Pela regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas

Em defesa de uma legislação baseada no interesse público e na garantia do direito à saúde

No último dia 13 de novembro, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 2.940/97, proibindo a veiculação de propaganda comercial de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação em qualquer horário. Pelo projeto, a publicidade de bebidas alcoólicas — atualmente veiculada apenas entre 21h e 6h — fica restrita a cartazes e painéis na parte interna dos locais de venda, sendo vedada ainda a participação de crianças nas peças. Trata-se de uma restrição muito próxima à que foi aprovada no ano 2000 para cigarros e produtos derivados do fumo.

O PL 2.940, que segue agora para aprovação em plenário, é de fundamental importância para a ampliação do debate em todo país acerca dos problemas da veiculação indiscriminada de publicidade e do incentivo ao consumo desenfreado de produtos que apresentam riscos à saúde. Ele representa, no entanto, um avanço parcial na luta que vem sendo travada há anos por movimentos da área de saúde e de defesa dos direitos da infância e da adolescência, ao não incluir, sob sua égide, a restrição à publicidade de cerveja, de vinhos e das chamadas “bebidas ice”. Isso porque a legislação brasileira considera como bebidas alcoólicas apenas aquelas com graduação acima de 13 graus na escala Gay Lussac.

O governo federal chegou a pedir urgência na tramitação do Projeto de Lei 2.733/08, cujo texto, produzido pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional Anti-Drogas, reduz para 0,5 grau Gay Lussac o teor para que uma bebida seja considerada alcoólica. O pedido de urgência, no entanto, foi retirado, e o PL segue à espera de votação.  O Movimento Propaganda Sem Bebida entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, em 2 de abril de 2008, um abaixo-assinado com aproximadamente 600 mil adesões, solicitando a aprovação desse Projeto de Lei.

Questionamos as razões pelas quais o governo retirou o pedido de urgência e os parlamentares não aproveitaram a oportunidade para ampliar a discussão e alterar também a definição de bebida alcoólica, incluindo em seu escopo bebidas de menor teor alcoólico. Tal medida se mostra fundamental num cenário em que o consumo de álcool vem crescendo ano a ano no país. Apesar de ser mais baixo que em outras nações, o consumo no Brasil se mostra associado a problemas sérios
de saúde pública e de ameaça do direito à vida e à segurança. Não fosse desta forma, o impacto da chamada Lei Seca não seria tamanho entre os brasileiros.

É importante afirmar também que, num mercado com espaço para crescimento, ao contrário de determinados países europeus e dos Estados Unidos, o potencial de impacto da publicidade no aumento do consumo é muito maior. Diversas pesquisas, realizadas fora ou dentro do país, comprovaram que a exposição à propaganda de bebidas aumenta o grau de consumo de álcool, sobretudo entre os jovens. Da mesma forma, a redução da exposição à publicidade de tais produtos impacta positivamente na diminuição do consumo concretizado.

Não fosse assim, os fabricantes de cerveja, grupos de comunicação e agências de publicidade não estariam desenvolvendo uma série de campanhas contra o projeto que redefine a graduação alcoólica e assim impede a veiculação de propagandas de cerveja a qualquer horário. O fazem, inclusive, distorcendo o conceito de liberdade de expressão e cunhando aquilo que chamam de “direito à liberdade de expressão comercial” ou “liberdade de expressão publicitária”.

O discurso publicitário, no entanto, não tem por objetivo simplesmente expressar idéias e opiniões, mas convencer o consumidor a adquirir um determinado produto. Neste sentido, embora lícito em princípio, o discurso publicitário muitas vezes vai muito além do caráter informativo e por isso tem sido regulado em diversos países. É importante não perder o foco. A restrição à publicidade de produtos alcoólicos não é um tema de liberdade de expressão, é um tema de saúde pública. A regulamentação da publicidade é legítima, mesmo quando contrastada com a liberdade de expressão. Fosse de outro modo a própria Constituição brasileira não estabeleceria, de forma explícita, limites à publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, como previsto no parágrafo quarto do artigo 220. Da mesma forma, vale lembrar que nações como
França e Noruega, entre outros países europeus sobre os quais não pesa qualquer questionamento quanto à solidez do Estado Democrático de Direito, têm adotado com êxito medidas idênticas àquelas que agora propõe o Projeto de Lei 2.733/08.

Neste sentido, as organizações e entidades abaixo assinadas reafirmam a importância da aprovação do PL 2.733/08 e da ampliação do debate nacional acerca da regulação da publicidade de bebidas alcoólicas, para que a população, de forma democrática, possa ser parte deste processo. O que buscamos ao defender a regulação da publicidade não é impedir seu exercício legítimo, mas definir parâmetros que estejam de acordo não apenas com os interesses comerciais das empresas envolvidas mas também com os valores e necessidades da sociedade brasileira.

Brasil, dezembro de 2008.

Assinam este manifesto:

ABONG – Associação Brasileira de ONGs (www.abong.org.br)
Agência de Notícias Infância Matraca (www.matraca.org.br)
ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância (www.andi.org.br)
Artigo 19 (www.article19.org)
CDHS – Centro de Direitos Humanos de Sapopemba
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço (www.cese.org.br)
CIPÓ – Comunicação Interativa (www.cipo.org.br)
Comunicação e Cultura (www.comcultura.org.br)
Doutores da Alegria (www.doutoresdaalegria.org.br)
Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor