Mobilidade Urbana e o acesso ao SUS para casos suspeitos e graves de covid-19 nas vinte maiores cidades do Brasil

por Rafael H. M. Pereira, Carlos Kauê Vieira Braga, Luciana Mendes Servo, Bernardo Serra, Pedro Amaral e Nelson Gouveia

INTRODUÇÃO

A crise epidêmica da Covid-19 tem causado rápido crescimento do número de internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil, e deverá causar grave sobrecarga sobre a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS). As cidades de maior porte já têm casos confirmados em populações mais vulneráveis do ponto de vista social. Neste contexto, é crucial para o planejamento de saúde identificar onde moram os grupos sociais vulneráveis com dificuldade de acesso ao SUS, e quais são os estabelecimentos de saúde que deverão enfrentar gargalo mais severo para atender à demanda de internações de pacientes em estado grave.

OBJETIVOS

Identificar, nas vinte maiores cidades do Brasil, quantas são e onde moram as pessoas mais vulneráveis, com maior dificuldade de acessar estabelecimentos de saúde que atendem pelo SUS capazes de fazer triagem de casos suspeitos de Covid-19 e de fazer internação de pacientes em estado grave.

Estimar, para as vinte maiores cidades do país, a razão entre leitos de unidades de tratamento intensivo (UTIs) com respiradores disponíveis e a população na área de captação de cada hospital que atende pelo SUS, identificando aqueles hospitais que poderão ter maior estrangulamento de demanda por internações, considerando-se sua capacidade de oferta.

METODOLOGIA

O tempo e a distância entre local de residência e estabelecimentos de saúde foram calculados considerando-se viagem de porta a porta, com utilização de uma agregação espacial de alta resolução (grade de hexágonos de 357 metros).

População vulnerável foi definida como as pessoas acima de 50 anos de idade e de baixa renda (entre os 50% mais pobres da população)

Foram estimados os locais de residência e a quantidade de pessoas vulneráveis que:

  • i) moram a mais de 30 minutos de caminhada de estabelecimentos de saúde capazes de fazer triagem e encaminhamento de casos suspeitos de Covid-19;
  • ii) que moram a mais de 5 Km de carro até um hospital capaz de fazer internação de pacientes em estado grave com suporte de leitos de UTI e respiradores mecânicos.

Por fim, também foi estimada a razão entre o número de leitos por habitantes na área de captação de cada hospital (15 Km de carro), utilizando-se uma versão modificada do método three-step floating catchment area (3SFCA).

RESULTADOS

Ao todo, nas vinte maiores cidades do Brasil, cerca de 230 mil pessoas moram a mais de 30 minutos de caminhada de um estabelecimento de saúde que poderia fazer triagem e dar encaminhamento para pacientes com suspeita de Covid-19.

Nesses municípios, cerca de 1,6 milhão de pessoas moram a distâncias maiores do que 5 Km de carro até um hospital com capacidade para internação, em UTI, de pacientes em estado grave.

Esta nota técnica estima os locais de moradia das pessoas em situação de vulnerabilidade com maior dificuldade de acesso ao SUS, apontando as áreas das cidades para as quais os serviços de saúde poderiam priorizar estratégias de transporte de pacientes com atendimento pré-hospitalar e unidades móveis, ou mesmo o fortalecimento de equipes de agentes comunitários de saúde e equipes técnicas que realizam atendimentos em domicílio.

O número médio de leitos de UTI adulto com respiradores mecânicos é de 1,11 para cada 10 mil habitantes, valor próximo do mínimo recomendado em situações de normalidade, mas que pode ser considerado insuficiente em uma situação grave de epidemia.

A disponibilidade de leitos por habitante tende a ser consideravelmente menor nas periferias das grandes cidades, onde uma combinação de fatores como baixa renda, adensamento urbano e piores condições de saneamento criam um cenário de alerta sobre a propagação da Covid-19 e a baixa capacidade de atendimento do sistema de saúde.