NT n° 59 do IPEA: Evitando a Pandemia da Pobreza: Possibilidades Para o Programa Bolsa Família e Para o Cadastro único em resposta à Covid-19

por Luís Henrique Paiva, Pedro H. G. Ferreira de Souza, Letícia Bartholo e Sergei Soares

Em consequência da pandemia gerada pela Covid-19, o Ministério da Economia anunciou medidas para atenuar os prejuízos do desaquecimento econômico para grupos vulneráveis que incluem, entre outros, famílias de baixa renda registradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único).

São basicamente duas as ações anunciadas que fazem referência a essa base de dados:

  1. a ampliação dos limites de pagamento do Programa Bolsa Família (PBF), de modo a se reduzir sua fila de espera, hoje estimada em 1,7 milhão de famílias;
  2. a distribuição de vouchers a trabalhadores informais ou autônomos que estejam dentro dos critérios de renda utilizados pelo Cadastro Único.

A partir desses anúncios, o Ministério da Economia solicitou ao Ipea a construção de cenários de intervenção para potencializar o uso do PBF e do Cadastro Único como mecanismos de redução dos prejuízos econômicos causados pela Covid-19 à população brasileira de baixa renda. É esse, portanto, o objetivo deste texto, que resume os resultados de 72 simulações com parâmetros distintos.

Antes de apresentarmos os cenários, três considerações essenciais. Primeiro, há precedente em nível local e internacional para o uso de programas de transferências como resposta para situações emergenciais e/ou humanitárias. O aluguel social no Rio de Janeiro, em 2011, e o benefício extraordinário pago aos moradores de Brumadinho, em 2019, são exemplos locais. Levantamento feito pelo economista Ugo Gentilini, do Banco Mundial, indica que 39 países já utilizam alguma forma de transferência de renda como parte das respostas à Covid-19, alcançando pobres, trabalhadores autônomos, idosos e também crianças.1 São países tão diferentes entre si quanto a Indonésia e o Peru, ou a China e a Dinamarca. Esse número cresce todos os dias. Se está funcionando nesses países, também funcionará no país que inventou as transferências condicionadas de renda.

Segundo, é preciso estar claro que as sugestões aqui efetuadas partem da estrutura e do modelo operacional vigentes para o PBF e o Cadastro Único. Isso implica que as sugestões abrangem mais de 30% da população brasileira cuja renda familiar mensal é inferior a ½ salário mínimo (SM) por pessoa (R$ 522,50). Em outros termos, transferências monetárias a trabalhadores informais ou autônomos acima desse critério de renda requererão outras bases de informação e não serão aqui examinadas ou sugeridas.

Terceiro, qualquer resposta à Covid-19 que consista no suporte financeiro às famílias pobres e de baixa renda deve considerar dificuldades institucionais e operacionais, pois de nada adianta uma boa resposta que poderá ser operacionalizada em três ou quatro meses, deixando as famílias mais pobres sem recursos durante o período mais difícil da crise. Este é o critério aqui adotado: todas as sugestões feitas são de operação viável neste período, e as propostas são apresentadas em ordem crescente de dificuldade institucional e operacional.

CRITÉRIOS E CENÁRIOS DE INTERVENÇÃO

Quatro tipos de medidas são aqui apresentados, sendo que três delas contêm mais de um cenário. Todas promovem o aumento da proteção monetária disponível às famílias pobres e a injeção de recursos na economia.

  1. Zerar a fila do PBF e postergar os processos de averiguação e revisão cadastral – esta é uma medida essencial, por dois motivos:
    • i) permite a proteção monetária de todas as famílias já cadastradas e que estão há meses à espera de ingressar no PBF; e ii) evita que as famílias se dirijam aos Centros de Referência em Assistência Social (Cras) para atualização de suas informações do Cadastro Único. Os centros de assistência social já enfrentarão uma pressão suficientemente grande ao longo da crise. Deve-se evitar a aglomeração de famílias do programa nesses centros, até mesmo pela situação sanitária que pode ser gerada.
  2. Reajustar a linha de elegibilidade e o valor dos benefícios do PBF – como não há nenhuma indexação no PBF, o valor real das linhas de elegibilidade e dos benefícios depende de reajustes discricionários que, grosso modo, não têm ocorrido com ritmo e intensidade suficientes para que se mantenha o poder de compra. A inflação acumulada desde o último reajuste, em 2018, já chega a quase 6%.
  3. Criar um benefício extraordinário por pelo menos seis meses para todas as famílias do PBF – o PBF cumpre um papel fun-damental de complementação da renda das famílias mais pobres no Brasil. No entanto, os impactos econômicos da pandemia de Covid-19 provavelmente comprometerão ainda mais a capacidade dessas famílias de obter rendimentos no mercado de trabalho. Nesse cenário, para reduzir o sofrimento dos mais pobres, as transferências do PBF teriam que se tornar temporariamente mais generosas. Há precedente para isso (em Brumadinho, no ano de 2019).
  4. Criar um benefício extraordinário por pelo menos seis meses para todas as famílias do Cadastro Único (beneficiárias ou não do PBF) com renda familiar per capita inferior a ½ SM – diante da necessidade de distanciamento social e de se evitarem aglomerações, a concessão de benefícios temporários para famílias vulneráveis é uma resposta preventiva mais racional do que simplesmente esperar que essas famílias caiam abaixo da linha de pobreza e tenham que se dirigir aos Cras para atualizar suas informações no Cadastro Único. Portanto, nesse cenário, consideramos que to-das as famílias com cadastro atualizado e renda per capita inferior a ½ SM – mesmo que não sejam beneficiárias do PBF – estão sob forte risco de se tornarem pobres e, por isso, fazem jus a um benefício extraordinário temporário. As famílias que já estão no programa receberiam tanto o benefício ordinário regular quanto o benefício extraordinário.

As simulações foram feitas com base nos dados do Cadastro Único de dezembro de 2018 (última extração do Cadastro que o Ipea detém) e da folha de pagamentos do PBF de janeiro de 2019. Ressalte-se, assim, que o cenário base é um pouco diferente do PBF atual.

Veja no arquivo abaixo as análises completas da NT do IPEA. A NT foi originalmente publicada no site do IPEA.


Anexos