Iola Gurgel defende a volta da Saúde para o arcabouço do orçamento da Seguridade Social

No Cebes Debate desta segunda (24), a professora titular da Faculdade de Medicina da UFMG, Eli Iola Gurgel defendeu a retomada da Seguridade Social conforme previsto na Constituição de 1988, com a inclusão do financiamento da Saúde nesse arcabouço ao lado da Previdência e da Assistência Social. Além dessa retomada, ela também apresentou propostas do relatório final do GT-Previdência e Seguridade Social da equipe de transição do governo Lula para fortalecer o arcabouço da Seguridade, como a reorganização do seu orçamento, suspendendo mecanismos como o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), e a instituição do Conselho Nacional de Seguridade Social conforme expresso nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal.

No programa, Iola discorreu sobre o histórico do financiamento do Sistema Único de Saúde nesses últimos 30 anos, como ele saiu do orçamento da Seguridade Social e como isso afetou a sociedade brasileira. Segundo diagnóstico do relatório final do GT, hoje no Brasil os trabalhadores formais têm os direitos à saúde “arbitrados no âmbito mercantil“, com o uso de “planos de saúde coletivos“, por exemplo.

Para a docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFMG, a fragmentação das políticas de Seguridade fez com que a assistência à saúde do trabalhador formal no Brasil retrocedesse à época da segmentação da época das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), criada pela lei Eloy Chaves, em 1923.

Como um dos exemplos do esvaziamento da luta por direitos sociais, Eli Iola Gurgel chamou atenção para a extinção na Câmara dos Deputados da comissão permanente da Seguridade Social e Família, que foi substituída pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família – hoje presidida pelo deputado Fernando Rodolfo (PL-PE). “Ainda paira no ar essa ameaça, esse grande interesse, essa voracidade de setores conservadores no Brasil de desmontar (direitos civis). É como afirmam durante muito tempo: esses direitos sociais não cabem na Constituição“, disse a docente.

O líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros, dizia que o brasileiro “tem muitos direitos e poucos deveres“. Ele alegava isso para tentar emplacar uma nova Constituinte e desmontar a Constituição de 1988. Iola lembrou do propalado Ponte para o Futuro, programa de reformas liberais que Michel Temer tentou emplacar durante seu governo.

Durante o programa, a professora criticou a desvinculação de até 20% do orçamento da Seguridade Social para que o Tesouro Nacional pudesse usar de forma livre em outras áreas. Essa desvinculação foi criada em 1994 pelo governo Fernando Henrique e tem que ser renovada a cada 5 anos – e 2023 vai haver nova oportunidade de manter, ou não, essa medida. Segundo Iola, a manutenção prejudica a sustentabilidade financeira da Seguridade no Brasil.

A mediadora da conversa, Ana Maria Costa, disse que as informações trazidas por Iola irão contribuir com as Conferências Livres de Saúde do Cebes, que estão sendo organizadas em todo território nacional. O presidente do Cebes, Carlos Fidelis, que participou desse debate como espectador, disse que as falas da professora da UFMG são: “Uma grande contribuição ao debate sobre o direito à saúde que desejamos e merecemos. Debater esse tema é debater o papel do Estado e o país que queremos“.

Maria Lúcia Frizon, diretora de Política Editorial do Cebes, perguntou a Iola como conseguir fazer com que Previdência Social, Saúde e Assistência Social sejam finalmente trabalhadas como políticas articuladas dentro da Seguridade Social.

Para Iola, coube ao Brasil o papel de construir uma rede de proteção social em uma época em que forças liberais atuavam para, em lugares como a Inglaterra, destruir mecanismos de bem-estar social, como políticas de Previdência, Saúde e Habitação. Mas a construção dessa rede de proteção aconteceu em prol do financiamento da Saúde em detrimento da luta por uma Seguridade Social articulada. “Isso aconteceu a partir da derrota da PEC 169/93. A partir dali nós meio que começamos a aceitar uma trajetória de definição de financiamento para a saúde em paralelo“, disse.

A PEC determinava que a União iria aplicar anualmente na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) nunca menos de 30% das receitas de contribuições sociais que compõem o Orçamento da Seguridade Social e 10% da receita resultante de impostos. Enquanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicariam no SUS nunca menos de 10% da receita resultante de impostos.

Segundo a professora, a derrota desse projeto acabou gerando um modelo de Seguridade Social fragmentando e que cada vez mais se torna mais “americanizado“. Para ela, não adianta brigar por financiamento público para políticas sociais de bem-estar social se for para usar esse recurso “em um modelo equivocado”. O reencontro com a Seguridade Social vai nos dar força para romper com obstáculos que estão hoje constituídos“, afirmou. Ainda segundo Iola, esse “reencontro” ajudaria a regionalização de políticas sociais e poderia ajudar a resolver o gargalo de atendimentos de média complexidade do SUS, por exemplo. 

Para reorganizar a Seguridade Social, Iola trouxe sugestões do relatório final do GT-Previdência e Seguridade Social da equipe de transição do governo Lula. Seguem algumas sugestões:

Veja o Cebes Debate no link ou a seguir:

Saiba mais:

Ao final da apresentação, Iola deixou na tela um link referente a um artigo na revista da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) sobre os Desafios da Seguridade Social brasileira, dos benefícios sociais e das mulheres. Na publicação, ela mostra como a Constituição Federal de 1988, mesmo insculpindo princípios para o fim da desigualdade, passou por reformas que ameaçam o modelo de proteção social. Veja no link.