A nova lei das ‘cobaias humanas’ aprovada pelo Congresso Nacional manda a ética e os escrúpulos às favas, afirma Heleno Corrêa

O Senado aprovou, nesta terça-feira (23), PL 6.007/2023 que cria regras para pesquisas com seres humanos e trata do controle de práticas clínicas por meio de comitês de ética em pesquisa (CEPs). O PL foi analisado em regime de urgência e agora segue para a sanção presidencial. O diretor do Cebes, Heleno Rodrigues Corrêa Filho escreveu sobre o projeto de lei. Para ele, o PL  mandou “às favas os argumentos éticos, às favas qualquer escrúpulo”. O texto foi inicialmente publicado no portal Viomundo. Heleno Rodrigues Corrêa Filho é médico epidemiologista, professor e pesquisador aposentado da Unicamp e voluntário da Escola Superior de Saúde da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde do Governo do DF (ESCS-FEPECS).

Na terça-feira, 23 de abril, o Senado Federal aprovou o projeto de lei 6007/2023, que dispõe sobre as pesquisas em seres humanos no Brasil.

É a nova lei das “cobaias humanas’’, que segue agora para sanção do Presidente da República.

A lei é ruim, o Congresso que a aprovou é ruim, e a conjuntura democrática para os direitos dos participantes de pesquisa também é ruim.

Por isso, aqui vão dois alertas.

AOS COLEGAS DA SAÚDE COLETIVA

O que aconteceu no Senado foi um “controle de danos” resultante dos inúmeros pedidos dos representantes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) e das organizações da sociedade, retirando vários elementos muito piores da redação final.

Provavelmente o Pleno do Conselho Nacional de Saúde (CNS) votará uma recomendação a ser levada à Ministra Nísia e ao Presidente da República sobre a nova lei das “cobaias humanas”.

Se o artigo 2º Inciso XXVI (vinte e seis) não for vetado, a Conep passará a ser subordinada a um Departamento do Ministério da Saúde (DECIT), eliminando todas as formas de controle social e procedimentos colegiados éticos não institucionais em todas as instâncias.

É que o projeto aprovado tem um enorme cavalo de Troia no artigo 2º Inciso XXVI, que diz o seguinte:

“XXVI – instância nacional de ética em pesquisa: colegiado interdisciplinar e independente, integrante do Ministério da Saúde, sob a coordenação da área técnica responsável pelo campo da ciência e tecnologia, de caráter normativo, consultivo, deliberativo e educativo, competente para proceder à regulação, à fiscalização e ao controle ético da pesquisa, com vistas a proteger a integridade e a dignidade dos participantes da pesquisa, e para contribuir para o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.

Também deve ser vetado o Artigo 31, que simplesmente coloca o fornecimento da medicação pós-estudo sob a discricionariedade do patrocinador e seu preposto – o investigador patrocinado.

À SOCIEDADE CIVIL

O segundo alerta é à sociedade em geral.

Até hoje, 26 de abril de 2024, o voluntário de pesquisa sorteado para ficar nos grupos controle, ou de comparação (não toma nada, o chamado placebo, ou toma tratamento considerado menos eficaz) era protegido por uma Portaria do Ministério da Saúde.

A norma estabelecia que esse participante voluntário tinha o direito de ser tratado pelo “patrocinador” da pesquisa durante o tempo que fosse necessário após o término do estudo.

Agora, com a aprovação do projeto de lei 6007/2023, isso não será mais um direito do paciente voluntário que participar de pesquisas com medicamentos novos, caros ou raros.

— Tomou tratamento velho ou placebo?! O problema é seu!

É a resposta que senadores, deputados e companhias farmacêuticas vão dar aos pacientes participantes de pesquisas com seres humanos que forem questioná-los.

— Vá para o SUS e exija o remédio novo! – senadores, deputados e companhias farmacêuticas ainda acrescentarão.

Onde está então a ética de ser voluntário de pesquisa para beneficiar a espécie humana?

Onde está a solidariedade à pessoa que aceita participar de uma pesquisa, confiando que o novo tratamento poderá salvar vidas, inclusive a sua própria, e depois não poderá tomar o novo remédio?

Resultado: quem pagará a conta para as companhias farmacêuticas desenvolverem novos tratamentos será o povo brasileiro.

Como?! Como as companhias farmacêuticas não têm mais a obrigação de fornecer o novo tratamento aos voluntários das suas pesquisas, esta despesa será levada para dentro do financiamento do SUS, causando as chamadas “judicializações”.

O Ministério Público, em consequência, vai obrigar o SUS a comprar emergencialmente os novos remédios, muito mais caros e com preço desregulado.

O SUS terá então de desviar dinheiro destinado a vacinas, remédios básicos, tratamentos, contratos de médicos e demais profissionais de saúde para custear a compra emergencial dos novos remédios, muito mais caros e com preço desregulado.

Segundo a nova Lei aprovada no Senado, o Congresso Brasileiro mandou “às favas os argumentos éticos, às favas qualquer escrúpulo”.

Veja o texto na íntegra também no portal Viomundo.