Sem consenso científico sobre motivo, dengue migra e ganha novas fronteiras em São Paulo

Sarah Fernandes/ Rede Brasil Atual

Entrada da capital no eixo da doença é novidade e ainda um ‘mistério’ para especialistas; não há epidemia no município, mas situação exige atenção, segundo prefeitura

Pesquisadores ainda não chegaram a um consenso sobre o aumento do número de casos de dengue na capital paulista neste ano, nem sobre a migração dos focos da doença de municípios que tradicionalmente registravam muitos casos para outros. As hipóteses vão desde mosquitos melhor adaptados para a transmissão do vírus até transporte de ovos nas lonas de caminhões que interligam a capital com regiões epidêmicas.

Com base nas notificações computadas pela Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo houve uma redução de 82,8% do número de casos de dengue no estado no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2013. Em números absolutos, os municípios paulistas registraram 18.445 casos de janeiro a março de 2014, contra 107.739 nos três primeiros meses de 2013.

Ao todo, 10 dos 645 municípios do estado concentraram 68,6% das ocorrências: Americana (2.711), Campinas (2.520), Jaú (1.387), Taubaté (862), Votuporanga (775), Santa Bárbara D’Oeste (744), Boa Esperança do Sul (725), Casa Branca (642), Osasco (477) e São Paulo (1.802), novata na lista, segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo. Na última contagem da prefeitura, divulgada no último dia 10, o número de ocorrências é um pouco menor, de 1.745.

“Não temos um quadro mais alarmante neste ano, mas diferente. São Paulo nunca teve tantos casos e isso sempre foi um grande mistério, porque sempre tivemos todas as condições: mosquito, grande número de pessoas e calor”, diz o pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), José Eduardo Levi. “O sorotipo predominante neste ano é o 4, que já tivemos no ano passado, no interior e no litoral. Não conseguimos precisar por que agora ele se adaptou melhor à capital.”

A possibilidade, ainda sem evidência científica, é de que os mosquitos da cidade tenham se tornado transmissores mais eficientes da doença. “O mosquito pode estar mais apto a incubar o vírus e replicá-lo em seu corpo, nas glândulas salivares. Todos os mosquito que transmitem dengue são Aedes Aegypti, da mesma forma que somos todos Homo Sapiens, e veja só nossa diversidade”, diz o pesquisador. “Se houvesse mais investimentos em pesquisas teríamos mais respostas para dar. Não conseguimos monitorar da forma mais eficiente, nem colher material nos momentos necessários.”

Dengue é uma doença tropical infecciosa causada por um vírus de quatro tipos imunológicos: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4.1. Quando uma pessoa contrai um determinado sorotipo de dengue, ela se torna imune ao vírus, reduzindo a população vulnerável. A doença é tansmitida principalmente pelo mosquito Aedes Aegypti, que se reproduz em água limpa e parada, acumulada, por exemplo, em pratos de planta, garrafas vazias, pneus velhos e caixas d’água descobertas.

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, ligada ao Ministério da Saúde, também não chegaram a uma conclusão sobre o aumento dos casos na capital paulista. “Em São Paulo sempre tivemos menos dengue, apesar de ter uma população suscetível bem maior, o que gera um potencial epidêmico também maior. Uma possibilidade é que por uma questão climática não houvesse tempo de contaminar muita gente”, supõe a pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (Ipec), Otília Lupi. “Cidades que já experimentaram outras epidemias acabaram aprendendo muito na montagem do sistema de assistência, o que ajuda no controle e na redução de casos.”

A Secretaria Municipal de Saúde da capital enfrenta o mesmo desafio de concluir o porquê do aumento no número da dengue. “Os casos aumentaram porque tivemos mais mosquitos infectados, que picaram mais gente. O trabalho de prevenção superou o do ano passado: entregamos mais capas e fizemos mais visitas às casas”, afirmou o secretário de Saúde, José Filippi Júnior, na última semana. “Vamos fortalecer os mutirões e as visitas nos fins de semana.”

“Os estudiosos nos dizem que o calor contribui muito para a proliferação do mosquito e esse verão foi particularmente muito quente”, supõe Filippi. “Foi um verão seco, mas uma tampinha de garrafa permite a proliferação de milhares de larvas. Percebemos que onde tem mais criação de mosquito era nos pratinhos de plantas e mesmo em verão seco as pessoas cuidam do seu jardim.”

Não é possível, no entanto, falar em epidemia de dengue na cidade, quadro caracterizado por mais de 300 casos a cada 100 mil habitantes. A taxa de incidência da doença na cidade, divulgada pela prefeitura no último dia 10, é de 15,5 casos para cada 100 mil habitantes, considerada baixa pelo Ministério da Saúde.

“No bairro da Lapa e do Jaguaré pode-se falar em epidemia. Naqueles locais várias pessoas estão sob o risco de terem a doença e as complicações dela”, diz Levi. No Jaguaré, foram registrados 324 casos de dengue, de acordo com a prefeitura, e a taxa de infecção é de 649,8, considerada alta. Na Lapa, foram 158 casos e índice de 240,3, considerado médio. Em Rio Pequeno foram notificados 147 casos e o índice é 124,1, também considerado médio.

A taxa de incidência também chama a atenção, em comparação com a média da cidade, nos distritos do Carrão (55,2), na zona leste, Santo Amaro (40,5), na zona sul, Jaguaré (40,2), na zona oeste (40,2) e Vila Leopoldina (38,0), na zona oeste. “A grande diferença é que antes os casos de dengue ocorriam de forma muito mais pulverizada, nunca aconteceu de concentrar em regiões de São Paulo”, explica Levi.

O município campeão no estado é Campinas, que no primeiro trimestre deste ano registrou 10,5% mais de casos que no mesmo período do ano passado. Para ajudar no controle do mosquito, oficiais do Exército trabalharam no município entre 15 e 17 de abril, auxiliando agentes de saúde na colocação de telas em caixas d’água, consideradas um dos principais criadouros dos mosquitos transmissores da dengue.

No último dia 11, o juiz da 1ª Vara da Fazenda de Campinas, Mauro Iuji Fukumoto, autorizou que os agentes de saúde da prefeitura entrem em imóveis desabitados, fechados, abandonados ou com acesso não permitido pelo proprietário, para inspeção de criadouros de mosquitos. A liminar foi concedida uma semana após a administração municipal, comanda por Jonas Donizette (PSB), entrar com ação civil pública na Justiça.

“Campinas sempre teve muitos casos e é uma região mais quente”, explica Levi. “O pico no país é sempre na mesma época, entre março e abril. O que foi um pouco diferente neste ano é que em março tivemos poucos casos. Eles começaram em abril e se espalharam muito rápido. A epidemia sempre cresce até chegar a um pico, que geralmente ocorre em 15 de abril.”

A Secretaria Municipal de Saúde cogita que a forte ligação da capital com Campinas, maior centro do interior, é um dos fatores responsáveis pelo aumento nos casos na região oeste da cidade, a mais próxima de Campinas. A hipótese da Secretaria de Saúde é que os ovos viajem em poças d’água formadas nas lonas dos caminhões que transitam entre as cidades. Em quase 50% dos casos a pessoa contrai dengue e não manifesta sintomas, mas contamina colegas e vizinhos.

O que chama a atenção dos pesquisadores, no entanto, é a cidade de Santos, no litoral sul do estado. Só no primeiro trimestre do ano passado, o município chegou a registrar 6.475 casos, de acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica do governo do estado. Neste ano, porém, ficou em apenas 18. “Essas variações ocorrem independente do controle da doença. As grandes epidemias nunca são em anos consecutivos, mas a cada três ou quatro anos, porque número de pessoas vulneráveis é maior”, explica Levi, da USP.

No país, os casos de dengue caíram 80% no primeiro bimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. O Ministério da Saúde contabilizou 87 mil notificações da doença, contra 427 mil em janeiro e fevereiro de 2013. A queda também foi observada em relação às ocorrências graves (84%) e os óbitos (95%).