Saúde Pública e Suplementar: desfecho do confronto

Por Cleber Ferreira

No Capítulo 4 do Estudo da Organização Mundial de Saúde – More health for the money – avalia-se o custo benefício das práticas, públicas ou privadas, dos diferentes sistemas de saúde disponíveis no mundo. Dentre os mitos desvendados, verifica-se que os hospitais privados são mais caros e menos eficientes que os hospitais públicos; que boa parte dos recursos destinados aos sistemas de saúde são desperdiçados por fraude e corrupção; que a importância da regulação, que no Brasil se faz através da ANS e da ANVISA, é fundamental para conter o ímpeto do complexo médico-hospitalar (fármacos e equipamentos), assim como dos atores envolvidos no processo, prestadores, operadoras e seguradoras de planos de saúde – todos orientados pelo lucro.

Além da necessidade de se ter uma política que oriente o sistema para a universalidade e resolutividade já existentes nos princípios do SUS, deve-se estabelecer os limites de atuação do setor privado. A omissão no estabelecimento deste limite é, por si só, uma política privatizante. E é justamente isto que vem acontecendo no Brasil, com uma política permissiva de expansão da Saúde Suplementar que, sem estrutura para atender seus clientes, canabaliza o SUS.

Esta expansão é financiada pelo próprio governo através da restituição do imposto de renda. São recursos volumosos transferidos para a lucratividade das empresas, em detrimento aos investimentos necessários no setor público, excluindo uma melhor remuneração e qualificação de seus recursos humanos; na estagnação no crescimento da rede pública, prejudicando todos os níveis de atenção – da básica, à alta complexidade. Enfim, o crescimento da Saúde Suplementar concorre com o SUS.

O governo é o avalista do crescimento do setor privado, minimizando o “risco do empreendimento” dos investidores, inclusive internacionais, que agora descobriram o mercado da saúde brasileira. O crescimento no número de beneficiários na Saúde Suplementar nos últimos 10 anos é prova disto: multiplicaram-se por 4 o número de beneficiários existentes, fazendo com que grupos de investidores internacionais vislumbrem o Brasil como o país do presente deles. Para a sociedade brasileira vale ainda o velho ditado: Brasil, o país do futuro (http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Foco/20120816_web_foco_junho_2012.pdf).

O Brasil opta por tratar os dois setores de forma independente. Para a saúde suplementar incentiva-se a expansão. As classes menos abastadas agora sonham com um plano de saúde. Todavia, sem rede suficiente, muitos acabam mesmo no SUS, com ou sem plano.

Com uma política regulatória indutora, centrada principalmente nos planos coletivos por adesão (22% de crescimento desde 2008), legitimou-se os intermediários (administradoras de benefícios) como inéditos players obrigatórios nos contratos, gerando custos adicionais ao sistema; no plano público (SUS) restringe-se o desenvolvimento, expansão e evolução do SUS através da limitação orçamentária. A falta de uma política para a saúde suplementar é uma política alienante, que importa um modelo fracassado e oneroso para o país.

Enquanto o governo Norte Americano luta para se aproximar do nosso SUS, o Brasil assiste passivamente a internacionalização da saúde suplementar brasileira. O sistema de saúde americano é o mais caro do planeta, mas não o mais eficiente, e não é universal. Este é o modelo que mais cresce no Brasil.

O texto da OMS – Mais Saúde pelo Dinheiro – é leitura obrigatória. O Brasil faz há tempos uma importante opção, com impacto para o bolso e para a saúde das gerações futuras.

Cleber Ferreira
Presidente da ASSETANS
Especialista em Regulação
Mestre e Doutor em Odontologia em Saúde Coletiva- UFF