Nota de conjuntura da FIPE: ótimo crescimento econômico brasileiro em 2007

“Democracia, Sociedade e Sustentabilidade: contribuição para uma teoria da revolução democrática” foi a apresentação do Ministro da Justiça Tarso Genro em um painel do qual participou em Lisboa, Portugal, em 11 de janeiro de 2008, sobre o tema Desenvolvimento e Ambiente.

Democracia, Sociedade e Sustentabilidade: contribuição para uma teoria da revolução democrática

Por Tarso Genro (*)

I) A questão do sociometabolismo e a centralidade do presente

1. Ao contrário do que previam as leituras economicistas de Marx, favorecidas pela lacuna marxiana a respeito de uma teoria acabada do Direito e do Estado e da especificidade da política, o capitalismo não engendrou nem objetivamente as condições da revolução socialista, nem criou condições espirituais e morais para que a revolução fosse um resultado específico das lutas políticas da modernidade.

2. Considerando que não é a instituição do Estado, mas o processo do trabalho -“em sua contínua dependência estrutural do capital”- que sustenta a reprodução teoricamente infinita do capitalismo[1], Mèzaros indica o sociometabolismo “natural” do capitalismo como uma “cláusula pétrea” da reprodução do capital, independentemente das revoluções sociais que ocorram contra ele.

O desenvolvimento histórico do capitalismo, nesta perspectiva, conteria uma legalidade germinal que realimentaria de forma contínua o processo de reprodução do capital. O autor aponta a ruptura deste sociometabolismo – da “naturalização” da sua reprodução – como o ato fundador da possibilidade de uma nova ordem econômica humanizada que abriria uma nova alternativa histórico-universal.

3. Se partirmos da existência objetiva deste sociometabolismo, que imprime e reproduz capital e capitalismo tal qual ele é em cada presente – e que torna os humanos sujeitos aparentes – a “práxis” da revolução democrática deve conceber a política da emancipação como o processo de criação de um sociometabolismo da sustentabilidade e do aprofundamento da democracia: programa, gestão técnica, relações de solidariedade no mercado, organização de consumidores, empresas de todos os portes que precisam manter o capital natural para o seu próprio sucesso, coletivos de controle ambiental, estruturas de participação na gestão do Estado, vanguardas culturais de cidadãos autoemancipados, partidos socialistas e radical-democráticos, redes de empresas de cooperação que sejam capazes de “furos” na lógica do mercado e cuja atividade econômica venha conectada com um “novo modo de vida”, que não é “alternativo” ou autosegregado: é a “centralidade ontológica do presente” (Lukács).

4. A democracia política, em maior ou menor grau, se não é integrante essencial daquele sociometabolismo do capital, integra grande parte da sua racionalidade. Não somente para amortecer os choques sociais, através de um ritual que exige “sujeitos formalmente iguais” para trocar, mas também para processar a repartição do produto social, no curso da construção de novos direitos.

A democracia política, não a revolução socialista, foi até agora a possibilidade real do capitalismo, precisamente porque ela também integra aquele sociometabolismo, que nenhuma revolução rompeu. Convém notar que as próprias tentativas de ruptura deste sociometabolismo, sempre se deram também contra a democracia, sob a alegação que a democracia “burguesa” era produto e sustentáculo do capital.

5. O desafio da esquerda contemporânea é romper com este sociometabolismo, dentro da democracia e com mais democracia, respeito aos direitos humanos, previsibilidade, capacidade de produzir concertações e regular conflitos dentro do Estado de Direito.

Não aceitar, como faz a esquerda ortodoxa e o “comunismo histórico”, a visão de que a Democracia e a República só podem superar as suas negatividades numa “sociedade inteiramente outra”. Hoje, isso seria render-se ao fato de que a insegurança e a desigualdade cotidiana não podem ser superadas no presente.

A busca de um sentido de vida cada vez menos alienado, mais seguro, mais livre, mais autodeterminado, mais solidário e aberto a indeterminações desafiantes, é a fonte da revolução democrática.

É uma luta que se dá em todos os terrenos: nos movimentos sociais, nas lutas de partido e por reformas institucionais, no terreno da organização da economia, na produção de uma nova teoria das empresas e na organização interna da empresa e do sistema financeiro; nas articulações globais do comércio mundial e na produção de novas tecnologias; na elaboração de técnicas de participação política e na gestão inovadora da administração pública.

É uma luta longa, cumulativa e hegemônica, que abre um novo ciclo histórico e reconstrói a democracia em seus fundamentos. Para despertar confiança, porém, ela deve tornar-se visível agora e já no cotidiano deve combinar-se com a manutenção das condições de existência e reprodução da humanidade: é a centralidade ontológica do presente projetada na solidariedade consciente com a humanidade futura.

6. Trata-se, na verdade, da formação de um “novo bloco histórico”[2], concebido por Gramsci como a totalidade resultante de duas esferas essenciais, a sociedade política e a sociedade civil, incluindo a base material-produtiva. A partir disto é que, em cada período histórico, os homens engendram as condições políticas, jurídicas e morais, que “soldam” as suas relações institucionais e econômicas.

Há que considerar, porém, duas especificidades decisivas, no atual período de declínio da ética do trabalho, oriunda das duas revoluções industriais:

a) a primeira é a justaposição de controles sociais e culturais voltados para a promoção do consumo artificial – artificialmente necessário – que impede a formação de uma consciência emancipatória de natureza “classista” e faz emergir identidades ideológicas fortes na ponta do consumo;

b) a segunda é a radicalidade das mudanças<