Saúde e infância: a EBBS e a construção da PNAISC – pesquisa avaliativa

A infância tem a peculiaridade de representar o futuro, e é por isso que preservar e cuidar dela deve fazer parte do projeto de desenvolvimento de uma nação. Entretanto, é oportuno perguntar: o que se entende por preservar e cuidar? Isoladamente, os serviços de saúde têm baixa potência para melhorar as oportunidades da infância. O que propicia o bem-estar das crianças e lhes garante o crescimento como cidadãos plenos de potencialidades e de direitos é um conjunto de ações, programas e políticas que dizem respeito à moradia, segurança alimentar, educação, lazer, segurança, transporte e saúde e que constituem necessidades humanas básicas.

 

O sucesso das políticas públicas de redução de miséria e pobreza, aliado à expansão da Rede de Atenção Básica, tem contribuído à melhoria das condições de saúde das crianças. Se o número de óbitos infantis de menores de 1 ano, por mil nascidos vivos, era 47,1 em 1990, ano do início da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS); em 2011, já havia decrescido para 15,3, e atualmente se situa abaixo de 15. Entretanto, persistem grandes desigualdades entre regiões, e crianças pobres correm mais risco de morrer, assim como as nascidas de mães negras e indígenas, que apresentam taxa de mortalidade maior do que as crianças ricas.

 

Essas grandes desigualdades apontam, antes de tudo, para condições socioeconômicas diferenciadas, mas também para deficiências na atenção à saúde que atingem principalmente os segmentos mais vulneráveis da população. Dessa forma, a despeito dos grandes avanços na implementação do SUS, evidenciam a necessidade urgente de melhorar a atenção à saúde ali prestada, tanto em termos quantitativos como qualitativos.

 

As deficiências não devem ser atribuídas à falta de vontade política do setor da saúde pública.

 

Há evidentes esforços do Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde e setores da sociedade civil para avançar e dar concretude aos princípios do SUS. Um dos tantos exemplos é a iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz, quando decidiram, em 2007, implementar uma estratégia, posteriormente denominada Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis (EBBS), com o objetivo maior de contribuir para a formulação e para a implantação de uma política de cobertura nacional voltada à atenção integral à saúde da criança, considerando fundamentalmente o artigo 227 da Constituição Federal, que dedica à criança brasileira prioridade em todas as ações de cuidado.

 

Quase sempre é o subfinanciamento do SUS que é considerado o maior obstáculo ao avanço desse sistema. Entretanto, o que subjaz ao subfinanciamento é a grande hierarquização da sociedade brasileira. Esta faz com que o SUS não seja assumido como ‘o Sistema Nacional de Saúde do Brasil’ e que tanto as elites brasileiras, a classe ‘média’ brasileira e os trabalhadores sindicalizados prefiram manter uma atenção diferenciada por meio de planos privados de saúde, negando na prática a saúde como direito de todos e dever do Estado.

 

Nesse contexto, os esforços de assegurar um financiamento adequado para o SUS encontram resistências. Expressão disso é o programa Uma Ponte para o Futuro lançado pelo PMDB em outubro de 2015. Inicia com a seguinte afirmação: “Este programa destina-se a preservar a economia brasileira e tornar viável seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos” (PMDB, 2015, p. 2). Contudo, apresenta como única proposta concreta:

 

[…] é necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e educação, [argumentando], em razão do receio que o Estado pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade, porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada. (PMDB, 2015, P. 9).

 

Da mesma forma, é significativa a reação da ‘Folha de São Paulo’ à aprovação da PEC 01/2015 em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, denunciando-a como “uma demonstração eloquente dessa atitude irresponsável [de agravar o problema de dívida pública]” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2016). Vale lembrar que a PEC 01/2015 em consonância com o Projeto de Iniciativa Popular PLC 312/2013, que resultou da mobilização Saúde + 10, estabelece um gradual aumento de gastos com saúde.

 

Entretanto, o crescimento do desemprego e a redução da renda familiar deverão ampliar o número de pessoas que em substituição de serviços de saúde privados financiados por planos de saúde procurarão os serviços de saúde do SUS. Essas irão confrontar-se com todas as deficiências do SUS, mas também com suas virtudes, à medida que o SUS procure tratar de ‘Saúde’ e assegurar acesso universal e equitativo. Essa ‘descoberta’, em uma perspectiva mais otimista, poderá fortalecer a persistente luta dos movimentos sociais pelo avanço da democracia e pela manutenção dos direitos sociais consagrados pela Constituição Federal, promovendo também novas formas de solidariedade e pertencimento social em amplos setores da população.

 

Considerando o cenário acima descrito, balizados por marcos referenciais nacionais e internacionais que apontam para a construção democrática de uma consciência em saúde como fundamental para sua produção e entendendo que os padrões saudáveis para a vida são construídos desde os seus primórdios, com uma primeira infância favorecedora do desenvolvimento infantil pleno, caminhamos decididamente, por meio da EBBS, com a construção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC).

 

É fundamental destacar nessa iniciativa exitosa entre a Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz um aspecto ousado e inovador não só na formulação da política, na metodologia participativa de sua construção, pautada no respeito ao coletivo de agentes que com ela se relacionam, fortalecendo o pacto interfederativo para sua consolidação, como também no seu conteúdo, permeado por princípios humanizadores notáveis, entre eles o do ambiente facilitador à vida, criado e desenvolvido com tanta expectativa pela EBBS.

 

Aos leitores, sugerimos apreciá-lo em cada um dos artigos aqui apresentados como uma inovação relacional de cunho transformador presente tanto nas ações de formação quanto naquelas de atenção e gestão, embebendo esta política social da generosidade e do cuidado fundamentais à produção de saúde com cidadania plena.

 

Uma construção que almeja uma sociedade saudável, um mundo saudável, que o terceiro milênio traz como desafio para tornarmos encarnado o cuidado essencial entre os habitantes deste planeta. Queremos, assim, estimular a curiosidade dos leitores a buscar um exercício de aproximação entre esta iniciativa — seus conteúdos teóricos e conceituais, seu modo de fazer e os resultados já obtidos, além daqueles que se queira projetar — e o recente documento divulgado pelas Nações Unidas, com a Agenda 2030. Esta apresenta os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) voltados para as crianças e suas redes de cuidadores, incluindo os adolescentes, não contemplados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), analisando o que será preciso para que os países e, claro, o nosso Brasil possam alcançá-los.

 

Boa leitura!

 

Cornelis Johannes van Stralen
Presidente do Cebes

 

Liliane Mendes Penello
Coordenadora da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis

 

Referências
PARTIDO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB). Uma ponte para o futuro. [Internet]. 2015. 19 p. Disponível em: <http://pmdb.org.br/wpcontent/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2016.

DESVARIO [Editorial]. Folha de São Paulo. [Internet]. São Paulo, 28 mar. 2016. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/opiniao/2016/03/1754584-desvario.shtml>. Acesso em: 28 mar. 2016.