Limites da economia verde
O Globo – 24/04/2012
Escolhido pela ONU como o tema principal da Conferência para o Desenvolvimento Sustentável – Rio+20, a Economia Verde vem sofrendo fortes críticas pela sociedade civil. Convidados do Seminário Diálogos para a Prática do Desenvolvimento Sustentável organizado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) no dia 17 de abril, o vice-presidente sênior para as Américas da ONG Conservação Internacional, Fábio Scarano, o pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz Alexandre Pessoa, e o ambientalista e presidente do Jardim Botânico, Liszt Vieira, debateram o tema.
Para Alexandre Pessoa, a Economia Verde pode se tornar uma armadilha para a mercantilização da vida. Ele criticou o Rascunho Zero das Nações Unidas, documento que servirá de base para as discussões na Rio+20, “centrado na economia e deixa à margem assuntos como a questão da saúde”:
– Saúde é muito mais do que se pensar em hospitais e doenças. Não adianta só falar em saúde global, é preciso entender que as comunidades do Rio de Janeiro ainda vivem numa realidade em que a diarreia é um dos principais problemas porque falta saneamento. E alguém está pensando nisso?
Para o pesquisador, o atual modelo de desenvolvimento e de crescimento acelerado adotado no Brasil e no mundo tem provocado graves impactos socioambientais à saúde humana e ambiental:
– A Rio+20 deveria fazer uma profunda avaliação dos rumos da humanidade nos últimos 20 anos. A Economia Verde proposta pela ONU e pelas grandes corporações não parte dessa avaliação e apresenta uma proposta que deixa de lado questões centrais. Ela pode intensificar conflitos territoriais e gerar mais sofrimento, especialmente nas comunidades tradicionais e de baixa renda.
Pessoa afirmou que trabalhar na prevenção é mais barato do que tratar as doenças. Mas, segundo ele, “isso envolve interesses políticos e de corporações”.
– A Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), por exemplo, está me processando porque eu relaciono doenças desenvolvidas por moradores de Santa Cruz à instalação do complexo – disse.
Já Fábio Scarano apoia a escolha da Economia Verde como tema da Rio+20. Ele acredita que a discussão é pertinente e essencial para países como o Brasil, que tem 15% da água doce do mundo e é um dos maiores celeiros de biodiversidade do planeta. No entanto, segundo ele, o país já alterou 55% de suas florestas, perdeu mais da metade do bioma Cerrado e 88% da cobertura verde da Mata Atlântica. Com base nesses dados, Scarano, que é membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, acredita que a atribuição de valores econômicos para a floresta seria um avanço para garantir a conservação de áreas verdes:
– A lógica que usamos hoje é: para melhorar o bem-estar das pessoas, acabamos com os recursos naturais. O crescimento do PIB brasileiro nos últimos dez anos se deu às custas de muita degradação. A economia verde traz a ideia de que o capital natural deve ser mantido, enquanto os outros três capitais, social, econômico e humano, crescem. É bem mais fácil dizê-lo do que fazê-lo.
Scarano citou como exemplo estados brasileiros onde a Conservação Internacional tem atuado. É o caso do Amapá, que tem 72% de seu território protegido, e do Amazonas, com 50%. Por outro lado, o vice-diretor da ONG lembrou que o país tem 60 milhões de hectares usados pelo setor agropecuário, com média de apenas uma cabeça de gado por hectare, que poderiam ser utilizados para outros fins, como conservação de florestas ou cultivo de alimentos.
Por fim, Scarano afirmou que 80% das hidrelétricas do país dependem de águas que se localizam em áreas de preservação ambiental.
– Quanto recebe a Reserva Chico Mendes pela água limpa que sai de lá e é usada por hidrelétricas? Nada. Isso tem que ser revisto e a Rio+20 é uma oportunidade de se fazer esses cálculos.
Já o presidente do Jardim Botânico, Liszt Vieira, criticou o próprio surgimento da expressão Economia Verde, pois ele tem medo que ela substitua o termo desenvolvimento sustentável, surgido com o texto “Nosso Futuro Comum”, em 1987 e que precisou desse tempo todo para se tornar conhecido:
– Temos que dar poder ao conceito desenvolvimento sustentável. Se não, melhor explodi-lo. A Economia Verde é um termo inventado por burocratas da ONU. É como um cavalo de troia. Muito bonita por fora, mas ninguém sabe o que tem dentro – brincou, defendendo, em seguida, um protagonismo brasileiro na Rio+20: – O Brasil poderia ousar mais, se tornar líder em propostas ambientais, a estrutura da ONU está falida.
Vieira não acredita em acordos na Rio+20, já que, para mudar a lógica econômica, seria necessário mudar padrões de produção e consumo mundiais.