‘Muitas Haydées virão’ – uma homenagem do CEBES à médica sanitarista

A diretoria do CEBES se junta às memórias e homenagens prestadas por seu diretor Heleno Corrêa Filho, colega da cebiana Haydée Lima Cecílio

Escrevo pela Diretoria Executiva do CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Meu amigo, contemporâneo e ilustre professor Gastão comunicou a morte da Médica Sanitarista Haydée, minha colega de vida inteira. Ela partiu rodeada pelos filhos, amigas, amigos, família estendida, e pelo desolado sentimento de que a vida acaba. Quem parte primeiro deixa o vácuo e a lembrança de que nós, que aqui estamos, também estamos de passagem. Lembra que nossa passagem se tornará penosa a cada um que ficará sozinho de seus amigos, especialmente os que mais lutaram pela defesa da vida e da saúde de todos.

Maria Haydée de Jesus Lima para mim foi a colegial que veio do interior de São Paulo falando com sotaque de Guaratinguetá a palavra “hómen” e cursou comigo os três anos do colegial do CIEM em anos conturbados da ditadura. Convivemos com estudantes de famílias do poder da ditadura, e outros de famílias reprimidas pelo poder da ditadura, famílias de trabalhadores e comerciantes da periferia, todos no mesmo colégio de aplicação onde davam aulas os professores, alunos de licenciatura e mestrado da UnB. Um reitor militar interventor pela Ditadura fechou aquele colégio anos depois.

Para mim Haydée foi a colega de seis anos de curso de medicina, desde o campus Darcy Ribeiro aos três anos finais no hospital da Unidade Integrada de Serviços de Saúde – a extinta UISS – de Sobradinho, cidade dormitório do DF que cresceu com o vigor majoritário dos migrantes de Gilbués, Pionono, Pedreira, São Raimundo Nonato, e outras cidades que só as músicas de João do Vale conseguiram trazer para a grande mídia da época dos Festivais Nacionais da Canção. O Símbolo de Sobradinho deveria ser a música “De Teresina a São Luiz”. Ali vivemos três anos compartilhando colegas, repúblicas, afetos e desafetos que foram para a vida inteira.

Haydée Lima Cecílio foi a médica sanitarista que, com seu marido e filho pequeno, se submeteram a ir sozinhos para Cananeia em um programa de médicos interiorizados da SUDELPA – Superintendência de Desenvolvimento do Litoral Paulista – onde médicas e médicos (no caso marido e mulher) aceitavam ficar três meses de exílio sem tudo e com nada trabalhando na marra para socorrer a falta de saúde em ambiente hostil deixado pela repressão da ditadura militar de 1964 que reprimiu movimentos populares do Vale do Ribeira em São Paulo. Apostavam na Saúde Pública e na entrega total ao juramento de Hipócrates, pela defesa da política em busca dos direitos de um mundo mais justo, com o futuro do socialismo.

Em Campinas reencontrei Haydée trabalhando já como médica Sanitarista defendendo sempre a organização de novos centros de saúde, antes e muito depois da Constituição de 1988 com a implantação do SUS. Cada Centro de Saúde por onde ela passou virou modelo, muito antes de discutirmos modelos. Ela se inspirou sempre na democracia participativa direta com a atuação dos Conselhos Populares. Virou símbolo em todos os lugares por onde passou.

Em dias sombrios para o Brasil quando temos um governo que defende a morte, ataca a ciência que deveria ser a base da prática da Medicina, ataca a Saúde Pública retirando recursos do SUS, ataca o povo com contrapropaganda para que não siga medidas de contenção da Pandemia de COVID-19 Haydée partiu, no calor da batalha, e não foi pela COVID-19. Ela é semente, e com certeza muitas brotarão desse exemplo de vida que defendemos em nome do CEBES. Esse tempo atrasado e cruel de 2021 passará. Aos sobreviventes ficará o símbolo deixado pela minha colega, que se foi com o sorriso de sempre. Muitas Haydées virão. Não estamos sós. (17abril2021)