Proposta do Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de acesso a dados de clientes de planos de saúde, é oportunista e inconstitucional

Nota do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde (GEPS) do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde (GPDES) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que o governo planeja criar o ‘Open Health’, que consistiria no compartilhamento de dados de pacientes entre planos de saúde visando “ampliar a concorrência no setor de saúde suplementar”

A proposta é oportunista

Não tem cabimento o ministro Queiroga tentar agradar o setor empresarial em plena nova onda da pandemia, em meio à falta de testes de covid na rede privada, escândalo de operadora acusada pela CPI do Senado Federal, e previsão de mais um aumento das mensalidades dos planos de saúde acima da inflação. O titular da pasta da Saúde, que deveria estar à frente da condução de respostas ao recrudescimento de casos de covid-19, registra, assim, mais um malogro de sua gestão.

A proposta tem claras intenções

Ao prever a circulação livre de dados dos pacientes entre as operadoras, a medida tem dois propósitos explícitos:

  1. permitir a seleção de risco, para que as empresas possam escolher aquelas pessoas que não tem nenhuma doença; e
  2. facilitar a venda de planos “customizados”, de menor cobertura, baseados no histórico passado do paciente, sem considerar a imprevisibilidade futura das necessidades de saúde das pessoas.

A proposta é inconstitucional e ilegal

O ‘Open Health’ do ministro Queiroga viola a Constituição Federal e fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A Constituição (artigo 5.º, inciso X) protege a privacidade dos cidadãos e cidadãs, assegurando que são invioláveis a intimidade e a vida privada.

Segundo a LGPD (Art. 11, § 5º) “é vedado às operadoras de planos privados de assistência à saúde o tratamento de dados de saúde para a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários”.

De acordo com a legislação, a permissão de uso de dados, com expresso consentimento prévio do paciente, pode ocorrer apenas para seu próprio benefício, “exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária”. Quanto aos dados compartilhados em prontuários eletrônicos e para fins de notificação sanitária de doenças, o sigilo e a confidencialidade estão também assegurados por Códigos de Ética médica e de profissionais.

Ou seja, jamais pode ocorrer o uso de dados sensíveis, como os de saúde individual, para fins comerciais e econômicos.

Já planos “customizados” , com coberturas reduzidas, ofertados a partir de dados de saúde individuais, são proibidos de comercialização pela Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98).

A proposta não compete ao Poder Executivo

A formulação e aprovação de novas legislações são atividades para representantes políticos, para o Poder Legislativo, e não para o Ministério da Saúde, que integra o Poder Executivo. A eventual edição de Medida Provisória, mencionada pelo ministro, será imediatamente contestada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

No lugar de atender interesses de empresários da saúde em ano de eleição, o ministro Marcelo Queiroga devia, no momento, é se ocupar com a vacinação de crianças e coordenar efetivamente os esforços para o controle da nova onda de covid que ameaça colapsar o sistema de saúde mais uma vez.


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