No Cebes Debate: neoliberalismo e o racismo estrutural
Nessa última segunda (6), o Cebes promoveu debate A Saúde da População Negra e Seus Desafios. Participaram da conversa foram Luis Eduardo, Assessor de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Saúde, e Joice Aragão, que foi Coordenadora da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme no Ministério da Saúde e coordenou a Cooperação Brasil-África em doença falciforme junto à Agência Brasileira de Cooperação.
Veja nesse link ou abaixo o programa, que contou com a participação dos cebianos Carlos Fidelis e Lúcia Souto, presidente e ex-presidenta do Cebes, respectivamente, e Itamar Lages, Coordenador do Programa de Residência em Saúde Família do Campo da UPE. A mediação foi de José Noronha.
O jornalista Gabriel Brito publicou no portal Outras Palavras um matéria sobre o debate. Veja a matéria a seguir.
As urgências da saúde da população negra
Em debate, especialistas enxergam relação direta entre políticas neoliberais e racismo estrutural – agravados pelos últimos anos de necropolítica. Novo governo desenha ações para reverter situação dramática. Serão suficientes?
Se há um consenso – tanto pelo lado da crítica como da dissimulação – acerca do desmonte das políticas públicas, impossível não concluir que houve uma implosão de todo um edifício de políticas públicas redutoras da desigualdade racial no Brasil. A cartilha neoliberal é uma aula magna de racismo estrutural.
Tal noção não é um mero aforismo. Como se pode ver no debate A saúde da população negra e seus desafios, promovido pelo Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes), este parece ser um entendimento tácito das pessoas negras de distintas áreas que foram nomeadas pelo novo governo Lula.
“Estamos voltando pela necessidade. Eu já estava aposentada. Mas a necropolítica de um governo genocida nos reduziu de novo a um estado de miserabilidade, os indicadores são de chorar, já fomos melhores. Embora negros e negras sejamos minoritários nos processos de decisão, viemos dizer que estamos juntos para reconstruir aquilo que foi destruído”, afirmou a médica Joice Aragão de Jesus, que em sua passagem anterior pelo ministério da Saúde coordenou a implantação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme.
Para os participantes do debate, mediado por Itamar Lages, diretor do Cebes e experiente em ações de promoção da saúde de populações do campo e quilombos, os reflexos na vida da população negra causados pelas agendas Temer-Bolsonaro são evidentes. Não se trata de mero adesismo a um governo de tinturas progressistas, pois se sabe que não haverá paraíso com uma centro-esquerda também domesticada pelos dogmas de mercado. Mas ao menos agora há uma direção do Estado brasileiro, como disse o ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida, que dá importância aos deserdados históricos.
“A ministra Nísia estabelece um enfrentamento a isso ao colocar uma assessoria voltada a esta temática, pensando ações concretas, com plano de trabalho e articulação com outros ministérios”, lembrou Luís Eduardo Batista, futuro assessor de Promoção da Igualdade Racial do ministério da Saúde. “Fico feliz com o convite e vejo uma resposta a uma demanda do movimento negro e um chamado da Constituinte. Não faz sentido não implementar tais políticas, já que estamos falando de diversas leis que levam em conta o princípio da equidade.”
A criação desta pasta dentro do ministério é fruto direto do encontro de Nísia Trindade com Anielle Franco, ministra da Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, que colocaram as questões do enfrentamento ao racismo em perspectiva transversal e interministerial.
O quadro é grave e para milhões de brasileiros o tempo urge. Com participação em experiências de políticas públicas que chegaram à população mais precarizada, Joice é enfática em atacar o desmonte. E sabe bem do que fala, pois acabou de perder uma sobrinha portadora de doença falciforme. Mas também sabe que política pública salva vidas.
“A doença foi descoberta por volta de 1910 nos EUA. Na Bahia, um caso de diagnóstico em grupo em 1945 colocou a doença no nosso mapa. Mesmo assim, demorou muito pra sair da invisibilidade, é algo que só com o SUS começa a ser visto pelo Estado. Tenho experiência em governos de Pernambuco e Rio de Janeiro no seu tratamento. Era uma doença que antes matava crianças, a média de vida de seus portadores era 5 anos”, explicou ela, cuja sobrinha faleceu aos 43.
“A vulnerabilidade da população negra no Brasil voltou a se agravar. A estimativa da OMS quando fui nomeada para trabalhar nisso era de 2,5 mil nascimentos com crianças com doença falciforme por ano. Em 2016, tudo parou. É desolador ver que a triagem neonatal foi devastada, onde se pode descobrir boa parte dos casos. E sabemos que assim, muitas crianças não estão sendo tratadas. A cobertura que era de quase 99% chegou a níveis vergonhosos. É um programa que precisa de tecnologia e coordenação, e foi abandonado. Aumentou o número de mortes”, lamentou.
Joice é enfática em atacar as “razões” de mercado na construção da necropolítica e seu viés racista. “Nossos hemocentros, como o Hemo Rio, por várias razões além do racismo estrutural, não têm como atender a população. Esse é mais um retrato do desmonte do SUS. Doença falciforme é um item, existem outras doenças negligenciadas aumentando, como diabete tipo 2, que gera 50 mil amputações por ano e também afeta população negra, desamparada no atual momento. Ouvi coisas verdadeiramente inacreditáveis de autoridades que ocuparam cargos recentes”.
Os desafios são grandes. As experiências pessoais e administrativas servem para ajudar a iluminar o caminho e influenciar escolhas governamentais. A conta das teses sobre “responsabilidade fiscal” têm endereço identificável. E como explica Luís Eduardo Baptista, ao menos no Brasil as lutas pelo direito à saúde se convertem em dimensões da luta antirracista.
“A PNSIPN se propõe a enfrentar o racismo, como se pode ver até em respostas de gestores ao justificar a não implementação da política, reveladoras do racismo estrutural. E mesmo os que implementam assumem que movimentos sociais e culturais fazem pressão para isso. Mas só 500 municípios implantaram a PNSIPN”, finalizou.
Acesse a matéria de Gabriel Brito publicada originalmente no portal Outra Saúde.