O fator humano na crise ambiental
Desmatar, poluir a atmosfera, aumentar a temperatura, desregular o clima, migrar para aglomerados urbanos e transitar em alta velocidade pelo planeta não geram consequências para a própria espécie? Neste artigo, Najar Tubino debruça-se sobre dados da Organização Mundial de Saúde e de inúmeras pesquisas acadêmicas para mostrar como as transformações geradas pelo homem já geram efeitos dramáticos sobre ele mesmo.
Por Najar Tubino em Carta Maior
Não é uma discussão filosófica, sobre ecologia, envolvendo o ambiente, o próprio planeta, e uma de suas espécies. Trata-se das consequências da dominação da população humana sobre os ecossistemas responsáveis pela manutenção da vida. Indo direto ao ponto: desmatar, poluir a atmosfera, aumentar a temperatura, desregular o clima, migrar para aglomerados urbanos e transitar em alta velocidade pelo planeta não geram consequências para a própria espécie?
E mais: como anda o funcionamento dessa espécie, em pleno século XXI, com seus sete bilhões de habitantes, l% de ricos comandando os sistemas financeiro e cultural, e um modelo econômico suicida? Uma pergunta que está respondida na declaração do secretário-geral da Cruz Vermelha, Bekele Geleta: “Se a livre interação entre as forças de mercado produziram um resultado em que 15% da humanidade passam fome, enquanto 20% estão obesos, alguma coisa deu errada”.
Andei mergulhado durante 15 dias entre as estatísticas da Organização Pan-americana de Saúde e da Organização Mundial de Saúde. Consultei uma bibliografia razoável, incluindo algumas teses recentes de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade do Mato Grosso, da Universidade do Rio Grande do Norte, da Unicamp, o Plano Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, entre outras coisas.
A primeira questão fundamental está relacionada à saúde. Se a temperatura aumenta, isso significa alguma coisa para milhões de pessoas? Significa muito. As mudanças ocorridas no planeta com o crescimento populacional, mais de 50% das pessoas morando em cidades, com o desmatamento de extensas áreas, alteraram a situação de vários vetores que são intermediários na disseminação de doenças. Entre eles, várias espécies de mosquitos. O caso mais conhecido é o do Aedes Aegypti, que transmite a dengue e a febre amarela.
O Aedes era considerado erradicado no Brasil desde a década de 1950, quando houve um combate massivo, em razão da febre amarela que impactava as populações urbanas, principalmente do Rio de Janeiro. Ele voltou ao país, provavelmente pela fronteira amazônica, na década de 1980, e o primeiro surto foi registrado em 1984 em Roraima. Logo depois em Açu, no Rio Grande do Norte. Menos de 30 anos depois está presente em vários bairros de Porto Alegre e já provocou dois surtos em Ijuí e Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul.
Dengue se alastra
A Organização Mundial de Saúde confirma o registro de dois milhões de casos por ano em 100 países. No início de janeiro um surto na Ilha da Madeira, território português, havia contabilizado 2,1 mil casos. A previsão das autoridades sanitárias europeias é que a dengue alcance Portugal no próximo verão e se espalhe pelo sul da Europa, onde as temperaturas são mais altas. No Brasil, uma epidemia, novamente atingiu Campo Grande (MS), com mais de 20 mil casos. Se continuar dessa forma, a OMS calcula 50 milhões de casos nos próximos 30 anos, com uma média de 24 mil mortes. Atualmente, morrem entre cinco e seis mil pessoas por dengue, a maior parte por dengue hemorrágica, o tipo mais terrível da doença, ou por síndrome do choque.
A pesquisadora Rosires Magáli Bezerra de Barros, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fez uma tese de pós-graduação para o Centro de Ciências Humanas a respeito da dengue. Ela tem mais de 20 anos de atividades em saúde coletiva. A pesquisa envolve trabalho de campo em quatro bairros de Natal, cidade que passou por vários surtos de dengue desde a década de 1980, e tem um aparato de saúde pública destroçado, depois que uma apresentadora de televisão foi transformada em prefeita – afastada do cargo pela Justiça, por pagar contas pessoais com dinheiro público.
É um mal social
Um trecho do trabalho de Rosires: “A saúde está relacionada à sustentabilidade. A degradação ambiental e social, decorrente de um modelo econômico predatório e globalizado, contribui para a existência de condições inadequadas ou insuficientes, atingindo diretamente a qualidade da vida humana no planeta. Entre as causas dessa situação estão o crescimento sem precedentes da população humana, urbanização não planejada, aumento da temperatura global, da densidade e da distribuição dos mosquitos vetores, e a deterioração da infraestrutura de saúde”.
O lugar onde as pessoas vivem tem relação direta com as condições de saúde. Um bilhão de pessoas vivem em favelas, ou em cortiços, ou em habitações sem condições nenhuma de sobreviver. No Brasil, calcula-se entre 10 e 15% da população vivendo em favelas.
“A dengue é um mal social, que vai desde a ignorância pura e simples até a arrogância”, comenta Rosires Barros. É fato, pelas campanhas públicas, que os moradores precisam colaborar no combate à dengue, porque o mosquito coloca seus ovos em água limpa, em caixas d’água, tambores, bebedouros de animais domésticos. No campus da UFRN, os agentes de saúde encontraram focos em copos descartáveis de alunos e professores dentro do campus universitário. Em 147 residências visitadas mais de uma vez por equipes de saúde, com entrevistas com moradores, é surpreendentes que apenas 6,1% considerem os quintais como área de convivência e de lazer. Preferem a sala, a cozinha, o quarto com televisão.
Como comentou um agente de campo: as pessoas se preocupam com as fachadas das casas e esquecem os quintais. Também tem medo de informar os vizinhos que foi encontrado um foco na sua casa.
A pesquisadora Marta Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso, mostrou como algumas infecções voltaram a afligir as populações, como a tuberculose, a hepatite e a malária no Brasil. Na verdade são as mesmas do mundo.
E ela analisa muito bem esta questão: “Em um período recente, as mudanças sem precedentes no ambiente, o crescimento econômico, a crise social, o advento da aids estão contribuindo para a emergência de novas doenças e o reaparecimento de outras antigas. Embora os avanços da tecnologia médica pudessem controlar várias doenças infecciosas, algumas delas ressurgiram no mundo com novas identidades e com novos padrões de comportamento”.
Entre as muitas previsões otimistas e delirantes, estava a erradicação de doenças infecciosas como a tuberculose e a malária. Na Índia, os medicamentos que tratam da tuberculose não fazem mais efeito. Além disso, metade dos soropositivos em HIV perdem as defesas contra a bactéria que transmite a tuberculose e contraem a doença.
As doenças ressurgiram
Na década de 1970, o Brasil chegou a registrar 500 mil casos por ano de malária. Desmatamento intenso, construção das estradas internas na Amazônia, além de garimpos e projetos de mineração estão entre os fatores. Claro, a circulação de pessoas. A OMS considera que dois bilhões de pessoas tiveram contato com o vírus da hepatite B, e que existam pelo menos 325 milhões de portadores crônicos. No Brasil, são 130 casos a cada 100 mil habitantes.
A malária é transmitida por um protozoário, o Plasmodium, que vive no organismo do mosquito Anopheles. Marta Pignati também cita a cólera, que chegou às águas costeiras do Peru em 1991, provavelmente na água de lastro de um navio chinês, e o vibrião acabou se reproduzindo nas águas podres da baía, enriquecidas com nitrogênio e fósforo da matéria orgânica de esgoto não tratado. Entre 1991 e 1996, o Brasil registrou mais de 154 mil casos, principalmente na região Norte, a grande maioria, e no Nordeste. Nos últimos dois anos, mais de 10 mil pessoas morreram em consequência da cólera no Haiti.
“A rapidez nos meios de transporte leva portadores a várias áreas do mundo e, devido às condições encontradas nestes ambientes, há a possibilidade destes agentes espalharem-se rapidamente. Vetores, como os insetos, e portadores não humanos de doenças também foram introduzidos em áreas onde não existiam previamente”, explica a pesquisadora Marta Pignati.
Em 2012, dois bilhões e novecentos milhões de pessoas viajaram de avião pelo mundo. Este ano a previsão passa dos três bilhões. O aumento de temperatura também levou o mosquito Aedes Aegypti a alcançar o sul dos Estados Unidos, passando pelo México, a uma altitude de dois mil metros – antes era registrado em altitude de mil metros. O Aedes também é transmissor da febre amarela. No Brasil ainda não foi registrado nenhum caso de febre amarela urbana. Mas a febre amarela denominada silvestre tem aparecido em regiões periféricas, onde a mata foi derrubada e existem vilarejos e cidades pequenas.
Calazar o próximo perigo
Outra doença que está em processo de aclimatação em centros urbanos é a leishmaniose tegumentar, já sendo observada em algumas áreas do Vale da Ribeira (SP) e em Campinas. Existe ainda outra variante, que é a leishmaniose visceral, chamada de Calazar. Esta é mais grave porque está entrando em grandes centros urbanos. As duas são transmitidas por mosquitos, que também picam os cães, servem como fonte de alimentação e tornam a infectar os mosquitos. Em Montes Claros (MG), entre 2009 e 2011, foram registrados 2.472 casos de cães positivos em Calazar, o que definiu uma campanha do Programa Federal de Controle da Leishmaniose, colocando coleiras nos cachorros com um inseticida para combater o mosquito.
No Piauí foram registrados 823 casos em humanos, entre 2007 e 2010. No país são registrados entre 3,5 e 4 mil casos em humanos por ano, com 200 mortes. A Organização Mundial de Saúde confirma o registro de 500 mil casos no mundo em humanos, com 59 mil óbitos. Existem 12 milhões de pessoas infectadas. A doença provoca apatia, perda de peso, febre e anemia. O mosquito deposita seus ovos em locais ricos em matéria orgânica.
O peso ambiental
Um estudo da Organização Mundial da Saúde realizado em 2006 apontou que 24% das doenças em nível mundial e 23% das mortes prematuras são decorrentes de exposição a riscos ambientais evitáveis. Por exemplo: 94% das doenças diarreicas, 42% das doenças respiratórias e 42% dos casos de malária. Falta de água tratada e esgoto contribui em 88% na incidência de 1,5 milhão de mortes de crianças causadas por diarreias, no ano. Mais de um milhão morrem por infecções respiratórias agudas. Nos países em desenvolvimento, 18% do total de doenças e mortes prematuras estão relacionadas ao meio ambiente. Falta de água e saneamento responsáveis, por 7%, poluição atmosférica, 4%, doenças causadas por vetores contaminantes, 3%, poluição atmosférica urbana, 2%, e lixo agroindustrial, 1%.
Pequim, janeiro de 2013. A cidade está tomada pela fumaça. As pessoas usam máscara para conter a poluição, pior, as partículas microscópicas que penetram nos pulmões e entram na corrente sanguínea provocam doenças cardiovasculares e infecções agudas. Uma pesquisa do Greenpeace-Ásia, em conjunto com uma universidade chinesa, identificou 8,6 mil mortes prematuras em 2012, consequência da poluição atmosférica. No Brasil, os estudos apontam para 20 mil mortes por ano, quatro mil somente na cidade de São Paulo. A OMS diz que o recomendável é que circulem 20 microgramas por metro cúbico das partículas poluentes. Em algumas cidades o índice é 15 vezes maior. Em Pequim chegou a 25. Pequim parece Londres em 1952, quando uma inversão térmica concentrou a fuligem do carvão das usinas térmicas e das fábricas, matando quatro mil pessoas.
Planeta doente, população saudável
Até tratamos de doenças relacionadas diretamente ao ambiente ou às mudanças provocadas por ação antrópica, como dizem os cientistas. Mas a questão é a seguinte: poderíamos ter um planeta doente e populações saudáveis, com saúde exuberante, como os povos do rico norte europeu? Claro que não. Antes de qualquer palpite, a espécie humana é parte integrante do planeta, está inserida. Provoca ações, mas sofre reações. Não somente físicas, químicas ou biológicas. Mas mentais, psicológicas. A obesidade é uma prova disso. Modo de vida, a inatividade física, segundo a OMS, provoca a morte de quase dois milhões de pessoas por ano. É responsável por 22% dos casos de doenças isquêmicas do coração, por 10 a 16% dos casos de diabete e de câncer da mama, do cólon e do reto.
Para concluir: 17 milhões de pessoas morrem por doenças cardiovasculares anualmente no mundo. No Brasil, são 300 mil. Houve um congresso mundial de cardiologistas no Rio em novembro de 2012. A expectativa é que as mortes aumentem para 23 milhões em 2030. Eles anunciaram algumas medidas necessárias para conter o problema: reduzir 10% do sedentarismo, aumentar 25% do controle da pressão, limitar a ingestão de sal em cinco gramas por dia, reduzir em 30% o número de fumantes e em 10% o consumo excessivo de álcool, diminuir o consumo de gordura saturada em 15%, deter o aumento da obesidade em 20%. Isso tudo até 2025.
No mundo, um bilhão são dependentes de nicotina. Então, o modo de vida que inclui alimentação industrial, refrigerantes, a fórmula “amo muito tudo isso” ou “abra a felicidade” tem demonstrado que a mentira está colocando milhões de pessoas a caminho do cemitério. Para piorar, há o uso de agrotóxicos na produção de alimentos, que se transformam em resíduos venenosos e se disseminam pelo planeta. Como aponta a ONU, 500 milhões de pessoas estão expostas aos venenos. No Brasil, são quase 14 milhões.
Mais algumas estatísticas
Comparei mais algumas estatísticas do cotidiano das pessoas. O carro é o símbolo da modernidade e do poder da técnica. A essência do capitalismo é individual e suicida. O número da OMS é de 2009 – morreram 1,3 milhão por acidente de trânsito em 178 países. Esta é a década “da ação pela segurança no trânsito”, decretada pela ONU. Por que se continuar a expansão da frota, principalmente em países em desenvolvimento, os índices crescerão para 1,9 milhão em 2020 e 2,4 milhões em 2030.
O dado é significativo: 90% das mortes ocorreram em países com menos da metade dos veículos no mundo. No Brasil, em 2010, 66,6% das vítimas fatais eram pedestres, ciclistas e motoqueiros. Em 2000, o Brasil registrava 28.995 mortes no trânsito. Em 2010, 40.989. Os motoqueiros possuíam quatro milhões de motos em 2000, e morreram 3.910. Dez anos depois, com 16,5 milhões de motos, morreram 13.452. Talvez em 2015 as mortes no trânsito superem o número de homicídios no país. No planeta, um contingente entre 20 e 50 milhões sobrevive com traumatismo e feridas.
Por consumo excessivo de álcool, morrem entre 2,0 e 2,5 milhões de pessoas. No resumo da OMS: 4% das mortes no mundo tem álcool como causa. O consumo médio mundial é de 6,1 litros brutos. O Brasil está na média – 6,2 litros. Na Europa são 11 litros de álcool bruto. Li uma pesquisa sobre álcool na Europa. Eles consultam os entrevistados sobre o “consumo esporádico excessivo” (“binge drinking”), não é outra coisa senão um porre. Oitenta milhões de europeus, acima de 15 anos, mais de 1/5 da população adulta disse ter praticado “binge” pelo menos uma vez por semana. Isso foi antes da crise de 2008.
Drogas ilícitas
Parte da saúde mental humana também está ligada ao consumo de drogas ilícitas. Entre 149 e 272 milhões de pessoas consomem algum tipo, segundo a ONU. A primeira delas é a canabis, popular maconha. O número de consumidores varia de 125 a 203 milhões. Mas em segundo lugar estão as anfetaminas (metanfetamina e ecstasy), droga do mundo globalizado, da permanente ligação, ou do regime alimentar compulsório. O número de consumidores, entre 14 e 57 milhões. A maioria das anfetaminas é fabricada nos Estados Unidos, onde em 2009 foram fechados 10.600 laboratórios.
Terceira droga mais usada é a heroína, junto com o ópio, entre 12 e 14 milhões de usuários. A maior produção – 130 mil hectares de papoula – é do Afeganistão. É um mercado que rende 68 bilhões de dólares ao crime organizado, uma minúscula parte (440 milhões) ficou com os agricultores em 2009. A cocaína é a quarta mais consumida, cheirada ou fumada – o crack. A área plantada caiu nos últimos anos, mas é de 149 mil hectares – diminuiu na Colômbia, mas aumentou no Peru e na Bolívia. Os consumidores dos Estados Unidos estão no topo da lista, com 167 toneladas. Em segundo lugar, os europeus com 123 toneladas. É um mercado de US$ 85bilhões.