Saúde em Debate v.46, n. 134

O editorial da revista Saúde em Debate v.46, n. 134, aborda a Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, que aconteceu nesse dia 05 de Agosto, Dia Nacional da Saúde. No texto, Lúcia Souto, presidenta do Cebes, aponta que o objetivo do evento, promovido pela Frente pela Vida, era: “ter as forças sociais e políticas como sustentação deste novo momento do País, em que queremos assegurar políticas de cuidado e bem-estar em nível nacional e dos direitos universais de cidadania“. Veja a seguir o editorial e o sumário. Acesse a publicação no final dessa postagem.

EDITORIAL

Conferência Livre, Democrática e Popular lança diretrizes para refundação do Brasil

Lucia Souto¹

  1. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

VIVEMOS UM ANO CRUCIAL DE DISPUTA DE PROJETOS e refundação do Brasil em novas bases, superando a matriz escravocrata que estrutura um país da fome e da intolerável desigualdade.

Nos aproximamos das eleições mais importante de nossas vidas. Em outubro, o povo brasileiro vai decidir, com o voto eletrônico, se retomaremos os rumos da democracia plena ou se continuará a barbárie de um governo autoritário, excludente, misógino, que aniquilou conquistas históricas do povo na área da saúde, do trabalho, da cultura e das políticas sociais.

A histórica e exemplar luta do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira conquistou, com ampla participação popular, a saúde como direito universal de cidadania na Constituição de 1988, na contramão da tendência global do projeto ultraneoliberal que se opunha à ideia da saúde como direito universal, e não como mercadoria.

Naquele ano, em um momento de ousadia, esse movimento coletivo que teve o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) como um dos protagonistas colocou na constituição brasileira a saúde como um direito universal de todos e um dever do Estado. Hoje, mais de 32 anos depois, atravessamos o golpe de 2016 e uma crise econômica, política, social, cultural, ambiental, sanitária: uma destruição de direitos e a maior catástrofe sanitária da história deste país, a pandemia da Covid-19, expondo o fracasso do projeto ultraneoliberal.

Desde 2016, o povo brasileiro vem sofrendo os desmandos de políticas públicas que destruíram direitos conquistados em diversas áreas. A situação foi agravada após 2020, quando se iniciaram a pandemia e este projeto nefasto de negacionismo, de morte, que tirou a vida de cerca de 700 mil pessoas neste país. A maior parte dessas mortes poderia ter sido evitada se não fosse o projeto criminoso liderado pelo atual Presidente da República e seus Ministros da Saúde. Porém, o povo brasileiro optou por viver e deu uma esmagadora resposta a favor da ciência, com a opção pela Vida ao aderir em massa à vacina.

Cresceu a consciência de que é fundamental a organização popular para ampliar a força social e política que sustenta a agenda de refundação do País.

Nesse contexto de grandes desafios, a Frente pela Vida, que reúne inúmeras entidades históricas do Movimento da Reforma Sanitária, convocou a Conferência Nacional Livre, Democrática e Popular de Saúde. Desde 7 de abril, data em que a campanha foi impulsionada a partir de um grande ato no Congresso Nacional com a presença de todos os participantes da Frente Pela Vida e parlamentares, foram realizadas cerca de 120 conferências livres regionais e locais em todo Brasil, expressando a grande mobilização nacional com formação de comitês populares, base para a refundação do País.

Há muito tempo, o movimento sanitário brasileiro não tem um consenso tão profundo em torno das diretrizes que represente uma guinada na afirmação da saúde como direito universal: Saúde 100% publica; revogação da Emenda Constitucional nº 95 para viabilizar financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar o financiamento público; carreira de Estado para os profissionais da saúde; qualificar a atenção regionalizada para assegurar atenção à saúde integral e de qualidade; saúde como eixo estratégico de desenvolvimento e ampliar e aprofundar a democracia.

Durante a Conferência, realizada em 5 de agosto, em São Paulo, foi entregue a Luiz Inácio Lula da Silva, candidato a Presidente da República pela Coligação Brasil da Esperança1, o documento ‘Saúde como Direito’, que representa toda a força do movimento sanitário no Brasil.

O objetivo é ter as forças sociais e políticas como sustentação deste novo momento do País, em que queremos assegurar políticas de cuidado e bem-estar em nível nacional e dos direitos universais de cidadania. Outrossim, a saúde se tornou ponto obrigatório nessa agenda prioritária, especialmente neste momento em que travamos uma batalha para superar a enorme crise sanitária da pandemia da Covid-19, vencida pela resiliência do povo brasileiro. O SUS passou a pertencer a toda a sociedade, sendo ponto central de toda uma discussão ampla dos cuidados e do bem-estar.

A democracia, o direito universal à saúde, à vida e ao SUS estão nas diretrizes apontadas pelo documento entregue ao candidato Lula e legitimam a inclusão da saúde no centro das discussões para um programa de governo democrático-popular a ser escolhido pelo voto livre e direto nas urnas em outubro. O Brasil exige que a saúde seja tratada como direito, e não como mercadoria.

Para além das mobilizações ocorridas, há os desdobramentos pós-encontro de agosto, e a Frente Pela Vida já está produzindo cadernos com todas as contribuições que vieram das conferências locais e regionais e, mais, as que foram agregadas no dia 5 de agosto, como material a ser disponibilizado para o debate nacional.

Esse amplo processo de organização e debate certamente contribuirá para a realização de uma vigorosa e histórica XVII Conferência Nacional de Saúde, em 2023.

Diretrizes básicas
O documento final2 é uma síntese de políticas de cuidados e direitos universais e foi elaborado em conjunto pelas entidades e movimentos que integram a Frente Pela Vida3, entre elas, o Cebes, o Conselho Nacional de Saúde, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Rede Unida e a Sociedade Brasileira de Bioética, ampliado com as sugestões acolhidas durante a conferência. O documento foi construído sobre cinco eixos fundamentais: o primeiro é o acesso universal à saúde; o segundo é a articulação das redes, levando em consideração integralidade e equidade; o terceiro é relativo ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Ceis); o quarto, a gestão compartilhada e o controle social do SUS; e o quinto, a gestão do trabalho e da educação em saúde.

Para assegurar o objetivo de uma saúde 100% pública, é importante retomar um financiamento digno, adequado, estável e consistente. Uma das medidas é a revogação da Emenda Constitucional nº 95 que, hoje, destina 60% dos 9,46% do Produto Interno Bruto (PIB) que circula na saúde para a área do setor privado, tanto para planos e seguros como para medicamentos que se constituem em gastos catastróficos. Um dos caminhos para conseguir o financiamento consiste em avançar para a obtenção de uma reforma democrática tributária que possibilite diminuir esta desigualdade intolerável existente no País.

O documento aponta também para uma rede de atenção de qualidade nas instâncias de atendimento, que possa contemplar toda a população com respeito e dignidade. É preciso superar os gargalos da atenção especializada; afirmar a questão do território; a Estratégia Saúde da Família articulada com a questão das políticas de assistência social, da educação, de todas as políticas de direitos universais territorialmente, produzindo saúde e metas sanitárias para poder dispor de um atendimento digno à população brasileira em todas as suas necessidades de saúde. Ademais, se afirmamos a saúde como um bem público, não podemos ter profissionais precarizados. A saúde precisa ter uma carreira atrativa, uma carreira pública digna para todos os profissionais da saúde, para que eles tenham condições de trabalho, com educação permanente e formação qualificada como forma de valorizar esses profissionais responsáveis pela qualidade da atenção. Por isso, é muito importante firmar uma carreira pública de Estado para os profissionais de SUS.

No que se refere ao desenvolvimento, o governo precisa investir e ampliar o Ceis, eixo estratégico de crescimento do País. O Brasil somente ganhará com soberania e segurança sanitária quando puder ter um Ceis com autonomia e grandeza para produzir seus próprios medicamentos e realizar novas descobertas (pesquisa), para diminuir os elevados custos dos produtos importados. As políticas públicas devem privilegiar o conhecimento, o aprendizado e, sobretudo, a inovação, para fortalecimento do Ceis, abordando e articulando estratégias de ação que consigam gerar um alto grau de inovação, elevado dinamismo em termos de taxa de crescimento e de competitividade.

Finalmente, outro eixo fundamental é o da participação popular. É essencial aprofundar e ampliar a questão democrática neste momento civilizatório de grande impasse político. ‘Saúde é democracia, democracia é saúde’ sempre foi o lema que norteia nossas atividades. Portanto, neste momento de virada da sociedade brasileira, de recuperação e afirmação da democracia, é importante que contemple, de forma radical, um controle da sociedade sobre as políticas e as ações de saúde, com orçamento participativo e territórios organizados produzindo vida em todo o Brasil.

Referências:

  1. Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Eleições 2022: TSE já recebeu nove registros de candidaturas à Presidência da República. Comunicação TSE. 2022 ago 12. [acesso em 2022 ago 18]. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/ Agosto/eleicoes-2022-tse-ja-recebeu-nove-registros-de-candidaturas-a-presidencia-da-republica.
  2. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Leia a Carta Compromisso da Conferência Livre Democrática e Popular de Saúde Entregue ao Lula. [acesso em 2022 ago 14]. Disponível em: https://cebes.org.br/ carta-compromisso-da-conferencia-livre-democratica-e-popular-de-saude-lula/29492/.
  3. Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Rede Unida, et al. Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia da Covid-19. Frente pela Vida. 2020 jul 15. Versão 2. [acesso em 2022 ago 14]. Disponível em: https://frentepelavida.org.br/uploads/documentos/ PEP%20COVID-19_v2.pdf.

EDITORIAL

Conferência Livre, Democrática e Popular lança diretrizes para refundação do Brasil | por Lucia Souto

ARTIGO ORIGINAL

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Structure and responsiveness: are Primary Health Care Units prepared to face COVID-19? | por Denise de Lima Costa Furlanetto, Wallace Dos Santos, Magda Duarte dos Anjos Scherer, Fabrício Vieira Cavalcante, Aimê Oliveira, Klébya Hellen Dantas de Oliveira, Ricardo Ramos dos Santos, Thaís Alessa Leite, Katia Crestine Poças, Leonor Maria Pacheco Santos

A telemedicina no combate à Covid-19: velhos e novos desafios no acesso à saúde no município de Vitória/ES, Brasil | por Henny Luz Heredia Martínez, Elizabeth Artmann, Sheila Cristina de Souza Cruz, Dilzilene Cunha Sivirino Farias

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Síndrome Inflamatória Multissistêmica e Covid-19 em crianças e adolescentes: aspectos epidemiológicos, Brasil, 2020-2021 | por Erly Catarina de Moura, Fabrício Vieira Cavalcante, Luciana Gonzaga de Oliveira, Ivana Cristina de Holanda Cunha Barreto, Geraldo Magela Fernandes, Gustavo Saraiva Frio, Leonor Maria Pacheco Santos

Uma análise do perfil dos secretários de saúde: interfaces entre saúde e os processos político-eleitorais | por Matheus Brancaglion, Jeovana Soares, Ligia Bahia

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Atención Primaria en Salud en una región de la Amazonía colombiana: una aproximación al cotidiano | por Saidy Eliana Arias-Murcia, Cláudia Maria de Mattos Penna

Saúde Socioambiental na Atenção Básica: conhecimento, formação e prática | por Jeffer Castelo Branco, Nildo Alves Batista, Silvia Maria Tagé Thomaz

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A consulta pública na construção da Política Distrital de Alimentação e Nutrição | por Rosielle Alves de Moura, Helen Altoé Duar Bastos, Karistenn Casimiro de Oliveira Brandt, Débora Barbosa Ronca, Verônica Cortez Ginani

Perfil dos processos de internação compulsória decorrentes do uso de drogas: uma pesquisa documental | por Larissa de Abreu Queiroz, Fátima Büchele Assis, Fernanda Martinhago

Acidente de Trabalho com Exposição a Material Biológico: percepções dos residentes de medicina | por Fernanda Sucasas Frison, Herling Gregorio Aguilar Alonzo

ENSAIO

Conjuntura política brasileira e saúde: do golpe de 2016 à pandemia de Covid-19 | por Lívia Milena Barbosa de Deus e Méllo, Paulette Cavalcanti de Albuquerque, Romário Correia dos Santos

Individualização e trabalho no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil | por Aurea Maria Zöllner Ianni, Maria Izabel Sanches Costa, Letícia Bona Travagin, Isabela Licata Serra

As medidas de obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 no Brasil são razoáveis e proporcionais? | por Maria Célia Delduque, Sandra Mara Campos Alves, Maria Inez Montagner, Miguel Ângelo Montagner

Sindemia: tautologia e dicotomia em um novo-velho conceito | por Diego de Oliveira Souza

REVISÃO

Pharmaceutical policies for gaining access to high-priced medicines: a comparative analysis between England and Brazil | por Geison Vicente, Michael Calnan, Norberto Rech, Silvana Leite

RELATO DE EXPERIÊNCIA

O acadêmico de Medicina frente à população em situação de rua: Trabalho Colaborativo como ferramenta | por Elisabete D’Oliveira Paula Sousa, Magda de Souza Chagas

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