Nota pública do movimento da reforma sanitária
Recife, 24 de julho de 2013
Reunidas durante a 65º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, as entidades abaixo assinadas, defensoras da Reforma Sanitária Brasileira, analisaram a conjuntura política da área da saúde e aprovaram o seguinte posicionamento:
1) As manifestações populares que se espalharam por todo o país, desde junho passado, expressam a exigência de cidadania real (e não apenas formal), com a garantia de direitos sociais, como educação, saúde e transporte públicos e o respeito dos representantes eleitos à vontade dos eleitores. Com essas manifestações, o Brasil mudou e ficou impossível se fazer qualquer previsão acurada dos rumos da situação nacional. Provavelmente, as lideranças ou os grupos políticos que não perceberem isso serão atropelados pela História.
2) Esse movimento repôs o Sistema Único da Saúde (SUS) na agenda política do país. Criado há 25 anos, no bojo da Constituição cidadã, o SUS nunca encontrou uma conjuntura favorável, nem governos decididos à viabilizar sua implantação. A insatisfação com o SUS que existe de fato, distante da definição constitucional do direito à saúde e do dever do Estado, está na pauta da atual revolta popular, que reivindica, claramente, um sistema de saúde público e de qualidade, financiado adequadamente. O Movimento Saúde + 10, iniciado há mais de ano, ganhou fôlego e acelerou a coleta de assinaturas a favor do projeto de lei que garante 10%, no mínimo, das receitas brutas da União para a saúde, alcançando cerca de 2 milhões de adesões.
3) A frágil resposta do governo frustrou o movimento da reforma sanitária, pois, no lugar de anunciar medidas definitivas para promover mudanças no SUS, focou essencialmente no problema da falta de médicos. Para que o Brasil tenha um sistema de saúde de boa qualidade, é necessário pôr em prática os princípios do SUS – universalidade, igualdade e integralidade. Além de mais médicos, o SUS precisa de:
(a) mais recursos, com fluxo estável de financiamento;
(b) fim da mercantilização e da privatização, que não apenas desviam recursos do setor público para o privado, como representam serviços caros, de baixa qualidade e com inúmeras restrições de acesso e cobertura;
(c) carreiras de Estado para os profissionais de saúde, em regime de dedicação exclusiva, inicialmente para a atenção básica, com condições de trabalho adequadas e educação permanente, assim como políticas para a formação de profissionais tecnicamente competentes, socialmente comprometidos e eticamente responsáveis.
4) A necessidade de mais profissionais bem distribuídos geograficamente, inclusive médicos generalistas e especialistas, é real e premente. Apesar de tomada sem discussão prévia com a sociedade civil, incluindo o Conselho Nacional de Saúde, a decisão do governo federal de enfrentar o problema da má distribuição e da escassez de profissionais de saúde é um importante passo adiante. No entanto, as proposições apresentadas para a contratação imediata de médicos, na melhor das hipóteses, poderão apenas atenuar provisoriamente os problemas. A convocação de profissionais-bolsistas não é uma estratégia eficaz de fixação de profissionais e seu caráter inerentemente contingencial não deve adiar as tarefas de estabelecer carreiras para o SUS. Tampouco a expansão de vagas para o curso de medicina por meio da criação de faculdades privadas de medicina, ainda que com base municipal, viabiliza a formação de profissionais e equipes de saúde para o SUS. Mais efetivas, nesse sentido, seriam a multiplicação de campi e o aumento de vagas nas Universidades públicas.
5) O verdadeiro pacto pela saúde foi estabelecido pela Constituição brasileira. O Programa Mais Médicos não é um pacto pela saúde, mas convoca a todos para o debate de propostas que permitam avançar o SUS. Nesse sentido, a medida anunciada de aproximar estudantes e residentes da Atenção Primária à Saúde (APS) é muito positiva, bem como as mudanças na formação de estudantes da área de saúde com número de vagas definido para a APS e os serviços de urgência e emergência do SUS. Nesse mesmo sentido, a ampliação planejada de vagas para as carreiras estratégicas para o SUS nas Universidades públicas, comprometidas com o apoio à fixação de profissionais em regiões periféricas e remotas poderá contribuir para orientar a formação e a inserção de profisisonais de acordo com as necessidades de saúde das populações. A residência médica obrigatória para o exercício da medicina do âmbito do SUS é uma alternativa mais interessante do que a acréscimo de dois anos ao período de graduação. É preciso ainda que as vagas de residência sejam distribuidas conforme as necessidades do sistema de saúde e que um mínimo de 40% delas sejam em Medicina de Família e Comunidade, medida que é adotada em todos os países com sistemas universais de saúde de qualidade. O Programa Mais Médicos, portanto, é uma iniciativa que contribui para o debate sobre o “Mais SUS”, sendo uma agenda que deve ser seguida de outras iniciativas estruturantes, que enfrentem as debilidades das atuais formações profissionais, assim como as distorções de um mercado de trabalho conformado pelo fetiche das tecnologias e pela força econômica do setor privado de serviços de saúde e dos produtores e fornecedores de equipamentos e insumos.
6) A implantação dessas medidas – mesmo as emergenciais – é complexa e impõe disposição e capacidade de diálogo. As entidades signatárias dessa nota se colocam à disposição e conclamam os governos e as entidades médicas ao entendimento. A melhoria da atenção à saúde, mais do que nunca, depende disso.
Associação Brasileira de Economia da Saúde – Abres
Associação Brasileira de Enfermagem – ABEn
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Associação do Ministério Público em Defesa da Saúde – Ampasa
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes
Rede Unida
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC