Execução orçamentária do SUS no enfrentamento à pandemia da Covid-19, por Élida Graziane

O relatório ‘Execução orçamentária do SUS no enfrentamento à pandemia da Covid-19’ foi elaborado pela Titular da 2ª Procuradoria de Contas do MP de São Paulo, Elida Graziane Pinto. Veja abaixo a introdução do documento e acesse a publicação no final desse texto.

I – Introdução

O presente relatório tem por objeto a execução orçamentária empreendida no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS para enfrentamento da pandemia da Covid-19, durante o período de 13 de fevereiro de 2020 a 30 de junho de 2021. Trata-se de estudo que atende à solicitação da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia (CPI da Pandemia), constante do Ofício nº. 1305/2021-CPIPANDEMIA, de 11 de junho deste ano. Sua origem é o Requerimento nº. 823/2021-CPIPANDEMIA, de autoria do Senador Alessandro Vieira.

O marco inicial da análise remonta à data em que o Ministério da Saúde publicou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus Covid-19 (disponível em https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/planocontingencia-coronavirus-COVID19.pdf).

Para que se possa indagar acerca da tempestividade, suficiência e qualidade dos gastos sanitários realizados por todos os níveis da federação ao longo do período considerado, é preciso contrastar a execução orçamentária voltada para o enfrentamento da pandemia com o planejamento que concebeu (ou deveria ter concebido) seus parâmetros operacionais nucleares e suas finalidades a serem alcançadas.

Busca-se, pois, avaliar a execução orçamentária do SUS conforme o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pela Covid-19 nesses 16 (dezesseis) meses acumulados desde sua edição. Muito embora referido período não corresponda exatamente a três semestres completos, para os fins metodológicos deste estudo, adota-se a seguinte correlação temporal e temática:

1º semestre de 2020contexto em que ocorreu (1) descoordenação nacional, com decorrentes (1.1) fragilidade do planejamento sanitário e (1.2) execução orçamentária insuficiente e lenta do Ministério da Saúde em favor do arranjo federativo do SUS para enfrentar a calamidade decorrente da Covid-19; bem como (2) aposta na curta duração da crise pandêmica e, por conseguinte, vigência temporalmente limitada do Orçamento de Guerra.

2º semestre de 2020período no qual houve, de certa forma, contaminação da gestão pandêmica pelo calendário eleitoral municipal, ao que se soma o controverso impasse fiscal na tramitação do projeto de orçamento anual da União para 2021, sem prorrogação do Orçamento de Guerra previsto na Emenda 106/2021.

Por fim, mas não menos importante,

1º semestre de 2021quando houve parcial descontinuidade da resposta sanitária, com consequente acúmulo de centenas de milhares de mortes evitáveis, em face do conturbado e atrasado processo de aprovação do orçamento federal para o exercício financeiro de 2021, bem como houve abertura de créditos extraordinários para atender a despesas previsíveis1 na continuidade do enfrentamento à pandemia em seu 2º ano. Há que se apontar ainda a controversa (e ainda pouco evidenciada) expansão de despesas realizadas com recursos da Ação 21C0 (criada para o enfrentamento primordialmente sanitário à calamidade decorrente da Covid-19), muitas delas diretamente repassadas pelo Fundo Nacional de Saúde – FNS, para serem executadas por órgãos militares.

Ainda que o Plano de Contingência Nacional seja a referência teórico-institucional acerca do que deveria ter sido feito idealmente na realidade brasileira; considerando que ele não foi cumprido, os três eixos temporais serão analisados à luz das seguintes fontes de dados, a que correspondem, tanto quanto possível, aos 8 (oito) anexos que acompanham o presente relatório:

  1. Painel de acompanhamento da execução orçamentária do Fundo Nacional de Saúde em relação aos créditos extraordinários abertos para enfrentamento da calamidade sanitária decorrente da Covid-19 (disponível https://painelms.saude.gov.br/extensions/TEMP_COVID19/TEMP_COVID19.html#);
  2. Painel de acompanhamento dos gastos globais com a Covid-19 do Governo Federal mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional (disponível em https://www.tesourotransparente.gov.br/visualizacao/painel-de-monitoramentosdos-gastos-com-covid-19);
  3. Manifestações técnicas das instâncias competentes de controle sobre a execução orçamentária federal no âmbito do SUS para fazer face à gestão da crise sanitária causada pela Covid-19: Ministério Público Federal – MPF, Conselho Nacional de Saúde – CNS e Tribunal de Contas da União – TCU;
  4. Artigos acadêmicos e notícias divulgadas na internet pela imprensa.

Eis a razão pela qual o texto será dividido em três capítulos, além desta introdução. No segundo capítulo, será explorado o rol de fragilidades da execução orçamentária do SUS ao longo desses três últimos semestres em que a pandemia da Covid-19 se desenrolou no Brasil.

No terceiro capítulo será analisado, por oportuno, o voto do Ministro Marco Aurélio nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 822 – ADPF 822/DF (disponibilizado eletronicamente em 25 de junho de 2021), o qual declarou “estado de coisas inconstitucional na condução das políticas públicas destinadas à realização dos direitos à vida e à saúde, considerada a pandemia covid-19”. Tal diagnóstico do Supremo Tribunal Federal (ainda que se refira, por enquanto apenas ao voto do Ministro Relator da ADPF 822) deve ser debatido, direta ou indiretamente, pela CPI da Pandemia, para que se possa buscar algum aprendizado institucional em torno de tantas perdas e sofrimento decorrentes da crise sanitária da Covid-19.

Em sede de considerações finais, serão consolidadas algumas rotas de explicação a título de hipóteses que merecem investigação adicional, assim como serão sugeridas indagações complementares, para que a CPI da Pandemia no Senado possa analisar, se seus membros assim o desejarem, impasses consideráveis na execução orçamentária do SUS durante o enfrentamento da Covid-19 nos exercícios financeiros de 2020 e 2021.

Referência:

1 Acerca da inconstitucionalidade do manejo de créditos extraordinários para atender a despesas previsíveis em face do art. 167, §3º da Constituição de 1988 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4048, na qual o Supremo Tribunal Federal fixou interpretação acerca dos limites materiais à edição de tais créditos, esta relatora analisou detidamente o tema no seguinte artigo: https://www.conjur.com.br/2021-fev-09/contas-vista-inconstitucionalabrir-credito-extraordinario-despesa-previsivel

Acesse o relatório: