Informalidade legal afeta 4 bilhões de pessoas no mundo

Cerca de 4 bilhões de pessoas, ou dois terços da população mundial, estão fora do amparo legal, afirma um relatório da Commission on Legal Empowerment of the Poor, um organismo independente que tem apoio do PNUD e reúne estudiosos e ex-chefes de Estado ou ministros — como Fernando Henrique Cardoso, a ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright (governo Clinton), o economista peruano Hernando de Soto e o ex-presidente mexicano Erneste Zedillo. A estimativa abrangeu indivíduos que não têm documentos como certidão de nascimento, trabalham na informalidade, moram em terreno sem escritura ou têm algum tipo de atividade sem registro.

Intitulado Making the Law Work for Everyone (Fazer com que as leis funcionem para todos), o estudo aponta que o problema atinge tanto o campo quanto a cidade. Metade das pessoas em áreas urbanas no mundo vive em moradias precárias ou trabalha na informalidade, e uma proporção ainda maior mora em áreas rurais isoladas, com acesso limitado a terra e recursos. Em muitos países, diz o texto, a informalidade legal afeta mais de 80% da população. Nas Filipinas, 65% das moradias e negócios são informais; na Tanzânia, 90%.

O relatório estima que mais de um terço do mercado nos países em desenvolvimento é informal — proporção que chega a 90% em alguns países da África e do sul da Ásia. O texto cita um estudo do BID (Banco Interamericano do Desenvolvimento) sobre 12 países sul-americanos, segundo o qual apenas 8% das empresas eram legalmente registradas e aproximadamente 23 milhões de negócios eram feitos à margem da legislação.

Para chegar aos 4 bilhões, a comissão estimou o número de pessoas que não são assistidas por alguns dos direitos básicos garantidos pela legislação de seus países — não têm direito de posse sobre o imóvel nem direitos trabalhistas, abrem negócios sem documentação formal ou sem reconhecimento por parte da justiça. Nos países menos desenvolvidos, por exemplo, sete em dez crianças não têm certidão de nascimento ou outros documentos.

A grande quantidade de “sem-documento” tem duas principais causas, segundo o estudo. Os mais pobres têm dificuldade de entender o emaranhado legal, e o Estado é indiferente em relação aos pobres. Essa indiferença se traduz, por exemplo, em infra-estrutura insuficiente para atender a população (na Índia, há aproximadamente 11 juízes para cada 1 milhão de pessoas, e mais de 20 milhões de casos estão pendentes de decisão; alguns processos civis demoram 20 anos para serem julgados).

Quando a legislação e a sociedade apresentam barreiras aos pobres, a idéia de lei como uma instituição legítima da democracia fica prejudicada, alerta o relatório. Em contraste, a expansão da proteção legal tende a fazer com que mais cidadãos desenvolvam um maior interesse na manutenção da ordem social e na estabilidade de governos locais. Isso ajudaria os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

“As pessoas pobres já fazem acordos e contratos sociais entre si, e o que é preciso é padronizar profissionalmente esses contratos para criar um sistema legal que todos reconheçam e respeitem”, diz o economista peruano Hernando de Soto, co-presidente da comissão. “Os governos existem para servir as necessidades dos cidadãos. Expandir o véu legal de proteções aos pobres serve para fortalecer — particularmente aos olhos dos pobres — o valor e legitimidade dos governos locais”, argumenta.

“A lição é clara. Quando as regras democráticas são ignoradas e não há lei capaz de resguardar o cidadão, os que mais sofrem são aqueles que menos podem perder”, diz a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos e outra co-presidente da comissão, Madeleine Albright. “Criar infra-estrutura de leis, direitos, coerção e de adjudicação faz a diferença entre a vulnerabilidade e segurança para centenas de milhares de seres humanos”, acrescenta.

 

Fonte: PNUD Brasil