Luta pelo direito à vida

Publicado em: 02/07/2012 12:15:31

Flávia Ayer -1/7/2012

Esperança de cura para quem sofre de mieloma múltiplo, único remédio capaz de barrar a doença não tem seu uso autorizado no Brasil, obrigando pacientes a recorrer à Justiça.

Imagine se você tivesse uma doença sem cura e a única possibilidade de prolongar sua vida fosse o uso de um medicamento já adotado em 80 países. Agora considere a ideia de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não liberar o remédio no Brasil. “Vivo como se tivesse uma adaga sobre a cabeça.” Essa é a dura realidade enfrentada por Gemini Alkmin, de 48 anos, que recorreu à Justiça para conseguir o remédio, e de milhares de pessoas com mieloma múltiplo, câncer na medula óssea que afeta células do sangue. Numa luta pelo direito à vida, pacientes com a doença e seus familiares cobraram, ontem, a aprovação pela Anvisa do uso da lenalidomida no Brasil, capaz de estender uma sobrevida estimada em 10 anos.

O apelo ocorreu durante seminário promovido pela International Myeloma Foundation (IMF), no Hotel Ouro Minas, na Região Nordeste de Belo Horizonte. A estimativa é de que, a cada ano 18 mil brasileiros são acometidos pela doença, que se manifesta por meio de sintomas como anemia, insuficiência renal, cansaço e dores no corpo. O mieloma corresponde a 1% de todos os cânceres e o tratamento é feito, principalmente, por meio de transplante de medula óssea autóctone (o próprio paciente é o doador) e das medicações.

Desde 2007, a lenalidomida passou a ser amplamente usada em outros países, depois de estudos na Europa e nos Estados Unidos comprovando a eficácia da substância. Apesar disso, a Anvisa ainda não adotou a medicação no Brasil. “A lenalidomida provoca menos efeitos colaterais e se mostrou eficaz em casos de pacientes já resistentes às demais medicações. Mas a Anvisa alega que não há comprovação suficiente da eficácia. Pacientes têm conseguido trazer apenas com mandado judicial”, afirma o hematologista Ângelo Maiolino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Diagnosticada há oito anos, foi apenas por meio da Justiça que a mineira Ângela Maria de Castro Azevedo, de 58, teve acesso ao medicamento, que custa, em média, R$ 20 mil, para um mês de tratamento. Ela foi a primeira em Minas a conseguir gratuitamente, mas os problemas persistem. “Já usei várias outras drogas e tenho a esperança de que agora o câncer regrida. Entrei com a ação em dezembro, recebi uma caixa em março, mas depois interromperam. Consegui receber nova remessa para este mês e o próximo. Com essa interrupção, ainda não consegui constatar melhora”, conta.

Gemini, há três anos com o diagnóstico da doença, ainda está na batalha pelo remédio. Já passou por um transplante, está na quimioterapia e, diante da constatação da piora do seu quadro de saúde, a lenalidomida é a sua maior esperança. “Estou tentando barrar ao máximo para conseguir estar viva até descobrirem a cura da doença. Tenho um marido maravilhoso, que se tornou meu cuidador, e sofro muito em pensar em deixá-lo”, confessa. Enquanto não tem acesso à lenalidomida, fará novo transplante. “Tive que deixar um emprego e vou me submeter a uma nova internação”, conta.

Ângelo Maiolino pondera que, enquanto o país continuar barrando o medicamento, só aumentará os custos com internações e acumulará perdas em produtividade. “Quando calculamos o custo de um tratamento, é preciso considerar questões como o ganho no tempo de vida produtiva e com qualidade dos pacientes, além dos gastos com internações, cirurgias, centros de terapia intensiva. Tudo tem que ser considerado. O paciente que fica internado custa muito mais do que aquele que faz tratamento”, afirma. O Estado de Minas não conseguiu contato com a wAnvisa até o fechamento da edição.