Vitória Republicana atrapalha reforma de Obama na saúde
Um ano depois da posse, Barack Obama vê a principal conquista de sua agenda doméstica sob risco: a mais ampla reforma do sistema de saúde americano pode ser paralisada na disputa partidária, depois que a vitória do republicano Scott Brown para a cadeira de Edward Kennedy tirou a maioria absoluta dos democratas no Senado, que até ontem tinham 60 votos contra 40 dos republicanos. Brown foi eleito para terminar o mandato de Kennedy, que iria até 2012. Sua vitória foi resultado do apoio de eleitores independentes e do baixo comparecimento às urnas: apenas 54% foram votar, contra 73% que votaram nas eleições presidenciais de 2008. Obama, porém, discordou de quem considerou a vitória de Brown um protesto contra seu governo:
_ A mesma raiva que elegeu Brown motivou a minha eleição em 2008. Não foi um protesto contra mim, mas contra a crise causada por oito anos do governo passado. E quero fazer um apelo para que os senadores não tentem passar a aprovação da reforma de saúde às pressas, antes de Brown tomar posse. Vamos negociar para conseguir a melhor reforma possível _ disse Obama.
A campanha do “41” _ como é chamado Brown por reforçar o time de 40 senadores republicanos _ foi feita com pesadas críticas a Obama, condenando “os gastos dispendiosos do governo”, “as negociações por debaixo do pano para aumentar impostos”, “as gratificações exorbitantes de Wall Street enquanto a fila de desempregados continua a aumentar”. A vitória de Brown foi um choque. Ele é um politico de carreira polêmica, mesmo para o eleitorado liberal de Massachusetts: foi modelo antes de entrar na política, posou nu para a revista “Cosmopolitan” em 1982, casou-se com uma controvertida locutora de TV, Gail Huff, e teve uma de suas filhas, Ayla, entre os semifinalistas do concurso “American Idol”, de candidatos a celebridade.
Com a vitória, Brown que tem 50 anos e é formado em direito, Brown tornou-se o nome mais popular da renovação do Partido Republicano com o movimento dos “Tea Party Protests”. O nome do movimento se refere a um episódio histórico da independência americana, quando insurgentes destruíram carregamentos de chá no porto de Boston em protesto contra os impostos elevados exigidos pela coroa britânica. Os republicanos que participam dos protestos contra impostos hoje vinham sendo chamados, de forma irônica, de “teabaggers” (carregadores de sacolas de chá, um expressão que tem sentido pejorativo e até pornográfico) pelos adversaries. Mas com a terceira vitória republicana em um ano, depois das conquistas dos governos de New Jersey e da Virginia, esta nova constelação de politicos ganha força para transformar a eleição legislativa de novembro num pesadelo para os democratas.
Senadores e deputados aprovaram versões diferentes da lei da reforma da saúde e agora precisam acertar suas diferenças para que Obama possa sancionar o texto. O presidente pediu um acordo em torno de pontos de consenso: dar aos americanos direito universal de saúde por meio de subsídios para os mais pobres, garantir ajuda na compra de medicamentos e acabar com as cláusulas de “doenças pré-existentes” nos planos, que justificam a recusa de atendimento. O projeto do Senado não prevê a oferta da “opção pública”, ou seja, de um plano de saúde patrocinado pelo governo como opção. A presidente da Câmara, Nacy Pelosi, se declarou disposta a negociar:
_ Vamos ter que mudar alguns pontos da reforma para ver o texto aprovado _ disse Nancy Pelosi, sem descartar a tentativa de obter votos de deputados para simplesmente aprovar o plano do Senado, sem alterações.
Entre as opções na mesa está um acordo feito às pressas, antes da posse de Brown. A lei prevê prazo de duas semanas para a posse, contados a partir do resultado oficial. E um atraso na contagem poderia ser providencial para democratas. Por isto, Brown foi exigiu que o estado reconheça que a margem de sua vitória sobre a democrata Martha Coakley foi maior do que o número de votos em branco, o que impede contestações.
_ Os eleitores querem um plano de saúde básico, mas não querem aumento de imposto para a classe média, nem plano de saúde do governo e nem a redução dos benefícios para veteranos de guerra. Temos que fazer acordo sobre o que todos concordam e os democratas têm que parar de acertar acordos por baixo dos panos _ disse Brown, referindo-se aos acordos acertados com sindicatos de trabalhadores de empresas de planos de saúde para dar alívio fiscal aos que demitirem menos ou para dar dinheiro federal ao governo de Nebraska para ajudar a cobrir os custos do aumento de cobertura do Medicare no estado.
A aprovação da reforma da saúde de Obama vai mesmo precisar enfrentar a disputa por verbas estaduais e contornar os lobbies patrocinados por grandes empresas do setor. Cientistas politicos dizem que a pior hipótese, para Obama, é a de que a reforma termine engavetada, mas que votar às pressas um acordo não vai melhorar o cenário politico:
_ Mesmo que seja aprovada, nada garante uma vitória democrata em novembro. O governo Clinton aprovou uma forte redução do deficit publico em 1993 e os democratas perderam eleições parlamentares em 1994. A desinformação do eleitorado sobre a reforma da saúde é muito grande _ avalia David Epstein, especialista em politica congressual da Universidade de Columbia.
O pior pesadelo de Obama é não realizar a promessa da reforma da saúde num cenário de desemprego elevado. Um ano depois da posse, um em cada dez americanos em condições de trabalhar está sem emprego. O índice aumenta para 25% quando se leva em conta quem desistiu de procurar emprego e quem está em trabalhos temporarios. Obama herdou 7,7% de desemprego da era Bush, dispendeu US$ 800 bilhões num pacote de ajuda ao mercado financeiro e à indústria que levou à recuperação de Wall Street, mas não reverteu o aumento da multidão de desempregados.
Barack Obama enfrenta o fim do tradicional período de lua de mel com os americanos com uma aprovação de 56%, nada menos que 18 pontos percentuais abaixo da aprovação de 74% das pesquisas nos seus primeiros dias de governo. Segundo pesquisa encomendada pela Associated Press, Obama recebeu avaliação pior que seus antecessores democratas, que tiveram no primeiro ano queda que variou de três pontos percentuais, caso de Bill Clinton (1993-2001) a 17 pontos, caso de Jimmy Carter (1977-1981).
Fonte: O Globo