Primeiro Encontro Nacional do Cebes marca compromisso com a democracia e defesa da saúde

A missão histórica do Centro Brasileiro de Estudo de Saúde (Cebes) de defesa dos direitos sociais, da democracia e da saúde foi marcada neste primeiro dia (1 de dezembro) do seu Primeiro Encontro Nacional, em João Pessoa (PB). Veja no link as mesas na íntegra.

Um encontro marcado pela importância do debate e das ações em direção a um país verdadeiramente justo, inclusivo e democrático. A abertura do evento foi realizada pela professora Nesc (Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva) Tereza Mitsunaga Kulesza, do Núcleo Cebes – Paraíba, que apresentou um panorama da luta pela reforma sanitária e os demais processos que formaram grupos de enfrentamento e luta pela democracia da saúde no país.

O presidente do Cebes, Carlos Fidelis, deu as boas-vindas aos participantes e espectadores, já resgatando um tema essencial para tudo o que permeia o debate sobre saúde e democracia na atualidade. “Esse encontro foi pensado dentro de uma conjuntura que a gente vem enfrentando desde o governo anterior, da vitória que tivemos com Lula e das ameaças que o país vive”, disse. “A gente vive no mundo o avanço do neoliberalismo, da concentração de renda, da miséria e de crises de diversas ordens, como climáticas, de emprego, guerras, pandemia e hoje se fala em sindemias, que é a associação de várias pandemias”.

Fidelis destacou o processo de desmonte que vem ocorrendo com relação às conquistas de 1988. “Além disso, a gente percebe o avanço da extrema direita. A gente está vendo o que está acontecendo na Argentina, a gente está vendo as derrotas que temos sofrido no congresso”, pontuou.

O presidente destacou que este encontro nacional do Cebes foi pensado de maneira a somar forças de mobilização da sociedade em defesa da democracia de do projeto de país que queremos. “Estamos num esforço de criar núcleos, de aproximação e aprofundamento das relações com os movimentos sociais. A programação deste encontro foi toda pensada neste sentido”, lembrou Fidelis. “Sem a mobilização popular corremos o risco de uma derrota maior do que já experimentamos antes”.

O Cebes tem realizado mobilizações em diversas frentes para contribuir com debates, enfrentamentos e mobilizações necessárias para que a democracia e a garantia de direitos sejam princípios fundamentais no estado brasileiro. Este primeiro encontro é uma mostra do que vem sendo realizado e das possibilidades futuras, pois para o Cebes, o conceito de Arouca ainda vive. “Saúde não é simplesmente ausência de doenças, é muito mais que isso. É o bem-estar mental, social, político“.

Conjuntura e Desafios para a Esquerda Brasileira  

Uma das mesas do primeiro dia, Conjuntura e desafios para a esquerda brasileira contou com a presença do ex-presidente do PT, José Genoino, que se disse emocionado ao reencontrar antigos companheiros de luta. “Vim aqui por uma lealdade a algumas pessoas que me convidaram e também por uma lealdade à causa representada pelo Cebes”.

Para Genoíno, o Cebes tem papel fundamental no debate sobre constituição da saúde pública no Brasil. “Vocês abriram, naquela escuridão do final da ditadura militar para a transição, uma maneira de pensar a saúde pública por uma visão de sistema, uma visão de universalidade e democrática. Não é por acaso que um dos grandes avanços da constituinte foi exatamente a criação do SUS”.

O ex-deputado lembrou da luta de pessoas importantes do movimento sanitário como Davi Capistrano, Sérgio Arouca e tantos outros que estiveram na linha de frente da luta pela reforma sanitária.  

Durante sua fala, Genoíno fez alusão ao povo palestino, como homenagem e lembrança da importância desta questão para a esquerda em nível mundial. “Certos elementos da conjuntura política exigem que a esquerda entenda o que está em jogo. O que está em jogo é a crise da hegemonia do capitalismo neoliberal que se expressou no início do século XXI com a tese do fim da luta de classes e do mundo unipolar”.

Para Genoino, esta ideologia produziu um processo violento de apropriação do que é a razão de ser de um projeto emancipador e libertador. Para ele, o atual momento revela uma crise orgânica e sistêmica que se dá através da dominação burguesa. “Ela não quer apenas dominar com a mais valia e o lucro, a burguesia quer dominar corações e mentes para que os explorados pensem como ela”.

Ele explicou que o processo de avanço da extrema direita em todo o mundo radicalizou brutalmente as relações vividas no período recente. “A acumulação do capital não é mais a forma clássica pensada por Marx no século XVIII, é muito violento esse processo de acumulação. E nesta crise, principalmente a partir de 2008, essa superacumulação gerou um novo desenho na reestruturação capitalista”, declarou. “Não é por acaso que a relação capital e trabalho se radicaliza com a uberização, a terceirização e o processo de eliminação de direitos”.

Genoíno ainda falou da criação – gerada pela crise – de uma geopolítica de captura das matérias-primas e recursos naturais, cujo ápice, no Brasil aconteceu e acontece com o pré-sal, com a água, os minérios e proteínas animais e vegetais. “Esse processo produz uma crise social que a gente não via nem lendo a situação da classe operária no livro de Engels. Ela é tão violenta que produz de um lado a crise social, a crise no acesso aos serviços públicos, crise no próprio modelo de produção capitalista, e o capital se desloca para a acumulação financeira, área de serviços e área de distribuição”.

Pressão e desafios – Durante os apontamentos realizados por José Genoino no campo dos desafios a serem enfrentados pelas forças progressistas, ele lembrou a presença constante do risco que a saúde pública vive com relação à privatização. “As OSs (Organizações de Saúde) estão aí. Só não liquidaram o SUS por causa da covid. Veio a tragédia que demonstrou o SUS com a estratégia mais eficiente para combater a pandemia”.

Para ele, é necessário pensar em alianças estratégicas para o futuro. “Para derrotar a extrema direita, que é o nosso objetivo, temos que fazer alianças amplas, até aí tudo bem, mas se não fizermos alianças estratégicas para pensar o futuro, seremos impotentes”, apontou. “O programa da velha direita, dita civilizada e a direita truculenta tem unidade, e ele é privatização, teto de gastos, hegemonia do capital financeiro e monopólios. Isso é intocável”.

Genoino declarou que o dilema hoje é estabelecer o limite entre alianças permanentes e temporárias. “Derrotamos a barbárie, fizemos algo inimaginável nesse país. Chorei e me emocionei quando vi o Lula ganhar, mas se a gente olha para frente é desafio que não é brincadeira”. 

Entre os desafios está a quebra do superávit para que se tenha investimentos sociais em 2024. “Quando a esquerda se desgasta por não aplicar as políticas sociais, o que vem no lugar dela é a extrema direita. Está aí o caso da Argentina, do Equador e Chile. Então a esquerda é obrigada a ter uma política de rupturas”. 

Para Genoino este é o momento de a esquerda fazer pressão, tanto no congresso, quanto nas ruas para que as negociações estejam de acordo com os princípios sociais e não do mercado.

O historiador Jaldes Reis Menezes trouxe um panorama histórico e internacional para contextualizar a situação brasileira. “Há uma questão fundamental no campo da esquerda, que deve ser aprofundada que tem relação com o que aconteceu nas prévias da primeira guerra mundial, que é o que alguns autores chamam de questão nacional, a questão do anti-imperialismo, dos alinhamentos internacionais do Brasil”, declarou. 

Para Jaldes existem questões “de fundo”, tais como a questão energética e petrolífera, que dizem respeito à inserção do Brasil no mundo e perpassam inclusive ao governo atual. “Essas questões requisitam um debate qualificado, um debate que renove a esquerda. Porque a esquerda vai se renovar pelos temas fundamentais da situação brasileira”.

O historiador comparou a necessidade de aprofundamento de determinados debates com a importância do SUS. “O SUS não é uma política social pura e simplesmente, o SUS foi uma reforma, no melhor sentido da palavra. Por isso que está aí de pé e tem força popular. A gente viu a importância estratégica do SUS agora na crise sanitária”, comentou Jaldes. “O que conseguimos implementar na sociedade fica em permanência”.

Além da mesa com Genoíno, o 1o dia do evento contou com mesas sobre Bem Viver e a Democracia e Desigualdade, Violência e Exclusão Social: como conquistar uma cidadania de fato?, além do lançamento do livro do jornalista Bruno Paes Manso. Veja aqui a programação na íntegra.

Veja fotos do 1o dia do evento:

Assista o 1o dia do Encontro Nacional do Cebes: