Open Health é tecnologia contra a saúde

O ministro da Saúde Marcelo Queiroga levantou a bandeira do chamado sistema Open Health, na qual o governo brasileiro compartilharia dados pessoas com operadoras de planos de saúde, o que “ampliaria a concorrência e diminuiria custos”. A realidade pode ser outra, com aumento de custo para alguns grupos populacionais e diminuir direitos à saúde. Artigo originalmente publicado em O Globo. Escrito por Matheus Zuliane Falcão, cebiano e Advogado e pesquisador do programa de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete, Advogada e coordenadora do programa de saúde do Idec, e Diogo Moyses, Coordenador do programa de direitos digitais do Idec.

Crédito: Carlos Muza / Unsplash

Os avanços na área de tecnologia da informação e comunicação podem melhorar a saúde das pessoas, e sua incorporação ao SUS deveria ser vista como dever do Estado. No entanto o Ministério da Saúde tem insistido em alternativas ineficazes e prejudiciais ao usuário, como aquela que vem sendo chamada de Open Health.

Nos termos defendidos pelo ministro Marcelo Queiroga, o Open Health é o compartilhamento maciço de dados pessoais dos brasileiros com operadoras de planos de saúde, que receberiam do Estado informações como gastos e perfil de saúde de cada um. Para seus defensores, que se inspiram no Open Banking, a medida possibilitaria às operadoras ofertar planos personalizados, ampliando a concorrência e diminuindo custos. Mas a realidade não poderia ser mais distinta.

As diferenças entre os dois setores são grandes. O bancário tem pouco mais de 600 empresas. O desafio de sua implementação foi grande e incluiu a padronização da linguagem usada por todos os agentes de mercado. No caso da saúde, apenas as operadoras médico-hospitalares são mais de 700. Sem contar clínicas, hospitais, farmácias e secretarias municipais e estaduais de Saúde. Para um ministério marcado por reiterados incidentes de segurança, que continuam sem resposta satisfatória, parece distante a perspectiva de unificar os sistemas desse imenso conjunto.

Além do desafio operacional, há preocupação legítima sobre o que farão as operadoras tendo acesso a essa imensa base de dados. Uma das hipóteses é a seleção de risco, prática proibida por lei que visa a privilegiar somente indivíduos jovens e saudáveis para ingressar em planos, a fim de diminuir os custos.

É recorrente no mercado a imposição de cobertura parcial temporária a partir de elementos como peso e altura, de onde se deduzem equivocadamente problemas de saúde. O potencial para driblar as limitações da lei e recusar novos consumidores com base em critérios pouco transparentes é muito maior.

Por fim, a ideia de ampliar a concorrência contraria a tendência da maioria dos países desenvolvidos, cujos sistemas de saúde têm financiamento centralizado, equivalentes ao SUS ou com seguros públicos extremamente regulados. Os Estados Unidos, das pouquíssimas exceções, têm o sistema mais caro do mundo e um dos piores desempenhos em saúde da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Com essa medida, ao contrário da tendência internacional, o Brasil optaria por fortalecer as operadoras, dividindo informações sensíveis da população e permitindo seu uso contra ela própria. Difícil pensar em forma pior de usar nossos dados de saúde.

Antes de repassar os dados ao setor privado, o ministério poderia se preocupar em garantir a segurança de suas bases e seu bom funcionamento para os gestores e usuários do SUS, mais barato e eficiente que a saúde suplementar, mas em crise devido à falta de recursos, ao descaso e à má gestão do Executivo federal.