Pelo cuidado em liberdade e contra políticas higienistas

O município de São Paulo é permanentemente marcado pela violência institucional dos detentores de poder político e econômico contra o povo. Enquanto mantemos a expectativa de que autoridades governamentais acolham e assistam a todas e a todos, respeitando a diversidade, a complexidade e o conjunto de necessidades que apresentem, bem como as múltiplas formas de manifestá-las em nossa sociedade, seria omissivo e irresponsável não reconhecer o papel perverso que os poderes Estadual e Municipal protagonizam agredindo vidas humanas e territórios, acumulando persistente repertório de violências contra o direito e a dignidade humanos e o cuidado em saúde.

 

Na qualidade de organizações e movimentos historicamente articulados em defesa da saúde como direito garantido a todos, oferecida por meio de um Sistema universal, integral, equitativo, público e gratuito, repudiamos a ação desferida contra as usuárias e os usuários do território paulistano conhecido por “Cracolândia” nas primeiras horas da manhã do domingo, 21 de maio de 2017, assim como repudiamos o projeto político, técnico e assistencial anunciado em conjunto por aqueles poderes, representando um enorme retrocesso no cuidado pela saúde mental de nossa população e no acolhimento daquelas e daqueles que convivem com o uso de substâncias psicoativas.

 

O emprego de verdadeiro poder brutal, por meio de ação repressiva deformada, está orientado no estigma e na caricatura vulgar do que é a usuária e o usuário, conforme revelam declarações à imprensa concedidas pelo Prefeito Municipal João Dória. Suas ações não atendem às necessidades, aos dramas sociais e sanitários em que tantas vidas humanas encontram-se imersas, dialogando apenas com interesses de quem deseja controlar corpos e mentes, contendo-os, quer seja biologicamente, através de internações involuntárias e compulsórias, quer seja politicamente, impedindo que se disponham livre e autonomamente pelo território, criando e produzindo suas intervenções.

 

Trata-se de indisfarçável projeto higienista, destinado a uma população predominantemente pobre e preta. A mesma população que é morta nas favelas e nas comunidades periféricas e que não encontra um lugar para existir dignamente, sendo vulnerabilzada, repetidamente violada e reprimida. Uma política efetiva de uso de drogas e redução de danos será sempre uma política que enfrenta o racismo estrutural e possibilita oportunidades de reinserção social. Neste sentido, tanto o Prefeito Municipal João Dória, quanto o Governador Estadual Geraldo Alckmin escancaram o projeto com que estão compromissados, buscando lucrar com o higienismo e favorecer empresários e especuladores em detrimento da vida humana.

 

Enquanto as melhores evidências para o cuidado destas usuárias e destes usuários são opostas à violência manicomial e intervencionista das políticas de saúde pretendidas por estes governantes, as evidências e o acúmulo político dos principais Sistemas Universais, igualmente, cada vez mais rechaçam programas que não dialoguem com a experiência humana e empreguem apenas a racionalidade biomédica para propor assistência ao sofrimento e às condições humanas.

 

Permaneceremos ao lado da dignidade da vida humana, sobretudo daquela fragilizada e oprimida, formulando um projeto despenalizador e emancipador de cuidado, por meio do qual experiências corporais não sejam objeto de ações repressivas e disciplinadoras, antes sejam forma de problematizar a própria política e sua aplicação sobre os territórios.

 

Centro Brasileiro de Estudos da Saúde

Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.

Instituto Silva Lane.

Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Federação Nacional de Psicólogos.

ONG Sã Consciência.

Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo.

Sindicato de Psicólogos de São Paulo.

Conselho Regional de Psicologia de São Paulo

Sindicato dos Psicólogos do Rio de Janeiro

Sindicato dos Psicólogos da Paraíba

Fórum da Formação para a Saúde – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Associação Brasileira de Psicologia Social – Núcleo Grande ABC

Associação Brasileira de Psicologia

Coletivo Gaúcho de Residentes em Psicologia

Movimento OCUPASUS do Rio de Janeiro

Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional – ABRAPEE

Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar da Universidade de São Paulo – LIEPPE USP

Stellamaris Pinheiro – militante de direitos humanos e humanização

Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES

Associação Paulista de Saúde Pública – APSP

ONG É de Lei

Rede Unida

Fórum Popular de Mulheres do Paraná

União Latino-Americana de Entidades de Psicologia – ULAPSI

Rede Sem Fronteiras de Teatro da/o Oprimida/o

Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade – Núcleo Metropolitano

Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva – ABRASBUCO

Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores – CUT.

Levante Popular da Juventude – célula de Saúde

Centro Acadêmico Emílio Ribas – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Eleonora Menicucci – ex-Ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

Juliana Cardoso – vereadora de São Paulo (PT)

Conceição Lemes – jornalista

Pedro Paulo Freire Piani – Centro de Referência em Álcool e Drogas II da Universidade Federal do Pará

Rita Louzada – Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Ana Cleide Guedes Moreira – Universidade Federal do Pará / Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Ângela Soligo – Universidade Estadual de Campinas

Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais

Coletivo Gaúcho de Residentes em Saúde

 

 

Foto: EDUARDO OGATA/SECOM