Vida melhor e sem violência para as mulheres

artigo escrito por Benita Spinelli*, em colaboração a MULHERES EM MOVIMENTO publicado originalmente em Folha de Pernambuco

Desde minha formação profissional na graduação da Universidade de Pernambuco (UPE), tendo como campo de prática a maternidade e o ambulatório da mulher do Centro Universitário Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM), que me encantei com a área de saúde da mulher. O contato direto com as mulheres, a escuta das suas queixas, a falta de conhecimentos básicos nas questões de higiene, autoestima muito baixa, contracepção, exames preventivos, vivencias na esfera sexual, me despertaram um grande interesse e compromisso em colaborar. 

O pouco conhecimento que tinha adquirido, muito embora ainda fosse jovem e pouco experiente, me inquietava, mexia comigo. Então concluí que era esta a área na qual devia atuar. Tive muita sorte porque, quando estava com 15 dias de parida, arrumei o primeiro emprego: trabalhar como enfermeira em um projeto de pesquisa voltado para a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes, que era realizado no ambulatório do CISAM. 

A partir daí minha trajetória profissional na saúde da mulher se consolidou. Enfrentei vários desafios como, por exemplo, gerenciar o ambulatório da mulher do CISAM por 11 anos; coordenar a saúde da mulher no município do Cabo de Santo Agostinho por 1 ano e meio; 12 anos na coordenação da saúde da mulher do Recife. Hoje, estou como coordenadora de enfermagem do CISAM e, como docente, coordeno o módulo da saúde da mulher na Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (FENSG), outro grande e prazeroso desafio. A troca de conhecimentos e a possibilidade de poder contribuir com a formação profissional de novos enfermeiros(as), buscando um olhar focado integralmente na mulher e suas necessidades físicas, raciais, sexuais, reprodutivas, econômicas e culturais.

Eu diria que nos anos 90 o CISAM viveu um momento de ascensão como unidade de ensino e reconhecimento, local e nacional, tendo à frente uma gestão bastante atuante na garantia dos direitos reprodutivos. Foram feitos muitos investimentos na área de formação profissional em gênero e saúde sexual e reprodutiva, tendo como missão atender a mulher em sua integralidade. Trabalhamos sempre em conjunto com organizações feministas que contribuíram bastante com as formações. 

Os índices de violência sexual e doméstica contra as mulheres em Pernambuco eram e continuam elevados. A Secretaria Estadual de Saúde (SES) buscou identificar na rede de serviços aquele que tivesse o perfil, vontade e compromisso em assumir o grande desafio deste acolhimento. Então, em 1996 foi instituído no CISAM, através da Portaria Nº 070/96, o atendimento às mulheres e adolescentes em situação de violência sexual e aborto legal. A SES decidiu assim, tornar o CISAM uma referência em saúde da mulher para o estado de Pernambuco.

Toda a equipe de saúde da maternidade passou por um processo de formação profissional, organizado através de cursos de sensibilização e formação para acolhimento, orientação, profilaxia, tratamento e interrupção da gestação. Foram elaborados e criados protocolos e fluxos para organização do serviço, além de determinação de espaços privativos para o atendimento destes casos.

Em se tratando do CISAM ser um hospital de ensino na área da saúde, a formação profissional e atualização da equipe se faz necessária e deve ser continuada. A oferta de cursos nos mais diversos temas para garantir atenção humanizada à mulher no trabalho de parto, parto e puerpério, nos direitos reprodutivos com oferta de métodos de longa duração, como dispositivo intra uterino, implantes, manejo com preservativos vaginais e penianos, aprimoramento em técnicas cirúrgicas, entre tantos outros temas, é permanente. Tudo isso com o objetivo de qualificar a equipe multiprofissional e ao mesmo tempo assegurar uma assistência de boa qualidade para mulheres e  crianças.

Recentemente vivemos no CISAM um momento de muita tensão com o acolhimento da menor vítima de estupro, que vinha sendo abusada sexualmente desde os seis anos de idade pelo tio e teve que sair do seu estado para realizar o procedimento. A garota de 10 anos chegou em nosso serviço dentro do porta malas do carro. A frente do CISAM estava tomada de pessoas que queriam impedir que a menor fosse atendida. Foi assustador ver todas aquelas pessoas bloqueando a porta principal da maternidade para impedir a nossa entrada aos gritos, chamando a todos/as de assassinos/as. Além do quê, interferiram na dinâmica do serviço, interditando a porta da emergência.

Mas, dentro da maternidade havia uma equipe multiprofissional, preparada e sensibilizada para acolher aquela menina, que estava com a avó e a assistente social designada pela Justiça do Espírito Santo (ES) para acompanha-las neste desafio. Uma menina indefesa, assustada e contida, ao mesmo tempo atenta, olhando tudo o que se passava em sua volta, esperando que todo aquele sofrimento terminasse, mesmo sem saber direito o que iria acontecer com ela.

De tudo isso fica a certeza de que fizemos o melhor para ela, cumprimos com a determinação da Justiça do ES, exercendo o nosso papel dentro dos princípios do SUS, do atendimento integral e universal. Cumprimos com as normas instituídas através de protocolos assistenciais, legitimados pelos órgãos sanitários, conselhos de classes, conquistados através do esforço coletivo das mulheres, movimentos sociais e feministas. 

Precisamos coletivamente defender os nossos direitos e a autonomia sobre nossos corpos. Garantir, com segurança, tranquilidade e prazer, a nossa saúde sexual e reprodutiva. Toda mulher merece ter uma vida melhor e sem violência.