionada à redução do número de participantes na segunda etapa da pesquisa, quando as crianças, já em idade escolar, foram observadas. “O acompanhamento da amostra, no período proposto, foi de 73% da margem inicial. Perder mais de um quarto da mostra inicial também pode ser significativo para o resultado”, ressalta.

Apesar das críticas, a pediatra destacou as qualidades do estudo. “Ele traz uma notícia importante, que oferece uma mudança de paradigma. Temos a medida entre a cabeça e a nádega como um padrão. Os pesquisadores lançam uma dúvida. Essa medida, talvez, não seja fixa, seja variável, e que, em bebês menores, uma medida muito pequena pode representar um risco maior de doenças cardiovasculares”, aponta Slhessarenko.