Seguridade social, 20 anos

Por Sonia Fleury*

A Constituição de 1988 assumiu a primazia dos direitos sociais na estruturação das relações entre o Estado, o mercado e os indivíduos e inovou ao consagrar a seguridade social (SS) como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A inclusão da previdência, da saúde e da assistência social como partes da SS, apesar de suas diferenças institucionais e das condições de acesso peculiares, introduz a noção de direitos sociais universais como parte da condição de cidadania. Este novo modelo foi expresso nos princípios organizadores da seguridade social: universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios e serviços; eqüidade na forma de participação do custeio; diversidade da base de financiamento; e gestão participativa, democrática e descentralizada em órgãos colegiados. Além disso, introduziu-se o orçamento da SS que visava a assegurar fontes alternativas para o pagamento dos salários, reduzindo os impactos das crises econômicas e aumentando a solidariedade da sociedade com o custeio da proteção social. Com a vinculação a este orçamento, o legislador buscou evitar que os recursos oriundos das contribuições sociais fossem utilizados para finalidades alheias à provisão dos direitos sociais.

Passados 20 anos, podemos avaliar as conquistas da SS considerando a extraordinária expansão da cobertura em saúde e assistência, o fortalecimento institucional do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e a recente revisão da contabilidade da Previdência Social. No entanto, a SS tem sido permanentemente ameaçada por alguns programas, entre os quais a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que desde 1994 drena 20% dos recursos das contribuições sociais, para outras finalidades. A introdução da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em 1993, procurou suprir as dificuldades financeiras pelas quais passava o SUS, mas, com a rejeição de sua prorrogação pelo Congresso Nacional em 2007, a SS perdeu uma fonte importante de financiamento.

Chega ao Congresso o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 233/08), que afetará, se aprovado, todo o sistema de financiamento da seguridade social. Trata-se de uma proposta de reforma tributária, na qual o governo propõe profundas alterações no sistema nacional de arrecadação. Portanto, a medida busca fazer uma reforma neutra em relação a esse financiamento. A PEC prevê a criação do Imposto de Valor Agregado (IVA), que terá um percentual como o teto dos gastos com a SS, independentemente da sua capacidade de assegurar os direitos sociais. Ela fragiliza as bases jurídicas e financeiras da SS; se aprovada, haverá enorme retrocesso na construção de uma sociedade justa e democrática, ávida pela ampliação e a estabilidade de financiamento da saúde, assistência social e previdência, para a garantia efetiva dos direitos sociais.

(*) Sonia Fleury é doutora em ciência política e presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. Artigo publicado no jornal Estado de Minas, na edição de 15/10/08.