Testes genéticos: ‘milagres’ ainda sem regulamentação

Flávia Milhorance, do jornal O Globo

Ao ajudar a prever doenças e até indicar a melhor dieta, eles viraram moda. Mas pedem normas claras

Eles identificam seus ancestrais, indicam quais alimentos caem bem, quais exercícios físicos caem mal e até se há riscos de, no futuro, aparecerem doenças raras, cardiopatias ou câncer. Tudo isso por meio de testes genéticos, cada vez mais presentes na clínica médica e com maior destaque desde que a atriz Angelina Jolie descobriu, por meio de um deles, que tinha 85% de chances de ter câncer de mama. Hoje esse mesmo exame é feito por planos de saúde, estuda-se incluir outros no sistema público, e eles avançam em suas aplicações, o que leva especialistas a enxergá-los como uma revolução tecnológica. Mas, até agora, carecem de normas próprias, além de levantarem questões éticas ainda pouco debatidas por aqui.

A título de comparação, já que não existem dados no país, os EUA têm registro de mais de 14 mil testes genéticos. A maioria dos laboratórios brasileiros faz exames para diagnosticar doenças, principalmente síndromes genéticas raras, mas vêm ganhando espaço os chamados preditivos.

Ou seja, pela análise dos genes, eles medem as chances de um indivíduo desenvolver problemas à frente. Quase como uma bola de cristal. Quase, porque especialistas enfatizam os poréns.

– Seus genes não precisam ser o seu destino, porque os hábitos e o ambiente influenciam. O dado ajuda na prevenção – diz Lia Kubelka, diretora clínica do Laboratório Biogenetika.

BASTA UMA AMOSTRA DE SALIVA

Além disso, trata-se de um exame, não um produto, ressalta Lia. Foi por isso que a empresa americana 23andMe – mais popular em testes genéticos – parou de oferecer seu carro-chefe: qualquer indivíduo pagava US$ 99 e recebia informações detalhadas, desde riscos de doenças até a origem de seus ancestrais. O empresário Marco Gomes, numa viagem, conseguiu fazê-lo.

– Minha esposa fez porque é hipocondríaca. Eu fiz por curiosidade. Basta uma amostra de saliva para receber um relatório completo. Descobri que tenho performance muscular de velocista, não tenho genes de calvície, um alívio, mas tenho risco de câncer de intestino – comentou Gomes. – Não levo tão a sério, só procuro me cuidar mais.

Nos EUA, o tema é bastante debatido, enquanto aqui ele engatinha. A FDA, que regula os testes no país, vinha controlando os laboratórios, mas não necessariamente a eficácia dos exames. Para tapar o buraco, em 2010 a agência anunciou a expansão de sua regulação, medida ainda em curso. Uma das ações foi exatamente a interrupção do serviço da 23andMe, que já anunciava planos até na televisão.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) faz algo parecido: regulamenta os produtos do teste, mas o procedimento, segundo ela, fica a cargo de outros órgãos, como o Conselho Federal de Medicina. Mas a referência do conselho ao tema é apenas o Código de Ética, que impõe ao médico o zelo pelos dados genéticos de seus pacientes.

– Há normas internacionais, mas sem poder de lei. Não temos nem um conselho de bioética para tratar desses casos – cobrou Volnei Garrafa, do Comitê Internacional de Bioética da Unesco. – Como garantir o sigilo dos genes, impedir que caiam nas mãos de seguradoras ou empregadores, que poderiam discriminar a pessoa? Situações parecidas já ocorreram, e os EUA estão se cercando.

Além de cálculo de risco e diagnóstico, outra função dos testes que tem ganhado popularidade é a de indicar alimentos e exercícios físicos favoráveis ao seu perfil genético, como o feito pelo lutador Vitor Belfort, que diz ter sido fisgado pela curiosidade: – Sou atleta de ponta e acho importante usar os métodos mais atuais. Foi mais por curiosidade, porque acho que o segredo do sucesso é a prevenção.

Lia Kubelka, da Biogenetika, onde o exame foi feito, explica que, embora o teste seja sedutor para quem busca estética ou performance, sua função é, principalmente, o equilíbrio metabólico, por exemplo, para obesos. Mesmo assim, a professora Iscia Lopes-Cendes, do Laboratório de Genética Molecular da Unicamp, pondera: – É uma revolução tecnológica muito grande.

Mas eles não têm interpretação simples, e questiono até a utilidade prática de alguns, como o de ancestralidade e o nutrigenômico – afirma Iscia, que estuda na Unicamp a viabilidade de incluir o exame de sequenciamento no sistema público.

Na Biogenetika, os testes custam em média R$ 2 mil. Mas há no mercado os de diagnóstico, que chegam a R$ 15 mil. Os planos de saúde passaram este ano a aceitar o exame de mutação dos genes BRCA1 e BRCA2, o mesmo de Angelina, para risco de câncer de mama. Segundo a Amil, foram realizados 30 testes no Brasil desde janeiro, num universo de 4,5 milhões de segurados.

– Até hoje recebo pacientes perguntando sobre o teste por causa da repercussão, mas é preciso esclarecer que menos de 5% dos cânceres de mama têm a mutação. E o resultado não deve deixá-las mais ansiosas – diz o oncologista Daniel Tabak.