Quadro instável

Valor Econômico – 29/03/2012

A indústria brasileira de equipamentos médicos enfrenta um momento decisivo. Ao mesmo tempo em que consegue desenvolver produtos com tecnologia para disputar o mercado internacional e ampliar o volume de suas exportações, apesar do câmbio desfavorável, os fabricantes locais enfrentam cada vez mais a concorrência de empresas internacionais dentro do país, gerando elevados déficits na balança comercial do setor. “Estamos passando pelo momento mais crítico da nossa história”, aponta o presidente do Sindicato da Indústria de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Médicos e Hospitalares do Estado de São Paulo (Sinaemo), Ruy Baumer.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), as indústrias do setor no Brasil têm uma taxa média de 3,3% de investimento em pesquisa e desenvolvimento sobre o faturamento. Com base neste índice, em 2011 o valor investido pelas empresas em P&D ficou em torno de R$ 306 milhões. É uma taxa inferior em relação à dos países mais avançados no setor ou mesmo em relação à China – onde a maior empresa do setor investe entre 10% e 15% em P&D.

Mas o setor está entre os que mais investem em inovação no país, diz Paula Portugal, gerente internacional do Projeto Brazilian Health Devices, parceria da Abimo e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), órgão do governo federal. Os resultados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), referentes ao ano de 2008, apontam que os gastos da indústria brasileira de transformação em P&D ficaram, na média, em 2,6% do faturamento.

Segundo Baumer, um indicador de que a indústria nacional é competitiva é o fato de exportar para mais de cem países, liderados pelos Estados Unidos (com 24,4%), país sede das principais companhias do setor e com altos níveis de exigência na comercialização de produtos médicos. Argentina, Venezuela, México, Colômbia, Chile, Bélgica, Alemanha, Paraguai e Peru são outros países que aparecem na lista dos maiores compradores. Em contrapartida, os Estados Unidos também lideram o ranking das importações brasileiras do setor, com 32,2%.

Outro indicador do padrão de excelência tecnológica da indústria é o fato de o segmento de equipamentos médico-hospitalares – que exige investimentos constantes em atualização tecnológica – ter sido o que apresentou maior crescimento nas exportações em 2011. O aumento foi de 51%, enquanto o índice geral da indústria brasileira da saúde registrou expansão de 13%.

Entre os produtos mais vendidos no exterior estão instrumentos e aparelhos médicos, itens para cirurgia, osmose inversa, de eletrodiagnóstico e incubadora para bebês. Esse setor, composto por mais de 60 itens, exportou US$ 71,5 milhões em 2011.

Baumer lembra que, embora a indústria brasileira do setor disponha de tecnologia para competir com artigos importados na maioria dos produtos, há distorções que prejudicam a competitividade das companhias no país. O maior problema, segundo ele, é a isenção do Imposto de Importação dada a hospitais públicos e filantrópicos para a compra de produtos hospitalares do exterior, enquanto a indústria instalada no país tem elevada carga tributária. “O que o setor reivindica é isonomia com o produto importado, que tem isenção tributária, enquanto o fabricante nacional paga 46% de imposto”, afirma.

“O Brasil é o único país do mundo que dá incentivo ao produto médico importado ao invés do nacional”, diz Baumer, ao avaliar que a carga tributária deveria ser, ao menos, igual para os artigos fabricados no Brasil e os comprados no exterior. “No fim, é o governo que acaba pagando o procedimento realizado com o produto importado, isentando o hospital do custo do imposto”, diz o presidente do Sinaemo.

Ele destaca que, mesmo para disputar o fornecimento para hospitais e clínicas particulares que não têm isenção para importar, há outros fatores, que afetam o sistema produtivo brasileiro e prejudicam as indústrias locais, como o câmbio desfavorável e os altos custos de itens como a energia.

O setor aguarda um pacote de incentivos preparado pelo governo federal com o objetivo de estimular a produção no Brasil. A primeira parte do programa, que deve chegar em breve, tem como base estimular as compras governamentais para o Sistema Único de Saúde (SUS), o que iria de encontro às reivindicações da indústria. Já a segunda fase do programa é baseada em estímulos fiscais e deve ficar para o segundo semestre.

O governo, afirma o secretário de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, está adotando um pacote de medidas com o objetivo de fortalecer indústria nacional de medicamentos, insumos e equipamentos. O Programa de Investimento no Complexo Industrial da Saúde (Procis), lançado neste mês, vai alcançar R$ 2 bilhões até 2014, sendo R$ 1 bilhão do governo federal e R$ 1 bilhão em contrapartidas de governos estaduais.

O governo vai investir cerca de R$ 250 milhões em infraestrutura e qualificação de mão de obra em 18 laboratórios públicos – valor cinco vezes maior que a média de investimentos (R$ 42 milhões) nos últimos 12 anos. Entre 2000 e 2011, o investimento total do governo foi de R$ 512 milhões.

“O fortalecimento dos laboratórios públicos é essencial para a capacitação tecnológica e competitividade do país. Daí a importância de se investir em infraestrutura, capacitação da gestão e especialização da mão de obra dos laboratórios oficiais para que eles adotem as melhores práticas do mercado e ganhem um nível de qualidade internacional”, diz.

O programa também prevê ampliação nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), com transferência de tecnologia entre laboratórios privados e públicos. A previsão do Ministério é que deverão ser consolidadas nove PDPs neste ano. E que pelo menos 20 novas parcerias serão fechadas nos próximos quatro anos.

Essas parcerias abrangem a fabricação de produtos biológicos (para artrite reumatoide, doenças genéticas e oncológicos), medicamentos para as chamadas “doenças negligenciadas” (que geralmente atingem populações de países menos desenvolvidos e despertam menos interesse da indústria farmacêutica) e equipamentos, principalmente na área de órteses e próteses.

Neste ano, foi implantado o Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde – BNDES Profarma. O programa tem R$ 3 bilhões e vigência até julho. Uma de suas principais diretrizes é estimular a disseminação da atividade inovadora no complexo industrial da saúde.

Também há negociações do governo federal para nacionalização e transferência tecnológica de medicamentos e equipamentos para reduzir o déficit da balança comercial do setor. O Ministério da Saúde está em conversações com pelo menos cinco multinacionais entre elas a sueca Elekta, as americanas GE e Varian, a alemã Siemens e a holandesa Philips.

Mesmo com as dificuldades que identificam, as indústrias que operam no país têm números positivos para exibir. A expectativa é que 2011 tenha fechado com faturamento de R$ 9,3 bilhões, contra R$ 8,4 bilhões em 2011. Segundo a Secretaria do Comércio Exterior (Secex), enquanto as exportações do setor subiram 13% em 2011, as importações tiveram alta de 11%.