Não seremos invisibilizadas nem na saúde e nem na política!

“Uma mulher que merece viver e amar,

 como outra qualquer do planeta”

(Maria, Maria – Milton Santos)

 

Daniela Savi Geremia[1]

Carolina Bernardo[2]

 

As políticas públicas de saúde estão em processos de construção imbricadas no tempo histórico, vivenciamos disputas constantes entre o conservadorismo e as pautas mais progressistas como as levantadas pelos movimentos feministas, transgêneros e lésbicos em todo o mundo, o direito ao corpo das mulheres e o direito a viver sua sexualidade de forma saudável ainda é um desafio para a sociedade e para o Sistema Único de Saúde (SUS).

 

O SUS não é um Sistema Universal de Saúde isolado, ele é um reflexo do que acontece na sociedade, tanto as condições econômicas, políticas, de justiça, quanto relações religiosas, de crença, de moral e valores. A gestão da política de saúde por sua vez, sofre impactos destas questões e pode ser instrumento de transformação social. Os valores do patriarcado impõem o modelo do que é ser homem e mulher e estabelece papéis sociais para cada um.

 

Vivenciamos construções sociais que naturalizam a inferiorização das mulheres nas relações de trabalho, culpabilizando-as pelas violências sofridas, sem autonomia sobre o os seus corpos, ensina como as mulheres devem ser criadas para servir e serem boas mães, boas esposas. Estas questões que soam como natural quando na verdade é culturalmente fortalecido pelo machismo.

 

As formulações das políticas de saúde demonstram que desde a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) de 1983, a temática já estava presente nas discussões em relação a especificidades do atendimento em saúde às mulheres lésbicas e bissexuais, de forma bastante restritiva, mas estava lá. Desde a abordagem em relação aos exames preventivos até o direito reprodutivo das mulheres não heterossexuais. O PAISM representou um avanço na integralidade em saúde no SUS para as mulheres, com o rompimento de uma visão centrada na condição materno-infantil. O programa é fruto de uma luta social e buscou fortalecer a questão de gênero no atendimento à saúde.

 

Entretanto, apesar dos avanços no SUS, no âmbito de indicadores, tais quais, enfrentamento do estupro, mortalidade materna, e gravidez de adolescentes e suas implicações gestacional, parto e nascimento e ações relacionadas à saúde da mulher, como adequação de pré-natal e indicações de cesárea apenas para grupos de risco.  Ademais, ainda temos grandes desafios para viabilizar e implementar políticas equitativas e integrativas que efetivamente incorporem as questões de gênero, neste caso, especificamente a saúde das mulheres cis, trans, lésbicas e bissexuais.

 

As violências contra as mulheres através da invisibilidade é um fato recorrente no SUS. Romper com o silêncio em relação à sexualidade das mulheres perpassa questões estruturais de violências. Precisamos avançar na superação de questões básicas de direitos humanos, gênero e sexualidades. O silêncio não parte do sistema de saúde, ele se perpetua como um eco das questões e violências que a sociedade cuidadosamente gere e concretiza.

 

A desnaturalização da violência passa a ser fundamental para que possamos trabalhar a saúde de forma integral. O enfrentamento à lesbofobia e a bifobia demandam outras transformações sociais, mas que a visibilidade destas no setor de saúde também tem seu potencial social. A garantia da integralidade e humanização do atendimento à saúde das mulheres que fazem sexo com outras mulheres, e do rompimento dos estigmas atribuídos à homossexualidade/homoafetividade, especialmente associado às doenças, podem contribuir para o empoderamento destas mulheres e transformar culturalmente a abordagem e acolhimento dos profissionais de saúde. É o momento de fortalecermos os espaços de resistências aos retrocessos políticos, das diversidades e pluralidades tendo em vista a famosa frase de Simone Beauvoir “[…] basta uma crise política para os direitos das mulheres estarem sob ataque”.

 

Existir e resistir no atual contexto social e político brasileiro tem sido um desafio, os golpes de Estado sofridos pela população no decorrer dos últimos anos impacta diretamente as políticas sociais, entre elas a saúde, assim como, ataca a democracia e aos direitos humanos. Retrocessos tem sido uma norma vigente e o poder de fogo tem executado militantes de direitos humanos, entre elas, mulheres negras e lésbicas que gritam por uma sociedade mais justa.

 

Vamos resistir e persistir na luta para que todas as “Marias” sejam visibilizadas e tenham um atendimento integral, público e de qualidade na prevenção, promoção e atenção à saúde. Também resistiremos e nesse momento gritamos e choramos de indignação pela execução da mulher, lésbica, negra e lutadora, Marielle Franco! Não iremos calar, silenciar! Não seremos invisibilizadas nem na saúde e nem na política!

 

[1] Professora do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), membro no Núcleo Cebes- Chapecó- SC.

[2] Residente do programa multiprofissional em saúde da família – (ENSP-FIOCRUZ).