Saúde em Debate v. 46, n. 132

EDITORIAL

Reafirmar o direito à saúde, defender o SUS e construir justiça social: Tese do Cebes 2021-2022

Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato1,2, Maria Lucia Frizon Rizzotto1,3, Ana Maria Costa1,4

  1. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
  2. Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói (RJ), Brasil.
  3. Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Cascavel (PR), Brasil.
  4. Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs) – Brasília (DF), Brasil.

SEGUINDO SUA MISSÃO DE AMPLIAR O CONHECIMENTO e o pensamento crítico em saúde e dar voz às inúmeras demandas sociais e de saúde dos brasileiros, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) realizou, nos dias 9 e 10 de dezembro de 2021, seu VIII Simpósio1, orientado pelo tema Reforma Sanitária em Tempos de Fascismo e Neoliberalismo. Como é prática desde 2009, quando foi realizado o I Simpósio Cebes de Políticas de Saúde, no processo de refundação do Cebes, os simpósios bianuais visam analisar e discutir a conjuntura setorial, social e política, definindo as diretrizes e orientações para a ação das diretorias, núcleos e demais instancias da entidade.

O VIII Simpósio foi uma oportunidade de debate entre associados do Cebes com especialistas e lideranças do movimento social. Em um primeiro momento, o debate contou com a presença de João Pedro Stédile, do Movimento Sem Terra (MST), e da professora Sonia Fleury, que trataram da conjuntura nacional e internacional caracterizando as evidências explicitadas pela crise sanitária da pandemia da Covid-19 e a profunda crise do capitalismo, acarretando consequências dramáticas para a saúde. Destacou-se a tragédia do governo Bolsonaro na condução do País e no enfrentamento da pandemia como parte de um projeto de radicalização do liberalismo com franca aliança com o mercado e redirecionamento do papel do Estado, que se retira das atribuições de proteção da população. Esse desmonte do projeto de país praticado no Brasil sufoca e constrange a democracia por diversos mecanismos, especialmente reconhecível no seu viés autoritário e apoio nas forças armadas. A conjuntura e os desafios setoriais foram debatidos por dois convidados e integrantes do Cebes, Jairnilson Silva Paim e Ligia Bahia, que analisaram o setor da saúde nacional, os desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) e as características e relações que vêm orientando o setor privado. Essa reflexão aponta o desmonte de políticas de saúde bem-sucedidas e a valorização intensa e crescente do setor privado, confirmando o processo de financeirização do setor, especialmente a assistência, com graves consequências para o direito e acesso universal à saúde. Reafirmando a tese do Cebes sobre a importância da organização e mobilização política para o enfrentamento do desmonte do direito à saúde, esse debate identifica e valoriza o vigor dos movimentos sociais na defesa da democracia e da saúde que tem crescido e diversificado, apesar de restrições de toda ordem¹ que vêm sendo impostas.

Celebrando a participação de mais de 300 pessoas, o Cebes avalia que o VIII Simpósio confirma a relevância, a necessidade e a atualidade da luta pela reforma sanitária, reafirmando a exigência de que ela seja o norte das proposições e da luta do campo democrático para a saúde.

Nesse sentido, muito se debateu sobre o ano eleitoral e a premência da pauta do direito à saúde entre nas plataformas dos candidatos, tanto à presidência quanto aos governos estaduais, deputados e senadores. Esta será a tarefa central dos cebianos em 2022: discutir com candidatos progressistas a defesa do direito à saúde no seu sentido ampliado e a ampliação do SUS público.

Para isso que o Cebes construiu e publicou sua Tese 2021-20222, discutida e consensuada entre cebianos ao longo do ano e aprovada na sua Assembleia geral em 10 de dezembro de 2021. As teses do Cebes consolidam e expressam os debates sobre a conjuntura internacional e nacional e evidenciam o contexto como a saúde e o SUS são afetados. Para sua elaboração, contou com a contribuição de diversos encontros denominados ‘Cebes Debate’, realizados ao longo do ano, com a participação de lideranças e especialistas nos mais diversos temas atinentes à saúde e à democracia. Esse processo que foi coroado no VIII Simpósio atualiza e sistematiza conclusões que consolidam os princípios e as estratégias para a ação do conjunto da entidade nos próximos anos.

Sob o lema que fundou o Cebes, SAÚDE É DEMOCRACIA, DEMOCRACIA É SAÚDE, a tese discute o padrão global vigente de universalização do mal-estar, com o agravamento das desigualdades e com o aumento exponencial da fome e da miséria, demonstrando a incapacidade do capitalismo, cada vez mais financeirizado e concentrado, de prover segurança e bem-estar às populações. Destaca a necessidade de ampliação da participação e organização popular para a construção de alternativas democráticas voltadas, de fato, às maiorias. No caso brasileiro, a tese destaca o padrão excludente de nossa história, que retorna, hoje, com força, no projeto neoliberal e autoritário de nossas elites, sem compromisso com os interesses nacionais. O SUS não escapa a esse modelo concentrador, lidando cotidianamente com as tentativas de restringi-lo, fragilizá-lo, para favorecer interesses privados, à custa dos recursos e da saúde dos brasileiros.

A Tese² enfatiza os princípios e diretrizes da luta do Cebes.

Princípios irrevogáveis do Cebes

  • Defender o direito universal à saúde e a justiça social.
  • Defender intransigentemente a democracia com ampliação da consciência crítica por direitos, combatendo e revertendo as tendências destrutivas do capitalismo.
  • Manifestar-se firmemente contra todas as guerras, contra a indústria bélica e contra a liberdade de porte de arma.
  • Lutar contra o fascismo e todas as formas de intolerância.
  • Repudiar e denunciar todas as formas de violência, incluindo a pena de morte, a violência urbana, doméstica, de gênero, institucional e em saúde.
  • Defender o pluralismo social, denunciando e repudiando o patriarcado, a homofobia, a lesbofobia, a transfobia e o racismo.
  • Defender a descriminalização das drogas.
  • Defender a legalização do aborto e os direitos sexuais e reprodutivos.

Bases e princípios da luta do Cebes por Democracia e Saúde no Brasil

  • Defender o sistema de saúde para todos os brasileiros 100% público, integral, de qualidade, com prestadores estatais e sem incentivo ou subvenção à prática privada.
  • Lutar contra a expansão do setor privado da saúde.
  • Difundir e divulgar para a sociedade as limitações dos planos privados ante o sistema público.
  • Defender a eliminação de novos contratos do SUS com o setor privado e revisar os atuais.
  • Defender a extinção de subsídios, isenções fiscais e perdão de multas para o setor privado.
  • Defender a extinção de processos de privatizações e terceirizações na saúde.
  • Lutar por financiamento justo e adequado para a saúde e o SUS, com destaque para o papel da União.
  • Defender que os fóruns de decisão de Conselhos, Diretorias, Diretorias Colegiadas e órgãos deliberativos de todas as Agências de Estado (Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e de outras agências) sejam paritários, com 50% de votos e participação dos usuários de cada setor regulado.
  • Apoiar o fortalecimento da participação popular para a construção da democracia popular na saúde.
  • Democratizar os Conselhos estaduais, municipais e locais de saúde e torná-los deliberativos.
  • Defender uma política nacional da força de trabalho em saúde.
  • Defender Planos de Cargos e Salários para os profissionais de saúde.
  • Defender o modelo de atenção que supere a perspectiva médico-privatista e que se baseie no cuidado humano e nos princípios da universalidade, igualdade, integralidade e autonomia.
  • Apoiar os ajustes na formação acadêmica dos profissionais de saúde, aproximando-os das necessidades do SUS.
  • Lutar pela devolução do poder de administrar, planejar e executar a atenção à saúde em rede ao Ministério da Saúde, com destaque para a atenção primária, com a extinção da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps).
  • Defender a democratização da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS) e a participação social no Comitê Gestor da Estratégia de Saúde Digital.
  • Promover diálogos entre as entidades acadêmicas, sindicais, partidos e movimentos sociais, retomando a luta por seguridade social, políticas universalistas e de saúde.
  • Lutar pela revogação das contrarreformas e retrocessos aos direitos sociais, em especial o teto de gastos (EC-95).
  • Defender uma reforma fiscal que redistribua a carga tributária, como impostos, taxas e contribuições sociais, diminuindo os impostos sobre os mais pobres e sobre a classe média, como os impostos sobre consumo, e aumentando os impostos sobre os mais ricos.
  • Contribuir para eleger representantes para o Executivo e o Legislativo do campo democrático popular, privilegiando os interesses da população e a plena democracia.

Com esses princípios e diretrizes, os cebianos irão à luta em 2022 para mudar o governo e instituir um novo projeto de País: soberano, democrático, justo e solidário para todos os brasileiros.

Referências

  1. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Em seu VIII Simpósio, Cebes reforça a defesa intransigente do direito à saúde. In: VIII Simpósio do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde; 2021 dez 9-10; [on–line]. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. [acesso em 2022 jan 10]. Disponível em: https://cebes.org.br/em-seu-viii-simposio-cebes–reforca-a-defesa-intransigente-do-direito-a-saude/27752/.
  1. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Tese 2021-2022. Por um mundo multilateral: por nova hegemonia geopolítica global, civilização x barbárie. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde; 2021. [acesso em 2022 jan 10]. Disponível em: https://cebes.org.br/tese-2021-22-cebes-reafirma-a–luta-civilizacao-contra-barbarie/28043/.

SUMÁRIO

EDITORIAL

Reafirmar o direito à saúde, defender o SUS e construir justiça social: Tese do Cebes 2021-2022 | por Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato, Maria Lucia Frizon Rizzotto, Ana Maria Costa

ARTIGO ORIGINAL

O papel dos produtores públicos de medicamentos e ações estratégicas na pandemia da Covid-19 | por Daniela Rangel Affonso Fernandes, Carlos Augusto Grabois Gadelha, Jose Manuel Santos de Varge Maldonado

Avaliação da qualidade da informação de sites sobre Covid-19: uma alternativa de combate às fake news | por André Pereira Neto, Eduardo de Castro Ferreira, Raquel Luciana Angela Marques Tauro Domingos, Leticia Barbosa, Bruna Luiza de Amorim Vilharba, Francine de Sales Dorneles, Vania Silva dos Reis, Zilda Alves de Souza, Samara Vilas-Bôas Graeff

Mulheres profissionais da saúde e as repercussões da pandemia da Covid-19: é mais difícil para elas? | por Julia Vieira, Isabela Anido, Karina Calife

Mortalidade por violência contra mulheres antes e durante a pandemia de Covid-19. Ceará, 2014 a 2020 | por Elisângela Rodrigues Chagas, Fernando Virgílio Albuquerque de Oliveira, Raimunda Hermelinda Maia Macena

Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violências de gênero | por Fernanda Felício de Lima, Sabrina Helena Ferigato, Carla Regina Silva, Ana Luiza de Oliveira e Oliveira

Percepção de motoristas de Uber sobre condições de trabalho e saúde no contexto da Covid-19 | por João Pedro Greggo, Sergio Roberto de Lucca, Valmir Azevedo, Marcia Bandini

Oportunidades, percalços e justificativas: a descentralização da regulação ambulatorial no município do Rio de Janeiro | por Kennedy Guabiraba, Gustavo Gomes, Eduardo Alves Melo

Avaliação da atuação da rede comunitária de saúde mental em um município paulista de médio porte | por Carlos Alberto dos Santos Treichel, Rosana Teresa Onocko Campos

Realidades das práticas da Estratégia Saúde da Família como forças instituintes do acesso aos serviços de saúde do SUS: uma perspectiva da Análise Institucional | por Tais Vicari, Luana Mesquita Lago, Alexandre Fávero Bulgarelli

Condições de vida e saúde de famílias rurais no sertão cearense: desafios para Agenda 2030 | por Luis Lopes Sombra Neto, Flora Viana Elizeu da Silva, Ana Caroline Mendes Barbosa, Fernando Ferreira Carneiro, Vanira Matos Pessoa

Cuidando de Pessoas Vivendo com HIV/Aids na Atenção Primária à Saúde: nova agenda de enfrentamento de vulnerabilidades? | por Jorginete de Jesus Damião, Rafael Agostini, Ivia Maksud, Sandra Filgueiras, Fátima Rocha, Ana Carolina Maia, Eduardo Alves Melo

O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família voltado às pessoas com sobrepeso e obesidade em São Paulo | por Juliana Giaj Levra de Jesus, Célia Maria Sivalli Campos, Fernanda Baeza Scagliusi, Luciene Burlandy, Cláudia Maria Bógus

ENSAIO

Educação popular e saúde mental: aproximando saberes e ampliando o cuidado | por João Vinícius dos Santos Dias, Paulo Duarte de Carvalho Amarante

Comunicação rizomática: reflexões sobre os movimentos de resistência em tempos da Covid-19 | por Michele Nacif Antunes, Jandesson Mendes Coqueiro

REVISÃO

Estudos sobre o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira: olhares diversos sobre um mesmo fenômeno | por João Henrique Araujo Virgens, Carmen Fontes Teixeira

O acesso aos serviços de saúde pela População em Situação de Rua: uma revisão integrativa | por Rebeca Andrade, Alane Andréa Souza Costa, Elyana Teixeira Sousa, Pablo Cardozo Rocon

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Comunidade Ampliada de Pesquisa em ambiente virtual (CAP on-line) sobre trabalho e saúde docente | por Gideon Borges dos Santos, Kátia Reis de Souza, Andréa Maria dos Santos Rodrigues, Luciana Gomes, Eliana Guimarães Félix, Luísa Maiola de Araujo, Jordânia Lira da Costa

Anexos